Espacios. Espacios. Vol. 30 (1) 2009. Pág. 29
Marcos Paulo Fuck, Maria Beatriz Bonacelli y Sergio Paulino de Carvalho
Fuck & Bonacelli (2006) analisam a forma de atuação da Embrapa especificamente nos mercados de sementes de soja, trigo e milho no Brasil. Em termos de volume de sementes produzidas, tratam-se das três principais culturas cultivadas no país. Os três segmentos analisados pelos autores possuem características distintas.
No mercado nacional de sementes de soja, a reduzida apropriação dos resultados da pesquisa – devido às próprias características biológicas das sementes de soja – determinou forte dependência da pesquisa realizada por instituições públicas, sobretudo pela Embrapa. Havia também a presença do setor privado, sobretudo com programas de melhoramento genético ligado às cooperativas. Com o reconhecimento de direitos de propriedade intelectual para variedades de plantas e, a princípio, uma maior apropriabilidade para as inovações do setor, a partir da promulgação em 1997 da LPC, observou-se uma maior presença de empresas multinacionais no segmento a partir do final da década de noventa.
Após a LPC houve mudança também na estratégia do setor público (notadamente através da Embrapa). A Instituição ampliou sua articulação com as fundações de produtores de sementes e, no caso da soja RR (soja transgênica tolerante à herbicidas à base de glifosato), por se tratar de uma tecnologia que já estava protegida, com a empresa transnacional detentora de seus direitos. Essa forma de articulação do setor público com o setor privado é interessante para o processo de pesquisa (dado que com isso se amplia a capilaridade do processo e também os feed backs com o setor produtivo de diversas regiões, além do financiamento de parte das atividades), como também no mercado de sementes (dada a maior diversidade de produtos a serem ofertados, como no caso da soja RR, por exemplo) (Fuck & Bonacelli, 2006; Fuck & Bonacelli, 2007). Vale destacar também que a Embrapa está desenvolvendo outros tipos de cultivares de soja transgênica, como a resistente ao herbicida do grupo das imidazolinonas (em parceria com a Basf), soja geneticamente modificada mais tolerante à seca, em parceria com o Jircas (Japan International Research Center for Agricultural Sciences), entre outros tipos.
No segmento de sementes de milho, segmento em que historicamente a iniciativa privada tem grande participação, a Embrapa desenvolve parcerias na pesquisa de sementes híbridas e não-híbridas (variedades) com outras instituições públicas (como no caso das OEPAs) e privadas. Mais do que uma estratégia puramente competitiva, esta forma de atuação favorece que pequenas e médias sementeiras permaneçam competitivas em um mercado dominado pelas transnacionais. Favorece também o desenvolvimento de sementes voltadas aos pequenos produtores rurais. Vale destacar que os produtores de sementes de milho e a Embrapa estão discutindo uma nova forma de articulação, mais próxima àquela verificada no segmento de soja: os produtores de sementes se unem, financiam a pesquisa realizada pela Embrapa e obtêm um privilégio na comercialização da cultivar em questão durante período determinado. Sobre o desenvolvimento de variedades transgênicas de milho, Fuck (2005) (a partir de entrevistas realizadas) relata que a Embrapa está desenvolvendo pesquisas para a obtenção de milho geneticamente modificado com adaptacão a estresse abiótico (alumínio e fósforo), com melhor qualidade (metionina e lisina) e resistente a pragas (com Bt - Bacillus thuringiensis - próprio).
Tal como no mercado de soja, a Embrapa tem lugar de destaque no melhoramento genético de trigo e também realiza parcerias na pesquisa de novas cultivares. A ampliação dessas parcerias entre Embrapa, OEPAs, universidades e cooperativas pode ser relevante para o desenvolvimento da triticultura no Brasil, sobretudo na região dos cerrados. A complementaridade entre as pesquisas de diferentes instituições pode ser o caminho para o desenvolvimento de cultivares adaptados às condições locais e com boa qualidade industrial, o que pode ser um incentivo à produção nessas regiões menos tradicionais. A produção de sementes apropriadas para os diferentes climas e solos dos diversos estados produtores (os que produzem tradicionalmente e as áreas novas de cultivo) torna-se imprescindível para a ampliação da produção nacional de trigo (Fagundes, 2003).
Percebe-se então que a Embrapa executa sua função pública e ocupa espaços estratégicos nos três segmentos analisados. No segmento de soja essa nova forma de articulação visa, entre outras coisas, ampliar a concorrência, a partir de uma posição de destaque no mercado de sementes, contribuindo, com isso, para uma maior participação nacional nesse segmento, particularmente em relação às empresas transnacionais. No segmento de milho, apesar da Embrapa não ter grande parcela de mercado, sua forma de atuação possibilita que esse segmento não seja definitivamente dominado pelas transnacionais, além de ofertar sementes que se adaptam melhor às necessidades dos pequenos e médios produtores. A Embrapa é a principal instituição que atua na pesquisa e no mercado de sementes de trigo e sua forma de atuação, sobretudo a partir de parcerias com outros atores, favorece o desenvolvimento de novas cultivares de trigo, contribuindo com o avanço da triticultura no Brasil.
Diferente do que ocorre no caso brasileiro, a participação do INTA na pesquisa e no mercado de sementes de soja é discreta. Neste segmento, o Instituto gerou 38 variedades, sobretudo não transgênicas (algumas variedades transgênicas com tolerância ao glifosato estão em fase final de avaliação). O Instituto trabalha com germoplasma resistente à seca, pragas, enfermidades e na melhora da qualidade nutritiva. O aporte do INTA se manifesta principalmente nas técnicas de manejo de cultivo, controle de pragas, enfermidades e doenças e em técnicas de plantio. Nos últimos anos, o expressivo avanço no plantio da oleaginosa foi possível devido à difusão de variedades transgênicas resistente a herbicida e à adoção massiva do plantio direto. “A Instituição dá aporte a esse processo com a geração de um pacote integrado de manejo do cultivo” (INTA, 2006).
Como dito no item anterior, o desenvolvimento de variedades de milho híbrido na Argentina até os anos 60 estava fortemente ligado ao setor público. A partir daquele momento, com a mudança na forma de inscrição de novos cultivares híbridos, o segmento passou a ser mais atrativo ao setor privado. Devido à sua maior eficiência na logística, que vai da pesquisa e desenvolvimento até a disponibilidade das sementes aos produtores, o setor privado passou a se destacar no abastecimento do mercado de milho na Argentina. Vale destacar também que com o crescimento do setor privado no melhoramento genético de milho, muitos pesquisadores do INTA acabaram sendo contratados por tais empresas, despovoando progressivamente as equipes de pesquisa da Instituição Pública (Gutierrez & Penna, 2004). O INTA mantém parcerias com a indústria sementeira. Com base nessas parcerias, desde 1992 foram criados mais de 60 linhagens e estoques genéticos. Merece atenção também as pesquisas desenvolvidas pelo Instituto para o desenvolvimento de milho transgênico resistente ao vírus “Mal de Rio Cuarto” (INTA, 2006).
Dos três segmentos analisados, o INTA possui maior participação de mercado no de trigo. O INTA possui 66 variedades inscritas de trigo. Como dito, a partir do final dos anos oitenta, a estratégia do INTA tem sido trabalhar de forma associada com empresas privadas em Convênios de Vinculação Tecnológica. Um desses convênios é com a empresa Bioceres, o que levou ao desenvolvimento de 10 variedades BIOINTA, das quais 6 já estão em fase de produção e comercialização (INTA, 2006). Pelo acordo, a Bioceres financiará por um período de 10 anos o Programa de Melhoramento Genético de Trigo do INTA e terá a licença exclusiva de todas as variedades desenvolvidas durante os anos em que dure o convênio, podendo multiplicar as variedades e as comercializar na Argentina e nos países vizinhos. O acordo estabelece o trabalho cooperativo com sete estações experimentais do INTA, com 60 produtores e 20 sementeiros associados à Bioceres, que realizarão a multiplicação e comercialização das variedades, ao passo que o INTA manterá a titularidade do germoplasma (Rapela, 2006).
Isso posto, percebe-se que, sobretudo no caso da soja e do milho, a participação do INTA na pesquisa e no mercado de sementes dessas culturas vem retrocedendo nas últimas décadas. O avanço na utilização de variedades transgênicas de soja evidenciou uma situação de impotência do setor público frente às novas opções tecnológicas. Os trabalhos que vem sendo realizados pelo INTA em relação a essa questão estão mais próximos à extensão rural do que propriamente à pesquisa.
Por conta disso, entende-se a necessidade de que o país vizinho tenha uma política pró-ativa em relação à pesquisa em biotecnologia agropecuária, “tanto para assegurar atenção aos problemas específicos da Argentina, como também como um instrumento de defesa da concorrência, promovendo fontes alternativas de ‘eventos’, de modo a evitar possíveis comportamentos monopólicos no mercado de sementes” (Trigo et al., 2002).
O novo contexto que vem sendo desenhado para a atuação das IPPs evidencia uma maior articulação com o setor privado. No caso da área agrícola, isso se mostra fundamental tanto para a realização da pesquisa como também para a atuação junto ao mercado de sementes. Na pesquisa, essa maior aproximação é interessante para se buscar a complementaridade de ativos como, por exemplo, no caso das pesquisas com biotecnologia, que geralmente são realizadas por diversos atores tanto devido à complexidade do processo, com também pelo fato de que parte dos produtos e processos já se encontram protegidos. No mercado de sementes, a maior aproximação é fundamental para a multiplicação em volume adequado das novas cultivares, além de possibilitar uma maior troca de informações sobre as condições em que as sementes serão cultivadas, bem como da própria forma de sua comercialização.
Como dito, a definição das políticas de propriedade intelectual é fundamental nesse processo de articulação com o setor privado. Isso possibilita uma melhor organização da pesquisa e do mercado de sementes. A Embrapa e o INTA estão em permanente processo de discussão dessa política para valorizar, entre outras coisas, seus ativos, principalmente bancos de germoplasma. Isso se mostra pela forma cada vez mais seletiva que as instituições estão se articulando com o setor privado, evitando oportunismos quanto à apropriação do patrimônio genético que se encontra em poder das IPPs, promovendo, simultaneamente, a ampliação dos benefícios sociais via participação de pequenos produtores em mercados que podem também ser alvo de interesse de grandes empresas do setor de sementes.
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