José Henrique Souza
A CACEX regulava as importações de equipamentos permitindo a importação somente de bens sem similar nacional ou quando contemplados nos Acordos de Participação com a Indústria Nacional.12.
Cabia às Estatais e às associações empresariais envolvidas (ABDIB, ABINEE, ABIMAQ,...) o exame da similaridade e dos índices de nacionalização. Tais exames resultavam da conciliação entre os interesses desses dois agentes e da capacidade da indústria local atender o fornecimento (MELLO, 1993: 54).
Ao que tudo indica a CACEX não se entusiasmou com o Sistema NAI. Apesar dela participar do GS-1 do CDI, alguns de seus membros não acreditavam no Sistema NAI.
A EMBRAMEC, hoje BNDESPAR, procurava capitalizar as empresas de bens de capital através da subscrição de ações; compra de projetos de engenharia para transferência posterior às empresas nacionais ou contratando o desenvolvimento desses projetos. Devido a essa missão, o BNDESPAR também participava do GS-1 do CDI.
O BNDESPAR visava preencher os espaços vazios da indústria de máquinas usando as empresas locais já existentes. Para isso, promovia joint-ventures com empresas estrangeiras (estas com participação societária minoritária) para aquisição de tecnologia (VILLELA, 1980).
O NAI da HOLDING promovia o entendimento das empresas estrangeiras com uma nacional, junto com o BNDESPAR, CACEX, CDI e FINEP. O BNDESPAR entrava como sócio com ações preferenciais sem direito a voto. O sócio estrangeiro entrava com ações com direito a voto e também com ações preferenciais sem direito a voto. A empresa nacional entrava com uma parcela dos dois tipos de ações de tal forma que ficasse com a maioria do capital votante. Isso viabilizava a empresa nacional a se associar a uma estrangeira. Depois que a empresa se consolidava, o BNDESPAR vendia suas ações desde que a maioria do capital votante ficasse com a empresa nacional.
O CDI se incorporou ao Sistema NAI empenhando seus mecanismos de incentivo às empresas nacionais. Esse conselho tinha o poder de conceder incentivos ao projetos de investimentos através da concessão de CRFs; de incentivos fiscais via redução do Imposto sobre Importação e Produtos Industrializados e de estímulos à exportação pela Comissão para Concessão de Benefícios Fiscais a Programas Especiais de Exportação (BEFIEX) 13.
Já em 1974 era uma orientação do CDI se articular com outras instituições para fortalecer a empresa nacional. O CDI apoiou bastante o Sistema NAI, porém, no início da década de 1980 o CDI perdeu poderes e funções. Isso o levou a querer conquistar a função de SE-CCNAI o que lhe daria algum poder sobre a política de compra das empresas estatais.
As importações se tornaram difíceis após 1979. As estatais passaram a montar ou exigir mais dos seus NAIS sem que a SE-CCNAI conseguisse administrá-los. Para a própria SE-CCNAI A percepção desse espaço de atuação, politicamente estratégico e não consolidado pela FINEP, tornou praticamente sugestivos os esforços do CDI para transferir a SE-CCNAI para a órbita do MIC, em meados de 1983 (SE-CCNAI, 1984a).
Essa tentativa foi favorecida por mudanças na posição que a SE-CCNAI ocupava na FINEP. Uma reestruturação administrativa na FINEP distanciou a SE-CCNAI do centro decisório e colocou-a sob o poder do Departamento de Relações Institucionais 1 (DRI-1) que apresentava grande rotatividade administrativa. Alguns participante passaram a agir com maior distância em relação à SE-CCNAI. O CDI aproveitou o momento, inclusive com o apoio do próprio DRI-1, para tentar retomar o comando do Sistema (SE-CCNAI, 1984a).
Como o CCNAI não funcionou, o CDI se tornou incapaz de coordenar as ações dos integrantes do Sistema. A SE-CCNAI se tornou autônoma. Incapaz de harmonizar as ações dos agentes, no topo do Sistema, restou ao CDI tentar retomar o controle sobre sua secretaria executiva. Assim, o CDI retomaria uma posição de destaque dominando a rede de relações que restavam ao Sistema. Tal tentativa fracassou e o CDI se contentou em manter a função burocrática mais importante do Sistema: o poder de emitir o CRF sem o qual as empresas privadas não podiam receber financiamento da FINAME e nem vender às estatais.
Ocorre que mesmo a proteção do CDI não impedia que subsidiárias de empresas estrangeiras se instalassem no país. Além disso, a maioria das empresas estatais tinha uma política bastante pragmática. Não havendo condições econômicas e tecnológicas para fortalecer uma empresa nacional incentivava-se os investimentos diretos ou as importações.
Os NAIs pouco se dedicaram ao mercado externo mas auxiliaram a empresa nacional a se diversificar, especializar, ocupar o mercado local e se capacitar tecnológica e financeiramente. Suas políticas de padronização e de agregação da demanda aproveitaram uma oportunidade de desenvolver segmentos importantes da indústria de bens de capital.
Porém, a estrutura e a atuação dos NAIs apresentaram deficiências. As pessoas que participaram dos NAIs tiveram que lutar pelo fortalecimento tecnológico das empresas nacionais em um ambiente e sob condições pouco propícias. O CDE montou o Sistema NAI como um móbile na esperança de que suas partes componentes se movessem equilibradas e harmoniosas em direção ao progresso técnico. Alguns problemas básicos, comentados a seguir, colocaram esse inovador instrumento de política tecnológica por terra.
A hipótese do governo em 1974, era que o fomento tecnológico e o direcionamento da demanda estatal elevariam a capacitação tecnológica da indústria nacional de bens de capital. As metas industriais e tecnológicas deveriam se completar. A modernização industrial, a formação de recursos humanos e a inovação apoiadas pelo financiamento e pela infra-estrutura de P&D resultaria na grande empresa nacional competitiva mundialmente.
O Sistema NAI foi criado nesse momento de otimismo exagerado. Não se esperava um novo choque do preço do petróleo e nem os efeitos negativos que a inflação e a elevação dos juros internacionais poderiam exercer sobre a estratégia de maior abertura comercial.
O Sistema NAI teve que buscar a capacitação tecnológica numa economia fechada. A tecnologia de produto foi enfatizada deixando para a segunda metade dos anos 80 a ênfase sobre a tecnologia de produção e as gerências da competitividade, da qualidade e das parcerias globais. Não se pensava, até aquele momento, a tecnologia vinculada a uma visão gerencial global e estratégica centrada no cliente e no mercado externo.
O Estado montou o Sistema NAI sem consultar as empresas nacionais de bens de capital. Elas não integraram o Sistema mas poderiam ter elaborado estratégias para segmentos do setor no GS-I do CDI. Os agentes públicos participantes também não foram consultados o que desestimulou o engajamento e uma melhor definição de seus papéis.
O desenho do Sistema era inteligente e original para época. Ele permitia o debate e a coordenação dos recursos de política tecnológica e econômica. Porém, a coordenação ficou restrita aos órgãos estatais. O regime político e o estilo do governo Geisel não ajudaram a montagem de uma estrutura de trabalho cooperativa entre o Estado e as empresas.
Tais problemas tiveram que ser solucionados pelos membros da SE-CCNAI e dos NAIs. Assim, a resolução do impasse ficou a cargo de atores que não dispunham muito mais que boas análises, dedicação, capacidade de convencimento e entusiasmo. Parte desses problemas poderia ter sido evitado com mais diálogo entre o Estado e os atores sociais. Uma maior interação entre o Estado e a iniciativa privada, na forma de REDES HORIZONTAIS 14 poderia ter favorecido o montagem de uma estrutura de trabalho mais cooperativa.
O NAI foi incorporado à hierarquia decisória do principal ator do Sistema, a estatal. Seu poder dependia do apoio que a diretoria da estatal lhe concedia, de sua proximidade dos centro decisório e do entusiasmo e engajamento do Coordenador do NAI-E.
O poder dos NAIs também dependia das relações de força entre os departamentos das estatais, da ideologia de seus engenheiros e das disputas entre governadores. Essas forças influenciavam decisivamente a política de compra da estatal e a atuação dos NAIs.
O Estado brasileiro nos anos 70 e 80 não articulou as políticas comercial, industrial, educacional e tecnológica para desenvolver o sistema nacional de inovação de forma coerente. A política explícita da FINEP visava a autonomia tecnológica. As demais políticas buscavam no câmbio e no salário defasados, e não no avanço tecnológico, o estímulo às exportações. O Estado não coordenou medidas isoladas de agentes que buscavam, cada qual, sua própria política industrial. Programas que incorporavam a academia, agências de fomento e empresas locais como os PNDs e PBDCTs, tiveram vida curta.
A FINEP promovia o desenvolvimento tecnológico da empresa nacional; o BNDESPAR limitava o poder acionário das inversões externas; a estatal e a FINAME incentivam a compra local de bens de capital; as universidades geravam recursos humanos, mas a CCNAI se mostrou incapaz de coordenar esses trabalhos e gerar sinergia ao Sistema.
No início ela foi considerada como uma intervenção no poder decisório das estatais e não como entidade coordenadora. Desequilíbrios macroeconômicos levaram os integrantes da CCNAI a seguir políticas as vezes conflituosas. As diferenças de poder político e financeiro entre seus atores e a política econômica também não favoreciam seu trabalho.
O fracasso da CCNAI eliminou a principal inovação do Sistema: a coordenação dos instrumentos de política industrial com objetivos seletivos. O Sistema NAI que fora projetado para ser uma instância de debate e coordenação de ações acabou por se tornar um programa de fomento da FINEP com característica de redes intra-industriais.
Não havia um Projeto abrangente de desenvolvimento econômico que orientasse os NAIs. Para FINEP era difícil encontrar e articular a ciência inspirada por projetos industriais com o capital disposto a se arriscar a produzir ou comprar produtos inovadores. Assim, ela passou a atuar como indutora de uma rede de atores e não como gestora de uma estrutura sistêmica. A FINEP articulou redes com diferentes graus de efeitos sistêmicos e com atores que modificaram seus objetivos e ações ao longo do tempo. Por esses motivos, para avaliar melhor o que prejudicou o trabalho da FINEP é necessário considerar os problemas surgidos nas principais interconexões da teia de relações do Sistema.
O CDI presidia a CCNAI e detinha o instrumento mais importante do Sistema: o direito de emitir CRFs. Porém, quem comandava os NAIs era a SE-CCNAI. Como a CCNAI não se concretizou o CDI perdeu o controle sobre a sua secretaria executiva e sobre a rede dos NAIs. A relação de força entre o CDI e a SE-CCNAI dependia do poder da SE-CCNAI atender suas obrigações, do respaldo que ela recebia da direção da FINEP e da capacidade do CDI coordenar os demais integrantes do Sistema.
Quando as relações entre a SE-CCNAI e os NAIs das holdings (NAIs-Hs) não eram amigáveis o funcionamento do Sistema dependia do engajamento da estatal e do grau de liberdade que a estatal tinha em relação a sua holding. Os ganhos que um trabalho cooperativo sob estas condições poderiam gerar eram maiores para a estatal que para o setor.
As relações dos NAIs-Es com os NAI-Hs dependiam das relações das holding com suas filiais e subsidiárias. Se essas relações fossem harmoniosas, havia sintonia nas atividades dos NAIs e se a holding fosse forte junto a suas subsidiárias ela podia orientar os NAI-Es.
Entretanto, tal concordância nem sempre ocorria. O NAI-SIDER, por exemplo, somente existia por força da lei e para que a holding não ficasse totalmente alienada do que estava ocorrendo. Alguns NAIs de Holdings tinham mais colaboração das empresas estaduais do que de suas próprias empresas. Essas achavam que participando do Sistema perderiam autonomia perante a holding, As estaduais encaravam o trabalho dos NAIs como uma relação técnica. Dessa forma, o engajamento e o viés do NAI-E (mais ou menos engajado) dependia do poder de sua empresa junto à holding e da ideologia da direção da estatal 15.
O engajamento das estatais e de seus NAIs junto aos Grupos de Trabalhos (GTs) sofria interferências políticas do Executivo. Esses Grupos de Trabalhos surgiram para unir esforços e evitar trabalho duplo entre os NAIs, mas as disputas entre governadores de estado e a ideologia da direção da estatal interferiam no empenho de suas empresas junto aos GTs.
O trabalho dos GTs e dos NAIs também dependia do departamento (suprimentos, engenharia, etc...) onde o NAI-E estivesse instalados. A forma como os técnicos dos departamentos encaravam a política de fortalecimento dos fornecedores e a corrupção na área de compras determinava o entusiasmo do NAI-E no seu trabalho e junto aos GTs.
Um BANCO DE DADOS sobre preço e uma BOLSA DE MATERIAIS procuraram dar transparência ás atividades de compra das estatais. Porém, a inflação e a falta de controle sobre os gastos de algumas estatais dificultavam a eficiência na política de compra. Assim, para que houvesse uma coordenação entre GTs ou entre NAIs de um mesmo setor, era preciso entusiasmo e objetivos comuns 16.
12 Esses acordos eram regidos pelo Decreto Lei no. 37 de 1966, conhecido como a Lei do Similar Nacional
13 Criada em 1972 para incentivar (isenção e redução de IPI e II) programas de exportação de empresas instaladas no Brasil. Em 1974 o BEFIEX funcionava junto ao CDI no MIC.
14 O conceito de redes horizontais foi detalhado por MEYER-STAMER 1995.
15 A USIMINAS, por exemplo, se considerava acima dos objetivos dos NAIs. Seu NAI não repassava as informações para o NAI-SIDER o que dificultava o trabalho de padronização de peças. Assim, as disputas entre a SIDERBRÁS e a USIMINAS refletiam no trabalho dos NAIs da siderurgia.
16 No caso do setor ferroviário, por exemplo, houve momentos em que enquanto o METRO/SP tinha uma sistemática de atuação o NAI da RFFSA não tinha nem um programa de nacionalização pré-estabelecido (SE-CCNAI, 1981b).