José Henrique Souza
Os argumentos demonstrados acima colocam a indústria de bens de capital "no coração do processo de geração e difusão de tecnologia" (Fransman, 1986). O problema, portanto, não é saber se o Estado deve incentivá-lo e sim como pode ocorrer esse incentivo. Para Sanjaya Lall (1994) existem duas correntes principais que debatem política industrial em países periféricos. Nelas se insere a questão da indústria de bens de capital.
Os “Market Friendly” admitem que, em algumas indústrias, a economia de escala e a aprendizagem são importantes na determinação das vantagens competitivas. Para esses pensadores o governo pode agir estrategicamente assegurando às firmas locais as vantagens do inovador, os ganhos de escala e a redução do custo de aprendizagem.
Os governos de países com um número significativo de pesquisadores e laboratórios deveriam criar um ambiente macroeconômico favorável ao investimento, à demanda por tecnologia, aos ganhos de escala e à aproximação dos preços internos aos externos. Ao Estado caberia combater as imperfeições do mercado de capital, diminuir a aversão ao risco da inovação e estimular as atividades não lucrativas geradoras de grandes externalidades como educação; treinamento; visitas a plantas mais produtivas de países centrais e fornecimento de serviços tecnológicos de apoio à produção, extensão e pesquisa básica.
O objetivo é corrigir temporariamente o mercado e não suplantá-lo (Lall, 1994). A proteção de "infant industries" se justifica somente quando essas indústrias possuem condições de se tornarem competitivas gerando benefícios futuros superiores os custos do apoio público. Também devem ser apoiadas as empresas que se localizam em segmentos difusores de tecnologia e cujos processos não demandem conhecimentos em ciências avançadas (Pack, 1981).
Pode-se fazer uma política industrial planejando e executando políticas comerciais e educacionais. A política industrial, quando houver, deve atingir de forma igual todos os agentes para evitar distorções nos preços, erros de avaliação do governo e captura do Estado por interesses privados (Mello, 1995). As intervenções seletivas são consideradas insignificantes para o desenvolvimento industrial ou consumidoras líquidas de recursos.
Os ESTRUTURALISTAS admitem a intervenção seletiva do Estado. Nessa abordagem: as vantagens competitivas são criadas por firmas heterogêneas operando em mercados imperfeitos. As diferenças tecnológicas dirigem as vantagens comparativas e o processo de capacitação tecnológica não é instantâneo, sem custos ou automático. O progresso técnico é cumulativo e com rendimentos crescentes, mas o processo de aprendizagem impõe aos "new comers" custos maiores do que os pagos pelos países industrializados. Isso ocorre porque a tecnologia não é facilmente transferida. Ela precisa ser adquirida e adaptada, o que exige um período de aprendizagem.
O desenvolvimento industrial não depende apenas do domínio de novas atividades industriais. Ele envolve o "aprofundamento em uma ou todas das quatro formas seguintes: 'upgrading' tecnológico de produtos ou processo dentro da indústria, entrada progressiva em atividades novas e mais complexas, crescimento do conteúdo local e controle de tarefas industriais tecnologicamente mais complexas" (Lall, 1994).
Segundo Lall (1994), nos NICs asiáticos, foi o padrão de intervenção que determinou a estrutura e a capacitação tecnológica industrial. A baixa produtividade na periferia se deve, muitas vezes, à ineficiência na escolha, no domínio e no uso de novas tecnologias. Assim, o Estado pode estimular a indústria local a entrar em segmentos econômicos mais "nobres", com tecnologias mais sofisticadas e complexas, com períodos mais longos de aprendizagem, maior valor agregado, possibilidades futuras de expansão do mercado e geração de externalidades.
A meta, portanto, deve ser o domínio crescente sobre a tecnologia e sobre o dinamismo econômico. Para isso, a política industrial deve ser seletiva e usar recursos pouco ortodoxos como: apoio a substituição de importações, protecionismo, financiamento estatal, incentivos fiscais, restrições ao investimento estrangeiro e estímulo à concentração industrial. Para Bonelli e Malan (1976) tais medidas devem atender a implementação de projetos específicos e não uma estratégia global que utilize medidas de caráter genérico.
O Estado deve priorizar o desenvolvimento de novos conhecimentos, habilidades, formas organizacionais e vínculos entre empresas que elevem a capacitação tecnológica. Tal preferência é necessária porque o mercado tende a desenvolver mais acentuadamente as indústrias mais "fáceis" e a importar os bens mais sofisticados (Fransman, 1986). Além disso, as mudanças na fronteira tecnológica mundial podem solapar as vantagens comparativas adquiridas por países menos desenvolvidos (Katz, 1991).
As atividades verticalmente interligadas são difíceis de serem planejadas por firmas individuais. Elas apresentam inúmeras dificuldades para vincular seus investimentos aos processos de aprendizagem de outras firmas. Assim, essas "externalidades tecnológicas" são um desafio e uma oportunidade para que o Estado "coordene as decisões de investimento para alcançar resultados socialmente mais desejáveis em tais atividades" (Lall, 1994).
O governo pode fornecer crédito a segmentos capazes de melhorar a integração produtiva. Isso elevaria a difusão tecnológica, a especialização industrial e as conexões entre a engenharia e a indústria de bens de capital. Assim, o país poderia competir e reagir mais flexivelmente às mudanças no mercado mundial.
O caráter seletivo reduz o perigo de que a política industrial se torne um "instrumento perigoso". É conhecido o fato de que o uso indiscriminado de subsídio e protecionismo pode criar mais distorções do que reduzi-las. Se não for condicionado a períodos de aprendizagem e acompanhado por medidas de estímulos à aquisição, "upgrading" e capacitação tecnológica, o apoio público à indústria local de bens de capital pode gerar ineficiência, corrupção e desperdício do dinheiro público. Essa foi a lição de alguns processos de industrialização por substituição de importações de países subdesenvolvidos nos quais o protecionismo foi estendido a todos os segmentos sem limites ou garantias. Porém, a exemplo do Japão e da Coréia, onde a proteção foi garantida por um regime orientado para a exportação e confinado a atividades selecionadas os resultados foram mais satisfatórios (Lall 1994).
As intervenções funcionalistas também devem ser direcionadas à criação de uma infra-estrutura física e humana necessária à capacitação tecnológica. Muitas firmas na periferia fazem esforços tecnológicos visando atingir uma operação eficiente, mas, muitas vezes, sofrem a ausência de serviços de apoio técnico, de informação e de P&D. Essas "falhas" podem ser reduzidas pelo estímulo à concentração industrial e pelo apoio à P&D industrial através da infra-estrutura de ciência e tecnologia (Lall, 1994 e Chudnovsky, 1983).
Muitas fontes de informações técnicas podem ser acessadas livremente através de jornais; contatos com fornecedores de bens de capital e importadores; visitas a exposições, plantas, conferências e interação com subcontratante. Outras informações mais complexas e reservadas podem ser compradas de consultores, firmas mais desenvolvidas, ou como parte de um pacote de investimentos (Lall, 1994). Porém, o mercado não fornece serviços de apoio com caráter de 'bens públicos'[1] como: 1) o incentivo às atividades tecnológicas e às habilidades especiais de pesquisa; 2) o estabelecimento de padrões industriais e de controle de qualidades (serviços de metrologia, pesquisa, testes e busca por informações) para firmas que não dispõem de habilidades ou facilidades; 3) extensão para pequenas empresas e 4) coordenação de pesquisa básica (Lall, 1994 e Levy, 1997).
Nos países em desenvolvimento, os bancos evitam financiar o desenvolvimento tecnológico de longa duração e de grande risco. O financiamento desse tipo de desenvolvimento requer subsídio à P&D, financiamento ao capital de risco, incubadores de tecnologia, estímulo à concentração das empresas e, muitas vezes, encomendas pioneiras. Por isso, uma área de possível atuação governamental é a política de compra do Estado. Esse é um instrumento eficaz de política industrial e tecnológica que pode ser direcionado para gerar demanda, testar e desenvolver bens e serviços estratégicos.
Através de instrumentos contratuais (contratos de incentivo) ou promovendo parcerias estratégicas e desenvolvimento compartilhado de tecnologias a política de compras do Estado pode ser um indutor da eficiência econômica a médio. Porém, é preciso cuidar para que a política de preferência nas compras governamentais seja estabelecida de forma temporária e reservada a segmentos estratégicos para minimizar os conflitos no comércio internacional.
Outro agravante do uso da política de compra estatal é, justamente, a participação do poder de compra do Estado. Em países onde o gasto público é elevado, como no Brasil e no Canadá, é possível fazer uma política de compra bem sucedida. Já em países nos quais o Estado tem uma participação reduzida no PIB, como a Venezuela, por exemplo, tal recurso de política tecnológica fica bastante prejudicado.
[1] O uso dos bens públicos não é limitado a um consumidor, mas disponível para a sociedade. Como é difícil gerar retornos apropriados privadamente com esses bens há pouco interesse da iniciativa privada em produzi-los (Musgrave e Musgrave, 1980: 06 e Longo e Troster, 1993).