Marcos Paulo Fuck*, Maria Beatriz Bonacelli** y Sergio Paulino de Carvalho***
Recibido: 06-06-08 - Aprobado: 05-09-08
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As Instituições Públicas de Pesquisa Agropecuárias (IPPAs) têm significativa importância na pesquisa científica e no desenvolvimento de novas tecnologias e práticas culturais que beneficiam, direta ou indiretamente, diversos segmentos sociais. No caso brasileiro e argentino, a atuação dessas instituições foi fundamental para o desenvolvimento de importantes atividades agropecuárias como, por exemplo, a ampliação na produção de grãos, frutas e hortaliças, o desenvolvimento de tecnologias para o complexo carnes, leites e derivados, entre vários outros. Além dessas Instituições, diversos outros atores públicos e privados participam do processo de pesquisa e desenvolvimento, como universidades, cooperativas de produtores rurais, fundações de produtores de sementes, empresas privadas nacionais e transnacionais, entre outros. Em alguns casos, as atividades desses diferentes atores se complementam. Esse é um fenômeno que, notadamente nos últimos anos, vem ganhando relevância nas estratégias desses atores e se apresenta como uma das características marcantes da nova forma de organização das atividades de pesquisa científica e tecnológica.
Para uma melhor articulação com o setor privado, entende-se que as IPPAs devem possuir uma política clara em relação à propriedade intelectual dos conhecimentos gerados. Isso é importante tanto para ter acesso aos conhecimentos desenvolvidos por outras instituições, como também para uma melhor definição de como fazer a transferência das tecnologias por elas geradas. O objetivo do artigo é justamente realizar tal discussão a partir do estudo dos casos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria (INTA). Tratam-se de duas IPPAs de grande importância no desenvolvimento da agropecuária no Brasil e na Argentina, respectivamente, e mesmo para a América do Sul, em geral.
As duas IPPAs possuem diferentes histórias. O INTA foi fundado em 1956, no contexto da Revolução Verde, tendo por objetivo modernizar a agricultura argentina a partir da adaptação e geração de tecnologias agropecuárias e do desenvolvimento de práticas de extensão rural. Desde então, a Instituição se faz presente nas principais regiões produtoras e concentra os esforços em pesquisa agropecuária no país. A criação da Embrapa foi posterior, em 1972, e, desde o início, mostrou-se diferente do caso argentino: seu foco era com a pesquisa (a extensão era atribuição de outra organização federal, EMBRATER, extinta em 1991, em articulação com organizações de assistência técnica e extensão rural estaduais, estas últimas ainda em operação) e cabia à Instituição coordenar a pesquisa em nível nacional a partir da organização dos principais atores componentes do sistema, como as Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária (OEPAs), as Universidades, as cooperativas de pesquisa etc.. Em comum, as duas IPPAs possuem o fato de terem atravessado ao longo de suas histórias momentos de crise financeira e institucional e de estarem passando, nos últimos anos, por um processo de reorganização institucional.
Além desta introdução, o artigo é composto pelos seguintes capítulos: o primeiro discute os principais fatores que têm afetado as IPPAs nos últimos anos e a forma de gestão da propriedade intelectual, algo fundamental nesse momento de maior articulação com o setor privado. O segundo e o terceiro capítulos apontam as principais características das políticas de transferência de tecnologia da Embrapa e do INTA e de suas articulações com o setor privado. Para aprofundar essas questões, o quarto capítulo apresenta as principais características das formas de atuação da Embrapa e do INTA nos mercados de soja, milho e trigo em seus respectivos países. Por fim, apresentam-se as conclusões do artigo.
Os últimos anos têm sido marcados por diversos acontecimentos que afetam a forma de organização do processo de pesquisa. Com base em levantamento realizado em cerca de vinte países, Salles Filho et al. (2000), embora considerem que não haja um padrão de reorganização predominante, apontam algumas dimensões comuns ao processo de reorganização das Instituições Públicas de Pesquisa (IPPs), independente da área disciplinar e temática do país. Essas dimensões permitem uma visão bastante aproximada dos principais elementos que estão sendo alvo de mudanças nas IPPs, sendo elas: diversificação das fontes e mecanismos de financiamento da pesquisa; redefinição dos espaços, dos atores e de seus papéis; interação e coordenação entre os atores; compreensão das dinâmicas setoriais e disciplinares; e reconciliação do compromisso público e novas relações contratuais com o Estado.
Em relação ao primeiro dos elementos citados, a diversificação das fontes e mecanismos de financiamento da pesquisa, os autores destacam que o corte de verbas destinadas à pesquisa vem impondo a busca de fontes não convencionais de financiamento e de novos mecanismos para a alavancagem de recursos (públicos e privados). A flexibilidade que a estrutura das IPPs deve oferecer tem sido um dos elementos mais relevantes para a viabilização desta estratégia, pois os acordos que possibilitam a obtenção de recursos para a instituição, geralmente, envolvem a pesquisa conjunta, o estabelecimento de novas entidades jurídicas, joint ventures etc.. Nesse contexto, os autores destacam que captação e geração de recursos financeiros são práticas que requerem planejamento e capacitação específicos.
O segundo elemento, a redefinição dos espaços, dos atores e de seus papéis, diz respeito às grandes mudanças verificadas no cenário de ciência e tecnologia, o que levou a uma redefinição do espaço normalmente ocupado pela pesquisa pública, devido, entre outras coisas, à ocorrência de fatores como a emergência de novas áreas do conhecimento (biologia molecular e microeletrônica, por exemplo) e a incorporação de áreas de pesquisa antes mantidas fora do campo de interesse (ou do mandato) das IPPs. Isso desorganizou os espaços da pesquisa pública (e do investimento privado) e os está reorganizando em novas bases, ainda não claramente definidas. Essa reconfiguração se apresenta ainda mais complexa num momento de intensa transformação social, econômica e política. Nesse contexto, eleva-se a necessidade de relocalização das IPPs no cenário da pesquisa e da inovação, o que pressupõe a redefinição das competências essenciais.
O terceiro elemento, a interação e coordenação entre os atores, destaca justamente que a interação e a cooperação entre diferentes agentes que atuam no processo de inovação surge como opção às IPPs para melhor aproveitar economias de escala e de escopo ligadas às atividades de P&D. Isso representa uma nova forma de atuação, que destaca cada vez mais a necessidade de abandonar estratégias “auto-centradas” e enfatiza as múltiplas formas de cooperação que podem e devem ser desenvolvidas, com destaque para a atuação em redes.
O quarto elemento, a compreensão das dinâmicas setoriais e disciplinares, diz respeito a alguns pontos: a definição das competências e produtos essenciais; estratégia de relacionamento com o ambiente externo; capacidade de alavancagem de recursos; e reconhecimento da natureza pública. O primeiro ponto, a definição das competências, passa tanto pelo conhecimento das especificidades dos setores econômicos com os quais a instituição se relaciona, como pelas características que definem as interações entre esses setores, as áreas do conhecimento e as disciplinas predominantes em cada instituição. O segundo ponto, a estratégia de relacionamento com o ambiente externo, refere-se ao fato de que uma vez definida a competência essencial é preciso, para desenvolvê-la e transformá-la em produtos, traçar as parcerias e as relações essenciais. O terceiro ponto, capacidade de alavancagem de recursos, revela que o impacto das especificidades setoriais e disciplinares é muito grande, razão pela qual não há um padrão geral de alavancagem, mas sim um balanço variado entre captação e geração de recursos por parte das IPPs. O quarto ponto, o reconhecimento da natureza pública, mostra que a legitimação social de uma IPP não se basta pelo cumprimento de funções públicas com eficiência; a percepção pública da atividade realizada pela sociedade, geralmente, é também fator crucial de legitimação.
O quinto elemento destacado pelos autores em questão, reconciliação do compromisso público e novas relações contratuais com o Estado, diz respeito às funções públicas desempenhadas pelas IPPs e suas novas bases contratuais. Os autores destacam as seguintes funções públicas por parte das IPPs: geração de conhecimento estratégico; a formulação de políticas públicas; a execução de políticas públicas; a geração de oportunidades de desenvolvimento econômico, social, ambiental; e arbitragem. Ainda segundo os autores, as novas bases contratuais entre governo e IPPs devem regular as relações institucionais, particularmente no que diz respeito aos seguintes aspectos: avaliação por resultados mais do que dos procedimentos e flexibilidade e autonomia na gestão dos recursos financeiros, orçamentários e humanos como condições essenciais para a sobrevivência e o crescimento das IPPs e para o cumprimento de suas funções públicas.
Ainda nessa linha de argumentação, Bonacelli & Salles-Filho (2004) destacam alguns pontos relacionados à forma como as IPPs devem se reorganizar de modo a enfrentar o contexto de desenvolvimento científico e tecnológico e/ou a própria dinâmica da inovação. Esses pontos são os seguintes:
Fischer & Byerlee (2002) observam mudanças no ambiente em que as IPPAs dos países em desenvolvimento executam suas atividades, sobretudo em relação às questões referentes à propriedade intelectual e à geração de recursos. Essas instituições estão se reorganizando de modo a continuar a cumprir seus objetivos sociais, ao mesmo tempo em que adotam políticas de propriedade intelectual para valorizar seus ativos (banco de germoplasma, principalmente). Os autores ressaltam a necessidade de reforçar a capacitação e as competências em gestão de propriedade intelectual por parte dos formuladores de políticas agrícolas, dos gestores das IPPAs e também dos cientistas.
Nesse sentido, Correa (1999) destaca que a propriedade intelectual requer uma gestão especializada. Referindo-se aos Institutos Nacionales de Tecnología Agropecuaria (INIAs) do Cone Sul, o autor ressalta que a gestão da propriedade intelectual dessas Instituições deve basear-se em uma definição prévia de suas políticas institucionais na matéria, em particular quanto à difusão que se dará aos resultados das pesquisas realizadas.
Correa (1999) destaca, ainda, que no caso dos INIAs dos países do Cone Sul se observa uma evolução das políticas aplicadas. Há uma tendência crescente de proteger os resultados das pesquisas para evitar sua apropriação – sem compensação – por parte das grandes empresas (que possuem maior capacidade de apropriação) e de favorecer os resultados das pesquisas aos agricultores e produtores locais. O autor cita os exemplos do INTA e da Embrapa. Segundo ele, o INTA é o principal titular de direitos de obtentor na Argentina e tem uma política ativa de vinculação tecnológica com o setor produtivo. A Embrapa também se destaca nessa área. Em 1996 adotou a “Política Institucional para a Gestão da Propriedade Intelectual” , segundo a qual a Instituição procura ativamente a proteção legal dos resultados de suas pesquisas e maximiza ao máximo o uso de direitos de propriedade intelectual mediante a licença de processos e produtos sem comprometer sua missão social.
O autor também chama a atenção para diversos aspectos que devem ser incluídos na gestão da propriedade intelectual:
Com base nessas observações, os próximos capítulos analisam as políticas de propriedade intelectual e de transferência de tecnologia que vêm sendo implementadas pela Embrapa e pelo INTA.
* Grupo de Estudos sobre a Organização da Pesquisa e da Inovação (GEOPI/DPCT/Unicamp). E-mail: fuck@ige.unicamp.br
**Grupo de Pesquisa sobre a Organização da Pesquisa e da Inovação (GEOPI/DPCT/Unicamp). E-mail: bia@ige.unicamp.br
***Grupo de Estudos sobre a Organização da Pesquisa e da Inovação (GEOPI/DPCT/Unicamp). E-mail: sergio@ige.unicamp.br