José Henrique Souza
O segmento de máquinas e equipamentos tem ocupado a atenção de inúmeros economistas e estudiosos do desenvolvimento econômico. Dos clássicos aos nossos dias[1]. Para alguns, o setor deixou de ser estratégico. A revolução tecnológica dos anos 80 e 90 teria deslocado sua importância para as áreas de novos materiais, informática, telecomunicações e biotecnologia (Bernardes, 1991 e Mandel, 1997). Para outros, o segmento ainda tem um papel chave no desenvolvimento e nos "círculos virtuosos de crescimento" por auxiliar o aumento da produtividade de todos os setores econômicos (Erber, 1996 Salomón, 1996).
Segundo Fábio Erber (Erber, 1996) "O progresso técnico obedece a uma busca sistemática de inovações pelas empresas. Essa busca apoia-se, crescentemente, sobre uma base científica e sobre relações, inter e intra-setoriais, entre usuário e fornecedores de bens e serviços e requer mecanismos financeiros específicos para lidar com a incerteza inerente a esse tipo de investimento. Em outras palavras, a capacidade de gerar progresso técnico tem uma natureza sistêmica, em que são fundamentais uma sólida estrutura de pesquisa e pós-graduação, fortes cadeias produtivas e vínculos entre o sistema financeiro e de capitais e os setores industriais".
Assim, a indústria de bens de capital se insere na cadeia de valores incorporando avanços tecnológicos em bens de produção que serão utilizados pelos demais setores. Daí a atenção pública no que se refere ao incentivo ao segmento. Porém, seu fomento, em economias emergentes, deve pesar a possibilidade de obter eficiência e especialização das empresas locais do segmento (preços, qualidade, prazos de entrega, etc.) com o crescimento do mercado doméstico e das exportações. Caso contrário, os usuários de máquinas e equipamentos "pagarão caro" pela ineficiência dos fornecedores.
O crescimento da economia é, em grande parte, condicionado pela oferta de máquinas além da necessidade de reposição (depreciação) da economia. Sem essa oferta local o aumento da atividade econômica fica bastante dependente da importação de equipamentos [2].
A diversificação industrial permite uma realimentação entre os setores industriais. A indústria de bens de capital produz máquinas para elaborar as matérias-primas no setor de bens intermediários e esse, produz insumos para fabricar bens de capital. Desse modo, o crescimento, o investimento e a acumulação de capital deixam de depender apenas da demanda por bens de consumo (Erber e Araújo Jr. 1973: 125-126).
O setor de bens de produção "consegue crescer fechado nele mesmo" porque "O mercado interno no capitalismo é, antes de tudo, mercado de meios de produção" (Cardoso de Mello e Belluzzo, 1982: 143). Por isso, países com grande população e PIB, como o Brasil, México e Argentina, perdem dinamismo econômico, oportunidades de geração de emprego e progresso técnico, quando canalizam para o exterior sua demanda por bens de capital[3].
A ausência do segmento de máquinas dificulta a adaptação dos bens de capital às necessidades locais de geração de emprego. A internalização do setor também permite criar equipamentos mais apropriados às especificidades econômicas locais.
Os equipamentos locais “capital-saving” geram mais emprego do que os “labor-saving” importados e produzidos sob orientação de uma demanda típica de países centrais. Desse modo, produzindo máquinas que poupam capital os países em desenvolvimento estariam gerando oportunidades de emprego. Entretanto, alguns autores sustentam que essa solução é inviável no longo prazo. A demanda por bens capital-saving só ocorreria se os usuários visassem cortar custos usando mais trabalho que capital[4].
Para Howard Pack (1981: 229) o menor custo do trabalho nos países periféricos não garante uma vantagem comparativa. É necessário que os problemas na produtividade do trabalho, nas economias de escala, nos custos dos materiais e do capital, no layout da empresa e no uso das máquinas não compense os salários menores.
Ocorre que o segmento de máquinas pode gerar empregos nos segmentos usuários e no próprio segmento. No Brasil dos anos 70, por exemplo, a maioria das indústrias de bens de capital tinha uma intensidade de capital relativamente baixa. Isso conduzia "a uma capacidade de absorção de emprego, em relação ao capital empregado, superior à média" (Reichstul e Goldenstein 1980: 39).
Outra consideração importante é a de que mesmo se do ponto de vista quantitativo, o segmento de bens de capital não gera tantos empregos quanto seria necessário, do ponto de vista qualitativo ele tem um papel extremamente importante. Parte do emprego gerado pelo segmento produtor de máquinas deve ser qualificado[5]; fato que tem repercussão tecnológica significativa para os países em desenvolvimento.
A criação de um segmento industrial que exige trabalho qualificado pode colocar em marcha um efeito tecnológico progressivo. A solução rotineira de problemas tecnológicos cria nos agentes envolvidos uma capacitação cumulativa. Criam-se “economias externas” em tecnologia formando uma "massa crítica" de pessoas e instituições aptas a solucionar diversos problemas tecnológicos. Esse processo ocorre tanto na sociedade como "no interior da empresa, capacitando-a a enfrentar modificações das condições de mercado pela modificação em seus meios de produção" (Erber e Araújo Jr. 1973: 121).
As habilidades geradas no segmento de equipamentos podem se difundir pela indústria através da migração de trabalhadores especializados (técnicos e engenheiros). Desse modo, os segmentos usuários de bens de capital podem otimizar o uso de suas máquinas, adaptar as importadas às condições locais e efetuar manutenções de forma mais rápida.
Para muitos usuários de bens de capital, o preço menor de um equipamento menos sofisticado (“downgrade”) também pode significar maior lucratividade e oportunidades de investimento e sobrevivência. Além disso, diferenças de solo, clima, fonte energética e matérias-primas exigem equipamentos diferenciados (Chudnovsky, 1983: 45 e 48 e Fransman, 1986: 56) o que demanda o desenvolvimento de, pelo menos, parte do segmento.
A inovação tecnológica se inicia na descoberta de novos produtos e processos, mas não se esgota nesse estágio. Para a “criação” se tornar uma realidade econômica e social ela precisa passar pelos estágios de “incorporação” e “difusão”.
"A introdução de novos conhecimentos no sistema produtivo se dá através da produção de bens que incorporam os novos conhecimentos. Assim, são necessários bens de produção, novos ou não, que permitam a realização desses novos produtos" (Erber e Araújo Jr. 1973: 118-120).
Fransman vai além desse raciocínio afirmando que "Toda mudança técnica, de produto ou processo, requer o desenvolvimento ou modificação de máquinas e equipamentos. Por outro lado, a difusão de novas safras de máquinas melhoradas facilita o processo de mudança técnica das firmas usuárias" (1986: 51).
Para Erber e Araújo Jr. (1973: 121), apesar do “glamour” que cerca as atividades de P&D, sem a etapa de engenharia na indústria de bens de capital, seus resultados permaneceriam sem aplicação prática. Ou seja, o segmento produtor de máquinas possibilita e estimula a relação entre ciência e tecnologia (Rosenberg, 1982, apud Fransman, 1986: 47).
A indústria de bens de capital transmite progresso técnico pela economia. Esse fato lhe confere um importante papel em economias inovadoras. Ele recolhe, dos usuários, pedidos e sugestões de inovação em seus produtos. Transmitindo essas melhorias aos demais usuários ele difunde, pelo sistema econômico, o progresso técnico "encomendado" individualmente (Erber e Araújo Jr. 1973 e Salomón, 1996). Tal aglutinação e difusão de melhorias, denominado de “Learning By Using” (Rosenberg, 1982), é importante para atender às demandas locais como: escala, qualidade e disponibilidade de insumos.
As firmas locais encontram mais facilidades para desenvolver e introduzir novos produtos se seus fornecedores estiverem próximos em termos de espaço e relações industriais. Nesse caso, diminuem os problemas com a demora na entrega do produto ou de peças de reposição; as dificuldades de obter manutenção e assistência técnica; os preços elevados ou instáveis devido às variações no câmbio e com a garantia de qualidade.
Formação de Redes de Empresas Subcontratadas
O progresso técnico não é exclusivo do segmento de bens de capital. Ele incorpora insumos e componentes transformados por operações de caldeiraria, fundição e usinagem. Assim, antes de criar progresso técnico, a indústria de bens de capital se beneficia e estimula o avanço técnico nos segmentos de bens intermediários, partes, peças e serviços. Por isso, as empresas montadoras de bens de capital demandam uma eficiente rede de empresas subcontratadas. Caso contrário seus custos finais podem ser maiores, e sua qualidade menor, do que aquelas praticadas pelas concorrentes dos países desenvolvidos (Pack, 1981).
Segundo Pack (1981), os segmentos de forjaria e a fundição só contribuem para a competitividade do setor de máquinas se forem mecanizados. Isso exige grande volume de produção, concentração, especialização, tempo de aprendizado para produzir com qualidade e preços internacionais e ajuda técnica do governo. Portanto, sem "equilíbrio tecnológico"[6] na cadeia produtiva a indústria de bens de capital se torna deficiente em relação aos seus competidores internacionais. Desse modo, a indústria de bens de capital é um fator que exige uma rede de empresas subcontratadas no setor metal-mecânico.
[1] Ver, por exemplo, Marx, 1984: 423-582 e Ricardo, 1985: 261-267.
[2] Em momentos de deterioração dos termos de troca, crise no comércio mundial, ou na incapacidade de importar, fica difícil prover os meios necessários à expansão econômica (Chudnovsky, 1983: 45; Tavares, 1972: 47 e Serra, 1982: 65). Esse problema pode ser superado pela produção interna de bens de capital e/ou pela expansão das exportações (Bonelli e Malan, 1976: 368). Apesar de superado em meados da década de oitenta, tal problema reapareceu no Brasil em 1995/97 devido à política de estabilização econômica (Netto, 1996). Isso demonstra que ainda permanece a "íntima relação" entre os períodos de auge da economia e o aumento na importação de bens de capital (Reichstul e Goldenstein 1980: 39).
[3] Os efeitos dinâmicos dos investimentos na indústria de bens de capital, no interior dos países e na economia mundial são bastante conhecidos. Ver, por exemplo, Serra, 1982: 96-97 e Teixeira e Rocha Miranda, 1990: 12.
[4] Ver, por exemplo, Pack (1981: 228-238) Para Celso Furtado (1979: 283) o progresso técnico, condicionado pela dotação de fatores dos países desenvolvidos, leva a um avanço persistente do coeficiente de capital por trabalhador principalmente no setor de bens duráveis. Maria da Conceição Tavares (1972: 50)acredita que a adoção de tecnologias menos densa em capital, pelo setor privado no modelo de ISI, "são meramente teóricas".
[5] Segundo Furtado (1994: 17) "Nos setores de bens de capital mecânicos e de autopeças, a presença de trabalhadores de nível médio qualificado é muito importante". Ver também Salomón, 1996: 374.
[6] Compatibilidade entre as tecnologias usadas por empresas que se relacionam (Amadeo, 1997).