José Henrique Souza
Os agentes do Sistema NAI tinham objetivos complementares. O trabalho harmonioso desses agentes poderia fortalecer seus instrumentos de política industrial. A CCNAI coordenaria os NAIs compatibilizando seus métodos operacionais e recolhendo e difundindo informações. Ou seja, ela agiria como fator indutor e não como órgão normativo e impositivo.
Porém, o modelo sistêmico do NAI não se concretizou. De fato, sua estrutura só funcionaria sob condições econômicas muito favoráveis e com uma estreita articulação entre os agentes. A falta dessas condições impediu a ação harmoniosa das engrenagens do sistema.
A CCNAI não conseguiu coordenar as ações dos seus integrantes e deixou de existir em 1979. A FINEP/SE-CCNAI assumiu a coordenação dos NAIs (FIGURA 2 da próxima página) mesmo sabendo que o CDI seria incapaz de coordenar as demais agências do Estado.
A SE-CCNAI tinha um Secretário Executivo e coordenadores que acompanhavam os NAIs setoriais. Eles se reuniam para discutir o Sistema e questões como: comportamento dos investimentos, estratégias, engajamento do pessoal e oportunidades de fomento que surgiam.
A SE-CCNAI passou a direcionar o Sistema 9. Ela repassava dados e experiências dos NAIs aos demais participantes e às entidades interessadas no seu trabalho através de Encontros, Boletins Informativos e Cursos. Também se comunicava com o NAI da Holding (NAI-H) ou das subsidiárias (NAI-Es) mas, buscava deixar aos NAIs-H o acompanhamento direto dos NAIs-E, mantendo uma ação maisconscientizadora, articuladora e orientadora.
Figura 2
Organigrama real do sistema NAI
O objetivo da SE-CCNAI se estendeu para a competitividade industrial via redução dos preços e aumento da qualidade e produtividade. Para alcançá-los a SE-CCNAI dependia da empresas estatais. Elas exigiam qualidade e desenvolviam tecnologia para os fornecedores. Aceitavam que os preços dos bens desenvolvidos no país fossem maiores que os externos desde que houvesse um limite e uma tendência de aproximação com os preços externos.
Muitas das empresas nacionais eram tecnologicamente passivas. Elas compravam tecnologia de fabricantes estrangeiros que não conseguiam exportar para o Brasil. Esses vendiam tecnologia de fabricação e alguns componentes e as empresas nacionais fabricavam com receitas prontas. A SE-CCNAI orientava as empresas e associações industriais a diminuir essa dependência. Através dos financiamentos da FINEP, a SE-CCNAI exigia que o empresário que lançasse mão de licenciamento deveria montar equipes para se capacitar em projetos. Desse modo, buscava-se elevar o conteúdo tecnológico das empresas nacionais.
Para fiscalizar se as empresas realmente montavam equipes de engenheiros, a SE-CCNAI usava os técnicos dos NAIs das estatais ou indicados por eles. Os engenheiros das estatais faziam compras e inspeções constantes junto aos fornecedores. Eles conheciam a problemática, os detalhes, as especificidades tecnológicas e as condições de operação dos produtores. Já o técnico da FINEP não era um especialista de áreas técnicas.
A SE-CCNAI também analisava, junto com especialistas dos NAIs, os projetos que exigiam a participação dos integrante governamentais. O objetivo era identificar os projetos que incorporavam capacitação tecnológica e que mereciam apoio das agências de fomento.
Outros projetos chegavam à FINEP sem passar pelos NAIs mas tinham que ser analisados por várias pessoas da FINEP, em grupo. Nesse momento os NAIs também desempenhavam um papel importante. Os técnicos da SE-CCNAI conseguiam, pelos NAIs, informações sobre o mercado para determinados projetos. Porém, quando o NAI desqualificava o fabricante ou seu projeto, o técnico da SE-CCNAI emitia um parecer contrário ao projeto que, muitas vezes, havia sido aprovado em outras áreas da FINEP.
Os técnicos da FINEP que trabalhavam na SE-CCNAI tinham, através dos NAIs, informações privilegiadas. Havia uma rede de relações na qual os NAIs atuavam como uma fonte de informações entre a FINEP e as estatais e como compradores orientados ao desenvolvimento tecnológico. A FINEP obtinha informações mais seguras sobre as firmas nacionais o que lhe permitia uma visibilidade externa mais ampla (SE-CCNAI, 1984b). Porém, a SE-CCNAI não tinha poder legal ou financeiro capaz de lhe dar autoridade. Os investimentos da FINEP eram pequenos frente ao orçamento das empresas estatais.
A FINEP era Secretaria Executiva do FNDCT e agência de fomento da Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Sua função era apoiar estudos, projetos e programas de desenvolvimento tecnológico relacionados às metas do planejamento federal.
Como SE-CCNAI, a FINEP celebrava ACORDOS DE COOPERAÇÃO TÉCNICA E FINANCEIRA com as estatais10. Esse instrumento, gerado dentro do ADTEN, seguia as condições desse programa e tinha por objetivos: a) estimular a pesquisa, desenvolvimento e fabricação pioneira de máquinas, equipamentos ou componentes para uso das empresas públicas e de economia mistas federais; b) capacitar e consolidar grupos de engenharia de produto, a montagem ou reformulação de laboratórios técnicos e/ou a compra e absorção de tecnologia exterior e c) estimular programas de desenvolvimento de engenharia básica de projetos ou processos de interesse das estatais (FINEP, sem data. b).
À FINEP cabia facilitar os vínculos entre os agentes do Sistema. Esse papel lhe foi atribuído porque ela já se dedicava ao pré-investimento, à comercialização pioneira e à criação e manutenção de cursos de pós-graduação e programas de pesquisa. Porém, sua meta de desenvolvimento da tecnologia nacional, no âmbito do Sistema NAI, dependia sobremaneira das estatais. Tal dependência era mesmo inevitável já que a concepção do Sistema era partir da demanda tecnológica (das estatais) para se chegar à oferta tecnológica (das universidades, centros de pesquisa e fornecedores).
O papel da empresa estatal no Sistema era o de avalista técnico que identificava projetos de equipamentos e serviços de engenharia nacionais e assegurador de mercado. Ela acompanhava o projeto e se comprometia a colocar encomendas que, pelo menos, cobrissem os custos do fabricante nacional.
A FINEP financiava a estatal para que essa contratasse o desenvolvimento tecnológico de outra empresa ou abria linhas de crédito para que a estatal contratasse serviços de institutos de pesquisa. Assim, o trabalho da FINEP junto aos NAIs articulava a demanda de equipamentos especiais da estatal com a oferta tecnológica gerada nas indústrias, universidades e centro de pesquisa. Esse trabalho tanto canalizava as características da demanda tecnológica como facilitava, para os fornecedores, a obtenção de linhas de crédito voltadas para o fomento industrial e tecnológico.
Dentro da estatal o NAI coordenado pela SE-CCNAI articulava os vários segmentos de sua empresa entre si (operação, instalação, especificações, manutenção, alocação, compra etc.). Também articulava esses segmentos com os agentes externos (pesquisa, financiamento, fomento, fabricação, testes e homologação (FINEP 1980a, MANSANO, 1997).
As tarefas dos NAIs com a FINEP geraram encomendas pioneiras com as quais empresas nacionais iniciaram a produção de equipamentos mais sofisticados11. A FINEP não era um forte financiador como o BNDES e nem usuário. Ela detectava oportunidades e articulava atores. Por isso a FINEP precisava e articulava as estatais, o BNDES/FINAME e os centros de pesquisa. Um equipamento desenvolvido dessa forma tinha condições privilegiadas de financiamento da FINAME. Era uma vantagem tanto para o comprador que adquiria um equipamento mais barato como para o vendedor que podia praticar um preço menor.
Um grande problema enfrentado pela indústria nacional de bens de capital era o crédito para venda. Para completar os Acordos de Cooperação Técnica e Financeira, a SE-CCNAI se aliou à FINAME para fortalecer a comercialização dos equipamentos desenvolvidos em caráter pioneiro com os recursos do ADTEN. Pelo acordo FINEP-FINAME, tais equipamentos eram cadastrados na FINAME para receber, na sua comercialização, as condições preferenciais do Programa Especial da FINAME.
Associava-se a redução do custo de desenvolvimento do fabricante às vantagens dos termos de financiamento ao usuário. Esse obtinha preços menores e facilidades de financiamento na compra dos equipamentos pioneiros gerados pelo Sistema NAI e pelos Acordos de Cooperação Técnica e Financeira (SE-CCNAI, 1980b: 13 e 1984a: 3).
A FINAME apoiava o Sistema NAI porque a partir de 1973 ela se tornara um instrumento da estratégia substitutiva e tecnológica do Estado brasileiro. A FINAME financiava empresas sediadas no país para: a) elevar os índices de nacionalização dos bens de capital; b) incentivar a fabricação pioneira de equipamentos sob encomenda; c) promover a transferência de tecnologia e d) estimular a especialização dos produtores para aumentar as inversões em tecnologia e a competitividade externa (VILLELA, 1980: 92).
Seus instrumentos eram: a) cadastramento dos fabricantes com prioridade às empresas genuinamente nacionais e b) fixação de taxas de juros e prazos favoráveis a medida que a empresa nacional elevasse o nível de nacionalização, participação no detalhamento, execução do projeto básico e responsabilidade pela encomendas (VILLELA, 1980).
No caso da ELETROBRÁS, seu NAI financiava com a FINAME a compra de equipamentos. Abria uma conta conjunta numa instituição financeira e de acordo com um cronograma de entrega dos bens, a holding liberava os pagamentos aos fabricantes. Assim, nesse caso, a FINAME, que fora criada para financiar o supliers credit dos fornecedores nacionais, passou a financiar o buyers credit. O fabricante é que deveria retirar recursos na FINAME e vender para a holding mas como ele não queria se responsabilizar pelo empréstimo, a ELETROBRÁS é que buscava recursos junto ao BNDES.
O NAI da Holding solicitava que o CDI emitisse CRFs para poucos fabricantes. A FINAME mantinha um número não definitivo de fabricantes no cadastro, geralmente quatro (4). A cada habilitação ela dizia quais as empresas que poderiam ser financiadas.
O juro que a Holding pagava era menor se a empresa fosse totalmente nacional. O fabricante se responsabilizava em transferir tecnologia. Se ele não transferisse, e o NAI da Holding ou das empresas eram os fiscais, duas coisas aconteciam: 1) a estatal era repreendida por não fiscalizar direito e em vez de pagar o juro mais baixo pagava o mais alto e 2) a estatal comunicava ao CDI e esse cortava o CRF. Portanto, quem tinha capacidade de exigir que o fornecedor nacional transferisse tecnologia era a estatal.
9 Como por exemplo: incentivar os NAIs a focalizar o desenvolvimento de peças de reposição quando as inversões diminuíram no início dos anos 80; sugerir diretrizes às estatais e orientar os NAIs-Hs e NAIs-Es a exigir qualidade e preços internacionais
10 Esses acordos foram celebrados, a partir de 1978, com a PETROBRÁS, PETROQUISA, CVRD, PETROFÉRTIL, METRO/SP, METRO/RJ, SIDERBRÁS, TELEBRÁS e ELETROBRÁS (SE-CCNAI, 1990b).
11 O NAI auxiliava a seleção de fornecedores a serem beneficiados com PEDIDOS-INCENTIVOS. Por esse mecanismo, fabricantes nacionais recebiam um adiantamento financeiro sobre o valor do fornecimento. Se o projeto fosse bem sucedido era feito o restante do desembolso em conformidade com a entrega dos bens.