ISSN 0798 1015

Vol. 41 (Nº 17) Ano 2020. Pág. 28

Transformação digital na gestão dos ativos: Análise das tecnologias adotadas e o processo de gestão

Digital transformation in asset management : Analysis of adopted technologies and process management

ATTENCIA, Gustavo F. 1

Recebido: 10/02/2020 • Aprovado: 05/05/2020 • Postado 14/05/2020

Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados

4. Conclusão

Referências bibliográficas

1. Introdução

Conforme De Mattos e Laurindo (2015) o ambiente de negócios tem mudado de forma radical e parte desta transformação está diretamente relacionado com a tecnologia. Na economia do conhecimento, a informação é uma ferramenta que gera vantagem competitiva, as empresas buscam aplicações de tecnologia que sejam fáceis e economizem tempo e custos para as partes interesadas.

Neste contexto, os recursos tecnológicos embarcados nos ativos possibilitam melhorar seu desempenho através do gerenciamento das informações e tem um papel importante para análise de risco e tomada de decisão. A evolução tecnológica no campo de IOT (internet of things), por exemplo, garante informações relevantes para os stakeholders para tomar decisões (KINNUNEN et al., 2017). Nel e Jooste (2016), reforçam essa abordagem e indicam em seu estudo que o nível tecnológico dos equipamentos e do gerenciamento de ativos permite alavancar a rentabilidade nas empresas. Têm-se, portanto, que a evolução tecnológica oferece às empresas uma vasta gama de soluções, entretanto o uso e a combinação dessas soluções é pouco explorado, mesmo apresentando um grande potencial para o desenvolvimento dos processos e consequente melhoria de resultados. Nesse cenário, a gestão dos ativos inteligentes é um conceito novo e necessita de estudo e análise profunda sobre sua implementação. Embora uma variedade de métodos seja utilizada com o objetivo de fornecer recursos de diagnóstico e prognóstico úteis, utilizando dados em tempo real, a maioria tem um baixo nível de autonomía.

 As ferramentas existentes facilitam a tomada de decisão, porém não suportam a tomada de decisão autônoma parcial ou total, o que demonstra também a necessidade de desenvolvimento tecnológico (ARTIKIS et al., 2014).

Bousdekis et al. (2015) indicam em seu estudo que apesar do grande número de pesquisas analisando as tecnologias em prognóstico e diagnóstico em manutenção, a maioria não examinam a automatização de decisões, não fornecendo recomendações para ações de manutenção. De acordo com Campos et al. (2016), as tecnologias de informação e comunicação são importantes facilitadores para a melhoria da tomada de decisões e da geração de conhecimento dentro de uma organização. Empresas que não conseguem acompanhar o desenvolvimento tecnológico podem perder sua vantagem competitiva e a sua capacidade de competir sob as mesmas condições que seus concorrentes, levando à redução de participação de mercado e de lucratividade.

 De acordo com Lee et al. (2006), os dados gerados pelos equipamentos são pouco aproveitados para melhorar a sua gestão. Apesar da implantação de sistemas de informação que suportam o gerenciamento de ativos, as empresas relatam inconsistências nas informações decorrentes de falhas estratégicas, de gestão e operação (HAIDER, 2012). Reforçando essa lacuna, o estudo de Love et al. (2016), relata que pesquisas futuras são necessárias para determinar a melhor forma de inserção dos sistemas de informação na gestão de ativos, devendo se atentar para os aspectos relacionados a assimilação de tecnologia. Com base nas lacunas mencionadas, o objetivo geral deste estudo consiste em analisar como as empresas estão gerenciando seus ativos a partir das tecnologias digitais, através do método de estudo de caso, identificando as tecnologias utilizadas e o respectivo processo de gestão.

Fitzgerald et al. (2013) mencionam que o uso de novas tecnologias digitais (mídias sociais, tecnologias móveis, internet of things (IoT), big data, cloud computing, digital twin) permitem melhorias nas organizações como melhorias nos processos e criação de novos modelos de negócios. Neste contexto, um tema que vem se destacando é a gestão de ativos inteligentes, pelo fato de que as tecnologias embarcadas podem permitir um melhor monitoramento dos ativos e também das operações em que esses ativos são utilizados.

Conforme Nel e Jooste (2016), o conceito de Gestão de Ativos Inteligentes, que tem sua origem na teoria de Gestão de Ativos, enfatiza a noção de processos orientados tecnologicamente para melhorar a captura e o processamento de informações para auxiliar na tomada de decisões estratégicas. A gestão dos ativos inteligentes pode oferecer uma estrutura para validar e melhorar o desempenho de ativos, coletando e incorporando informações de ativos confiáveis no processo decisório. A maioria das empresas, usa uma variedade de ativos em suas operações, no entanto, as empresas utilizam métodos ineficientes, como inspeções no local uma ou duas vezes por ano, em vez de usar a tecnologia para gerenciar seus ativos (HAN et al., 2018). Os mesmos autores indicaram que a gestão de ativos com tecnologia embarcada permite melhorar a precisão e fornecer informações de posição em tempo real, reduzindo assim a mão de obra, tempo e custo para o trabalho de gerenciamento.

De acordo com Osladil e Kozubík (2015), a gestão de ativos inteligentes está diretamente relacionada a tecnologias emergentes como big data, IOT, etc., a fase analítica dos dados vem representando grandes avanços inclusive com o uso de ferramentas robustas que otimizam os modelos de previsibilidade.

Soluções orientadas para dados contribuem para o desenvolvimento de operações e manutenções de ativos (O’donovan et al., 2015). A integração de dados orientados por sensores, a computação em nuvem e a mobilidade estão impulsionando uma necessidade dentro da gestão de ativos com a implantação e uso padronizado de uma gama de tecnologias. Muitas organizações de gerenciamento de ativos estão explorando essas tecnologias como uma nova maneira de reunir dados em sistemas de monitoramento (HUA et al., 2014).

Através de uma análise qualitativa e utilizando o estudo de caso como método foi desenvolvida a pesquisa de campo. Para coleta das informações, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os gestores do projeto e documentos foram analisados, como: relatórios, apresentações, indicadores de desempenho, procedimentos e os softwares que fizeram a interface com as ferramentas tecnológicas.

A partir da revisão da literatura elaborou-se o quadro teórico (tabela 1) como referencia para o desenvolvimento do estudo de campo.

Tabela 1
Quadro Teórico

2.1. Objeto de Estudo

O projeto estudado, compreende a construção civil de uma hidrelétrica com capacidade de geração de aproximadamente 3.568 Megawatts de energia elétrica, que é suficiente para atender o consumo de mais de quarenta e cinco milhões de pessoas. Com o investimento total na ordem de vinte bilhões de reais, a construção desse projeto teve início no ano de 2008 e foi concluído em 2016. Conduzida por um consórcio de duas empresas privadas, a construção civil gerou cerca de 13.000 empregos diretos e foram utilizados aproximadamente 1.000 equipamentos de construção, também denominados como ativos neste estudo.

2.2. Tecnologias digitais

Com o objetivo de aumentar a eficiência dos processos produtivos, no decorrer do projeto, foram implantadas ferramentas tecnológicas na gestão de ativos que estão descritas a seguir:

a) Sistema de Monitoramento de Caminhões: Esse sistema integra o rastreamento, gerenciamento e logística de frota, permitindo uma rápida localização do veículo, através de coordenadas geográficas obtidas pelo Sistema de Posicionamento Global (GPS) além do monitoramento de até 20 eventos do veículo em tempo real, que possibilitam um amplo acompanhamento da operação via Internet. Utilizando tecnologia digital com base em uma constelação de 48 satélites de baixa órbita e 70 estações terrestres, o sistema garante uma cobertura eficiente em áreas remotas. O sistema permite coletar dados do veículo, como o posicionamento geográfico obtido por GPS incorporado e o status de eventos programados, gerando mensagens em pacotes e as transmitindo via satélite. O pacote de mensagens é capturado pelo satélite mais próximo e retransmitido à estação terrena de satélite de sua área. Na estação terrena de satélite, a mensagem é recebida, decodificada e enviada para o sistema central via Internet. No sistema central as mensagens são recebidas, enviadas, processadas, armazenadas e disponibilizadas na plataforma digital para acesso dos usuários. Ainda é possível interagir com o veículo, monitorando, rastreando, enviando e recebendo mensagens e comandos. Em cada veículo são instalados antenas e módulos que permitem a conexão via satélite com a central de controle. O módulo além de efetuar a conexão com a rede de satélites, possui também a função de registrar todas as informações a respeito da forma como o veículo está sendo conduzido. Através de eventos pré-definidos (excesso de velocidade, excesso de rotação no motor, aquecimento, curva perigosa, etc.) o módulo é programado para armazenar as informações de violação destes eventos. As violações graves são transmitidas a central de controle em tempo real, permitindo assim uma ação imediata em relação ao motorista. Além disso, todas as violações são armazenadas no módulo e periodicamente enviadas a central de controle, possibilitando a emissão de relatórios de acompanhamento da performance do veículo e do condutor.

b) Sistema de Monitoramento de Máquinas: Essa tecnologia foi aplicada nos equipamentos como escavadeira, tratores, pá-carregadeiras entre outros equipamentos e utiliza uma rede de satélites de baixa órbita terrestre para a coleta e transmissão dos dados correlacionados ao desempenho desses ativos. O sistema coleta de informações detalhadas da máquina em uma base diária e ocorrências instantâneas, que são fornecidas através de relatórios diários, semanais, mensais e anuais sobre os aspectos básicos e mais avançados de desempenho da máquina.

c)Sistema de apontamento via celular: Para o controle das atividades de cada ativo, foi utilizado um sistema de apontamento eletrônico, onde o operador do equipamento faz o lançamento das informações através de um aparelho celular que transmite os dados em tempo real para uma plataforma na internet. O sistema permite aos gestores saber em tempo real se o equipamento está trabalhando e qual atividade está desempenhando ou se está parado e qual é o motivo de parada, como: falha de manutenção, aguardando frente de trabalho, em fila, entre outros. Em um projeto de infraestrutura dinâmico e com um número elevado de interferências, a possibilidade de gerir em tempo real um mapa de todos os recursos aplicados e o seu respectivo status, permite um ganho expressivo de eficiência operacional. Esse sistema tem a vantagem de ser econômico pois utiliza rede de telefonia celular ou wifi para transmitir os dados em tempo real, entretanto ele possui algumas limitações relacionadas a área de cobertura da rede de telefonia, assim para minimizar esse problema, o sistema é capaz de armazenar os dados no aparelho e enviá-los quando a transmissão dos dados for reestabelecida.

d)Outras tecnologias: Também foram utilizadas outras tecnologias que foram baseadas em soluções de RFID, como a liberação de acesso a equipamentos através de cartão codificado, que permitia fazer o controle de acesso dos equipamentos e garantir que somente pessoas habilitadas tivessem acesso. Outro sistema implantado foi o de controle de movimentação de guindastes tipo torre, esse sistema era capaz de bloquear o equipamento caso os sensores identificassem a aproximação de obstáculos.

2.3. Processo de Gestão de ativos inteligentes

Para gerir as ferramentas tecnológicas citadas, o projeto contou com uma equipe dedicada de pessoas que era responsável pela gestão das informações, pela manutenção dos hardwares e pelo treinamento dos usuários. Além da estrutura dedicada, o projeto ainda contou com a assessoria das empresas provedoras das ferramentas tecnológicas para implantação e customização das ferramentas. Com a adoção das tecnologias digitais, tornou-se necessário estabelecer uma revisão no processo de gestão dos ativos. A digitalização demanda novas atividades e novas funções. O uso de big data na gestão de ativos passa por três fases, sendo a primeira responsável pela coleta, armazenamento, compreensão e organização dos dados; a segunda fase se caracteriza pela análise dos dados através de ferramentas sofisticadas de análise e mineração de dados, fornecendo diagnósticos e prognósticos decorrentes de big data; a terceira fase é responsável por fazer a conexão com os usuários finais, essa fase apresenta resultados analíticos e gráficos de tendência para facilitar a tomada de decisão.

Observou-se uma estrutura dedicada ao uso e aplicação das tecnologias e a implantação de mecanismo que obrigavam o uso das tecnologias por parte dos usuários (operadores e motoristas) garantindo assim um alto nível de coleta de dados, também foi demonstrado que programas de reconhecimento aos bons usuários estimulou a assimilação da tecnologia. Por outro lado, ficou evidente que os dados poderiam ser melhor aproveitados por todos os envolvidos no processo.

Os resultados financeiros decorrentes de ganho de performance e redução do custo de manutenção não foram demonstrados de forma evidente, apenas análises pontuais foram geradas no decorrer do projeto. As ferramentas tecnológicas utilizadas, não foram concebidas na fase de planejamento, mas somente após o início do projeto, dessa forma existiram restrições decorrentes de especificações de equipamentos, infraestrutura de rede e adequação de processos já implantados. O projeto de construção de grandes dimensões e com alto número de interferências em seu planejamento, a implantação de novas tecnologias nem sempre foi a prioridade da empresa.

Alinhado aos autores Nel e Jooste (2016) e Han et al., (2018) o caso indicou que a gestão de ativos no contexto da transformação digital exige um gerenciamento de mudança efetivo que permita obter uma vantagem ótima do uso da tecnologia. Isso representa uma mudança substancial nas organizações que envolve uma ruptura com as rotinas existentes e uma mudança para novos tipos de competências que desafiam, complementam e aprimoram o conhecimento organizacional. A partir dos dados analisados, evidenciou-se que para este projeto os entrevistados possuem posições convergentes em relação ao processo de gestão de tecnologia no contexto da gestão dos ativos. Os entrevistados relatam as questões relacionadas com a parte tecnológica, organizacional, planejamento e aspectos relacionados com a formação e conhecimento dos usuários.

Para este projeto os gestores mencionam que a tecnologia deve fazer parte do processo e não apenas ser um acessório.  A falta de planejamento prévio e alinhamento de expectativas entre todas as áreas envolvidas (operação, manutenção, planejamento e engenharia) impactaram diretamente na assimilação de tecnologia no projeto e no seu respectivo processo de gestão. Destacaram também, a falta de conhecimento operacional dos usuários para aproveitar o potencial das tecnologias adotadas para a gestão dos ativos.

Os gestores dos projetos mencionam fatores que estão alinhados com O’Donovan et al., (2015) destacando que as soluções orientadas para dados contribuem para o desenvolvimento de operações e manutenções de ativos, porém falta capacitação e planejamento para um aproveitamento eficaz das tecnologias e das informações geradas, enfatizando a falta de uma equipe para analisar as informações e tomar as decisões. 

O redimensionamento de processos tendo em vista o uso de tecnologia e pessoas dedicadas para gerir as ferramentas e analisar os dados no sentido de tomar decisão, demonstraram-se necessários. No projeto essa condição representou a quebra de alguns paradigmas junto a liderança operacional que precisou se adaptar às novas realidades. No primeiro momento a implantação de tecnologia demanda um aumento de mão-de-obra administrativa, porém o ganho de produtividade no processo deve justificar esse investimento. Pessoas qualificadas e motivadas são preponderantes à assimilação de tecnologia, segundo relato dos gestores. A gestão de ativos com tecnologia embarcada permite melhorar a precisão e fornecer informações em tempo real, reduzindo assim a mão de obra, tempo e custo para o trabalho de gerenciamento, porém isto deve ser bem desenhado e alinhado aos conceitos da gestão dos ativos.

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1. Mestre. Engenharia de Produção. Centro Universitário FEI. ccldmtts@terra.com.br