Vol. 39 (Nº 39) Ano 2018 • Página 25
Vanderlei MARINHESKI 1
Recebido:21/04/2018 • Aprovado: 30/05/2018
4. Características territoriais e agrárias de Cruz Machado - PR
RESUMO: Esse trabalho teve como objetivo geral identificar as abordagens teóricas e conceituais em relação a território e questão agrária. E com uma percepção geral em relação às características territoriais e agrárias do município de Cruz Machado, no Paraná. A metodologia abrangeu a pesquisa bibliográfica através de consulta em livros, artigos, teses, dissertações, e consulta on line nos principais órgão e secretárias relacionados à temática aqui empregada. Alguns autores da geografia consideram que o território é um espaço apropriado e delimitado por e a partir de relações de poder, mesmo que este poder seja simbólico ou cultural nas multiterritorialidades. Por outro lado, a questão agrária brasileira desde seu surgimento traz a desigualdades e a lutas pela posse da terra no território brasileiro. Segundo alguns autores citados ao longo do estudo, a expansão do capitalismo nos campos agrícolas tem levado a destruição das pequenas propriedades e ao êxodo rural. Já o município de Cruz Machado apresenta uma estrutura fundiária de base familiar, com o território marcado pelas singularidades geoecológicas que dificultam a expansão da mecanização agrícola. |
ABSTRACT: This work had as general objective to identify theoretical and conceptual approaches in relation to territory and agrarian question. And with a general perception regarding the territorial and agrarian characteristics of the municipality of Cruz Machado, Paraná. The methodology included bibliographical research through consultation in books, articles, theses, dissertations, and online consultation in the main organ and secretaries related to the theme used here. Some authors of the geography consider that the territory is an appropriate space and delimited by and from relations of power, even if this power is symbolic or cultural in the multiterritorialities. On the other hand, the Brazilian agrarian question since its emergence brings inequalities and struggles for the possession of the land in the Brazilian territory. According to some authors cited throughout the study, the expansion of capitalism in the agricultural fields has led to the destruction of small estates and rural exodus. The municipality of Cruz Machado has a family-based land structure, with the territory marked by geoecological singularities that make it difficult to expand agricultural mechanization. |
Desde a institucionalização da geografia como disciplina acadêmica, o território tem sido abordado como objeto de interesse. O território é considerado como uma porção do espaço delimitado por e a partir das poder. Seja um poder de fronteiras territoriais ou um poder simbólico, representado pelas forças sociais de atuação nessa área. Desta forma, o conceito de território vai alem do estado nação, do município, bairro ou qualquer outra dimensão territorial, identificados pelas fronteiras.
Ao se trabalhar as questões agrárias, faz-se necessário, estudar o próprio desenvolvimento da agricultura, a expansão do capitalismo e as influências do agronegócio no campo brasileiro. A temática merece uma atenção especial, visto que hoje o Brasil é um dois maiores produtores mundiais no setor agropecuário, mas por outro lado encontramos uma parcela da população brasileira subnutrida, inclusive pessoas que atuam no campo.
O meio rural e o meio urbano estão integrados, um exemplo clássico disso é a variação dos preços dos alimentos nos supermercados, a lei da oferta e da procura condiciona essas variáveis.
E hoje parte do campo está integrada na economia globalizada. A territorialização agrária segue os paradigmas dos modelos econômicos dominantes, neste caso, cita-se o capitalismo que dita os rumos de atuação das corporações em seus respectivos territórios.
Assim, esse estudo teve como principal objetivo avaliar os principais conceitos e discussões envolvendo território, questão agrária e com uma abordagem em relação às características territoriais e agrárias no município de Cruz Machado, no estado do Paraná. A metodologia abrangeu a pesquisa bibliográfica através de consulta em livros, artigos, teses, dissertações, e consulta on line nos principais órgão e secretárias relacionados à temática do trabalho.
O Território é um conceito usado pela Geografia, resultante de uma territorialidade sobre um espaço (RICETO e SILVA, 2008), que pode ser estabelecido por uma relação de poder. Essa ação de poder se operacionaliza através dos agentes políticos, econômicos ou sociais no espaço geográfico. O geógrafo Marcelo José Lopes de Souza defende essa ideia. Para Souza et al. (2012, p. 78) o território é: “fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder.”
Ainda segundo Souza et al. (2012, p. 81):
[...] os territórios são construídos (e desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias, os territórios podem ter um caráter permanente, mas também podem ter uma existência periódica, cíclica. Não obstante essa riqueza de situações, não apenas o senso comum, mas também a maior parte da literatura científica, tradicionalmente restringiu o conceito de território à sua forma mais grandiloquente e carregada de carga ideológica: o ‘território nacional’.
Encontra-se em José Gilberto de Souza a seguinte definição para território:
O território é sem sombra de dúvidas a primeira maneira de dar significado às relações de poder, ou seja, o território é um primeiro campo, no seio do qual, o poder se articula. Ele não é o único campo, por isso a importância das análises sobre as territorialidades, mas se constitui em um meio persistente e recorrente de dar eficácia à significação do poder e deve ser compreendido por meio de outras categorias de análise, como classe, sistemas de produção, tecnologia, trabalho, identidade, representação, objetivação, intencionalidade, e até mesmo estrutura (SOUZA, 2009, p. 107).
Saquet (2007, p. 58) salienta que:
O território é apropriado e construído socialmente, resultado e condição do processo de territorialização; é produto do processo de apropriação e domínio social, cotidianamente, inscrevendo-se num campo de poder, de relações socioespaciais, nas quais, a natureza exterior ao homem está presente de diferentes maneiras.
A operacionalização da territorialidade também pode ser encontrada na obra de Marcelo José Lopes de Souza, no qual destaca o território da prostituição em locais do Rio de Janeiro, com as marcas da disputa territorial entre prostitutas e travestis, ou que em outros lugares, durante o dia são revestidos por fluxos de pessoas deslocando-se em seus afazeres cotidianos e a noite são palcos de traficantes com suas atividades ilícitas (SOUZA et al. 2012). Ou seja, um espaço geográfico socializado, ou apropriado por pequenas formas de poder, tanto nas ruas ou avenidas disputadas pelas prostitutas e travestis, ou nas favelas dominadas pelos traficantes.
Com o advento da I Revolução Industrial e a expansão do comércio mundial, a conquista de novos territórios tornou-se uma constante ambição, pois poderia representar saltos em progresso, visto que, o que fosse encontrado nesses novos territórios, consequentemente fomentaria o comércio ou poderia ser um alicerce da indústria que dava seus primeiros passos.
Manuel Correia de Andrade também trabalhou o conceito de território sob a vertente política, econômica e de apropriação do espaço através do poder:
O conceito de território não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar, estando muito ligado à ideia de domínio ou de gestão de uma determinada área. Deste modo, o território está associado à ideia de poder, de controle, quer se faça referência ao poder público, estatal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus tentáculos por grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras políticas. (ANDRADE, 1995, p. 19).
Corroborando com a ideia Haesbaert e Limonad (2007, p. 43) relatam sobre o território nas sociedades tradicionais e moderna:
Se nas sociedades tradicionais o homem preenchia todos os poros de seu território através de uma apropriação simbólica onde, por exemplo, uma dimensão sagrada dotava de sentido o espaço em sua totalidade, nas sociedades modernas o território passa a ser visto antes de tudo, numa perspectiva utilitarista, como um instrumento de domínio, a fim de atender às necessidades humanas (e não ‘dos deuses’, embora a ciência, de alguma forma, também tenha construído suas próprias ‘divindades’).
As duas grandes Guerras Mundiais representaram muito bem isso, em que várias nações tentaram expandir suas áreas de domínio, seguindo as ideias do Geógrafo Ratzel, ou seja, a expansão dos territórios numa perspectiva de “espaço vital” para a ascensão do desenvolvimento.
Em Raffestin encontramos a ideia de território/territorializado a partir da apropriação do espaço:
É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o ator ‘territorializa’ o espaço. (RAFFESTIN, 1993, p. 143).
Hoje se tem a expansão das dominações comerciais pelo mundo, não que seja uma dominação forçada, mas uma dominação ideológica, que tem transformado os territórios em espaços múltiplos de ideias e padrões de consumo. Os territórios são dinamizados pelos fluxos das circulações de pessoas, produtos e informações.
Para Milton Santos nesse novo cenário da Globalização ganha destaque nos territórios o uso das técnicas:
Os espaços da globalização apresentam cargas diferentes de conteúdo técnico, de conteúdo informacional, de conteúdo comunicacional. Os lugares, pois, se definem pela sua densidade técnica, pela sua densidade informacional, pela sua densidade comunicacional, atributos que se interpenetram e cuja fusão os caracteriza e distingue. Tais categorias podem, facilmente, ser identificadas na realidade empírica (SANTOS, 2012, p. 257).
Milton Santos (2012) também destaca que a intensidade das técnicas diferencia os territórios, visto que, segundo o referido autor os espaços são heterogêneos.
Com os avanços tecnológicos as técnicas também são diferenciadas, e a sociedade materializa a territorialização conforme essas variáveis de tecnologia. Que para Rosas et al. (2015, p. 113):
As técnicas são os principais elementos na reestruturação produtiva, o que aumenta a divisão social e territorial do trabalho. Há uma remodelação do território e uma reorganização dos sistemas rurais e urbanos. Embora o padrão tecnológico influa nas características dos espaços, há regiões e padrões considerados arcaicos que se misturam e convivem lado a lado com tal avanço, principalmente em áreas onde a agricultura de base familiar, juntamente com as dificuldades produtivas, são mais afloradas.
Sposito (2004, p. 112-113) atribui à ideia de que o território também compreende uma porção da superfície terrestre em que a sociedade se apropria dos recursos naturais:
[...] o território é fonte de recursos e só assim pode ser compreendido quando enfocado em sua relação com a sociedade e suas relações de produção, o que pode ser identificado pela indústria, agricultura, pela mineração, pela circulação de mercadorias etc., ou seja, pelas diferentes maneiras que a sociedade se utiliza para se apropriar e transformar a natureza.
Ainda sobre o conceito de território Haesbaert (2006, p. 43-44) propõem dois sentidos:
De qualquer forma, duvidosa ou não, é interessante salientar essa analogia, pois muito do que se propagou depois sobre território, inclusive a nível acadêmico, geralmente perpassou direta ou indiretamente estes dois sentidos: um, predominante, dizendo respeito à terra e, portanto a território como materialidade, outro, minoritário, referido aos sentimentos que o ‘território’ inspira (por exemplo, de medo pra quem dele é excluído, de satisfação para aqueles que dele usufruem ou que com ele se identificam).
A materialidade que a terra exprime, principalmente em relação à posse territorial, tem levado a muitos conflitos de lutas agrárias pelo campo. E mesmo em pleno século XXI essa questão está longe de cessar, por isso a necessidade de se averiguar a questão agrária e seu contexto nacional, regional e até mesmo local.
Para abordar a questão agrária faz-se necessário entender um pouco sobre o próprio surgimento da agricultura e seus estágios de desenvolvimento, com mudanças das técnicas e tecnologias aliadas ao aumento da produção agropecuária.
Segundo Diniz (1986, p.15), “a agricultura é uma das atividades mais complexas da superfície terrestre, e o homem apesar de com ela conviver a milhares de anos, ainda não conseguiu controlá-la inteiramente”. Os indícios históricos apontam que a agricultura teve início a cerca de 10.000 anos atrás. Quando o homem de nômade passou a usufruir determinadas partes do relevo, transformou esses territórios em áreas agricultadas (ANDRADE, 1998).
Para Hartshorne (1978, p.82):
Muito mais complexo é o segmento de elementos intimamente relacionados, referentes às atividades agrícolas das áreas cultivadas. A análise dessas áreas deve incluir não só as variações em matéria de clima, solo, declividade do terreno e drenagem, mas também as dos sistemas de propriedade e posse das terras, hábitos de consumo e inúmeros outros fatores de herança cultural.
As primeiras áreas cultivadas foram os vales férteis dos rios Nilo (Egito), Tigre e Eufrates (Mesopotâmia, atual Irã e Iraque), Amarelo e Azul (China). Praticava-se a agricultura em solos aluviais com grande quantidade de húmus, usavam-se as águas dos rios para a irrigação, tendo início a agricultura de precisão. (MAZOYER e ROUDART, 2010).
Com o aumento populacional, o aperfeiçoamento no setor produtivo não parou, a agricultura passou por três fases evolutivas: a agricultura arcaica, agricultura moderna e agricultura contemporânea (MAZOYER e ROUDART, 2010).
Segundo Mazoyer e Roudart (2010) a agricultura arcaica corresponde à fase mais antiga, que vai do seu surgimento até a atualidade em algumas regiões. Essa fase caracterize-se pelo uso de recursos e instrumentos rudimentares nos sistemas de cultivo, o uso da energia humana e de animais para mover os instrumentos de trabalho, gerou uma produtividade de subsistência.
A agricultura moderna é destacada pelo aperfeiçoamento dos instrumentos e implementos agrícolas, com início da mecanização e aplicação de adubos químicos para correção da fertilidade do solo. Sistemas de cultivo que aumentaram a produção das safras no campo (MAZOYER e ROUDART, 2010). Indubitavelmente essa fase da agricultura, começou a marcar uma transição para intensificação do agronegócio.
De acordo com Mazoyer e Roudart (2010) a fase da agricultura contemporânea, marca a maior integração com os avanços tecnológicos. É uma fase caracterizada pelo emprego do conhecimento científico em pesquisas, elevado grau de mecanização das áreas cultivadas. Perante isto, se evidencia que a agricultura contemporânea está atrelada ao alto grau de informatização das semeadeiras, colhedeiras e tratores, com a automatização da distribuição de adubos e o emprego da biotecnologia.
O mercado agrícola entrou na hegemonia da globalização, tendo influências de domínio externo. A biotecnologia ganha espaço nos campos agrícolas, que são cultivados de forma intensiva com uso das tecnologias. As formas de produzir são influenciadas pelo mercado comprador, no qual visa à alta produtividade, com domínio da produção, do preço dos produtos e dos insumos agrícolas.
Segundo Santos (2012, p.304):
Com a globalização, as especializações agrícolas baseadas na ciência e na técnica incluem no campo modernizado em uma lógica competitiva que acelera a entrada da racionalidade em todos os aspectos da atividade produtiva, dede a reorganização do território aos modelos de intercâmbio e invade até mesmo as relações interpessoais. A participação no mundo da competitividade leva ao aprofundamento das novas relações técnicas e de novas relações capitalistas.
O agronegócio propicia a monopolização do mercado agrícola, que privilegia os grandes safristas detentores do capital a ser investido no setor. Assim, muitos agricultores de baixo “poder” aquisitivo deixem o campo e migram para as cidades. O campo fica sob o comando de grandes produtores, que praticam uma agricultura intensiva e com a produção voltada à exportação.
Nesse cenário aparecem dois grandes problemas, a diminuição da produção de alimentos e os conflitos agrários, seja pela força do capital que exclui o camponês do campo, ou da luta pela reforma agrária.
De acordo com Martins et al. (1997, p. 12) questão agrária brasileira veio à tona em meados do século XIX:
[...] surge à questão agrária quando a propriedade da terra, ao invés de ser atenuada para viabilizar o livre fluxo e reprodução do capital, é enrijecida para viabilizar a sujeição do trabalhador livre ao capital proprietário de terra. Ela se torna instrumento da criação artificial de um exército de reserva, necessário para assegurar a exploração da força de trabalho e a acumulação. A questão agrária foi surgindo, foi ganhando visibilidade, à medida que escasseavam as alternativas de reinclusão dos expulsos da terra.
Por outro lado considera-se que a questão agrária inter-relaciona-se com o desenvolvimento econômico, com a capitalização dos campos produtivos, tem-se uma mudança nas dinâmicas produtivas. Hoje o meio rural está muito vinculado com a cidade, e principalmente com indústria, que fornece os insumos, também chamados de pacotes tecnológicos agrícolas. A produção agrícola volta-se ao mercador exportador, com o preço de certos produtos cotados em balcões de negócios.
Para Fernandes (2000, p. 281):
A territorialização do capital significa a desterritorialização do campesinato e vice e versa. Evidente que esses processos não são lineares, tampouco separados e contêm a contradição porque na territorialização de um está contida a produção e a reprodução de outro. No interior do processo de territorialização do capital há a criação, destruição e recriação do trabalho familiar. Da desterritorialização do campesinato produzem-se o trabalho assalariado e o capitalista. Os avanços e recuos desses processos pelo território são determinados por um conjunto de fatores políticos e econômicos.
Historicamente no Brasil não houve um interesse de reforma agrária por parte da burguesia. E não existe uma política nacional de reforma agrária, e sim reparações, que são os assentamentos. Foi partir da década de 1960 que se começou a discutir reforma agrária no Brasil, com pequenos avanços na questão (GERMER et al., 1994).
Ainda segundo Germer et al. (1994, p. 149) o capitalismo tem contribuído para o êxodo rural dos pequenos produtores:
O próprio Brasil, que é um país tão complicado para gente entender, há trinta anos atrás tinha 60%, mais ou menos, da população rural; hoje não tem 30%. Quer dizer, por mais que a gente levante essas histórias do capitalismo destruindo aqui, recriando ali, o líquido é sempre negativo. A população rural está desaparecendo, os pequenos agricultores estão sendo dizimados, o futuro da pequena produção agrícola no capitalismo é destruída e o pequeno agricultor ser proletariado.
O Brasil é um dos países dos que mais concentra terras (IBGE, 2006). Já as áreas que podem ser destinadas a reforma agrária são as terras improdutivas, ou seja, terras que não tem utilização. Em plena ditadura Militar que o Brasil vivenciava, Prado Junior (1979, p.18) questionava essa situação da estrutura agrária brasileira:
Mas o que ficou dito já nos serve para situar a questão agrária brasileira, e colocá-la em seus devidos termos, que vêm a ser, em primeiro e principal lugar, a relação de efeito e causa entre a miséria da população rural brasileira e o tipo de estrutura agrária do País, cujo traço essencial consiste na acentuada concentração da propriedade fundiária. É tanto mais importante bem firmar esse ponto de partida na consideração e análise do problema, que não faltam esforços em diferentes setores da literatura social, econômica e política brasileira, bem como nas diretrizes da administração pública, para situar o assunto em outros terrenos, e particularmente no da ‘agricultura’ tomada em bloco, e como setor a ser considerado unicamente em contraste com outros setores econômicos, como a indústria.
A miséria de parte da população rural brasileira, citada por Caio Prado Junior, ainda pode ser encontrada no território brasileiro. A heterogeneidade das regiões e dos modelos agrários que encontramos no país distinguem os tipos de agricultura. E em pleno século XXI são identificados sistemas arcaicos de produção agropecuária.
Os grandes latifúndios ocupam as melhores terras do Brasil com gêneros agrícolas voltados para exportação. Por outro lado os pequenos produtores que representam a maior parte dos estabelecimentos agropecuários ficam com pequenas áreas, e em solos sem aptidão agrícola. Diante disso identifica-se um cenário de exclusão do pequeno camponês, talvez reforçando as ideias de Germer et al. (1994), de que o capitalismo destrói o pequeno agricultor (ou agricultura de base familiar).
Segundo Lamarche (1993), o imóvel explorado pela agricultura familiar caracteriza-se como uma unidade de produção com trabalho do proprietário e sua família, no qual, garante-se a subsistência e o progresso social. Nesse sistema as propriedades são repassadas de geração para geração em processo de herança.
Esse processo de herança em pequenas propriedades gera uma minimização do tamanho das mesmas, o que diminui a produção desses sistemas agrícolas e também contribui para o êxodo rural.
A presente pesquisa tem uma abordagem geral no município de Cruz Machado, que está localizado no Sul do estado do Paraná (FIGURA 1). Faz fronteiras com os municípios de Mallet a Leste, União da Vitória a Sul, Bituruna a Sudeste, Pinhão a Noroeste, Inácio Martins e Rio Azul a Nordeste (MARINHESKI, 2011).
O município de Cruz Machado tem 1.478,3 km2 de área territorial. Segundo o IBGE, o município é constituído por uma população de 18.040 habitantes. E desse total de habitantes, 66,4% vivem na área rural (MARINHESKI, 2011).
A estrutura fundiária de Cruz Machado caracteriza-se pelo sistema de agricultura de base familiar, com 3.303 estabelecimentos agropecuários que ocupam 115.923 hectares (com média de 35 hectares cada um) e com baixo potencial tecnológico (IBGE, 2006).
Nessas propriedades são produzidos gêneros alimentícios como: feijão, arroz, milho, leite, soja, produção de fumo, produção de carvão vegetal e extrativismo da erva mate (MARINHESKI, 2011).
A vegetação que recobre o relevo do município é caracterizada pela Floresta Ombrófila Mista. Remanescentes de florestas frias destacam-se: o pinheiro do Paraná (Araucaria angustifolia), a imbuia (Ocotea porosa) e a erva mate (Ilex paraguarienses) (MARINHESKI, 2011).
Segundo a classificação climática de Koppen, a área de estudo insere-se no regime climático Cfb, ou seja, subtropical úmido, com médias de temperaturas anuais em torno dos 10°C nos meses mais frios e 22°C nos meses mais quentes, com índices pluviométricos em torno dos 1800 a 2000 mm anuais. Com verões quentes e invernos brandos, em que ocorrem geadas nos meses de junho e julho, principalmente nos fundos de vale e na baixa vertente. Segundo Maack (2002, p. 121) nos três Planaltos Paranaenses, os fundos de vale funcionam como: “linhas de deslize de ar frio [...]” (MARINHESKI, 2011).
Figura 1
Localização da área de estudo
Org: MARINHESKI, 2018.
De acordo com a EMBRAPA (2013) em Cruz Machado predominam as áreas com relevo (ondulado e forte ondulado) [2], já as áreas com relevo plano têm pequena dimensão. Ainda com relação ao relevo do município, identifica-se o afloramento de materiais rochosos, matacões e blocos de rochas ígneas, que se tornam, ao lado dos declives acentuados, importantes obstáculos para uma agricultura intensiva e mecanizada (MARINHESKI, 2011).
A agricultura do município ganhou impulso com a chegada dos imigrantes europeus: ucranianos, alemães e principalmente poloneses, como relata Rockemmbach:
Os colonos poloneses transformaram as terras outrora incultas dos dois planaltos paranaenses, em celeiros do Paraná. Introduziram novas técnicas agrícolas, novos instrumentos de trabalho, novos produtos e uma mentalidade agrícola, nova na época. Introduziram o arado, a grade, a gadanha, o picador de palha, a mó manual e a alfange. Em Cruz Machado muitas técnicas agrícolas não puderam ser utilizadas, pelo aspecto físico das terras que se apresentam muito montanhosas e pedregosas (ROCKEMBACH, 1996, p. 122).
Os imigrantes poloneses foram responsáveis pela implantação de alguns instrumentos e técnicas de manejo em meio às atividades agropecuárias da região. Pode ser destacada a inserção do “carroção”, esse meio de transporte foi difundido pelos poloneses para conduzir os produtos das lavouras até as propriedades, o mesmo ainda é utilizado em algumas propriedades do município (WONS, 1984; PALHARES, 2004; MARINHESKI, 2011).
Destaca-se também em Cruz Machado a própria localização das diferentes formas de uso e ocupação do solo. As casas e os abrigos para os animais, cultivares e equipamentos agrícolas são construídos nas áreas baixas dos fundos de vale, as áreas para agricultura ocupam as vertentes, ou seja, nos locais mais elevados [3] e os interflúvios ficam com a mata, que forma a área de reserva legal da vegetação. Características pretéritas da logística das propriedades no território do município, e que ainda se mantiveram ao longo do tempo (MARINHESKI, 2011).
De forma geral no município de Cruz Machado não foi constatado problemas em relação a conflitos agrários. Isso pode ser relacionado ao predomínio de vários estabelecimentos agropecuários com pequena dimensão territorial.
O principal agravante que pode ser observado no município de Cruz Machado relaciona-se ao êxodo rural por parte dos jovens, que buscam alternativas de ganhos econômicos nas grandes cidades do país. A isso se pode inter-relacionar a divisão dos estabelecimentos agropecuários promovidos pelo processo de herança, e as políticas públicas com concessão reduzida de crédito ao pequeno produtor, o que diminui a produção dos mesmos, e até mesmo inviabiliza a sobrevivência de muitas famílias no campo.
Segundo a FAO (1993) mencionado por Castro Filho et al. (1999) “o pequeno agricultor tem dificuldade de viabilizar sua propriedade por três razões principais: baixa produtividade, compra de insumos caros e comercialização deficiente.”
Para Neumann e Silveira (1999, p. 90):
[...] a sociedade requer cada vez mais que o processo produtivo agrícola seja sustentável, garantindo a oferta alimentar no presente e preservando os recursos naturais para as gerações futuras. A noção de “Sustentabilidade” postula que a construção do conhecimento tecnológico se dê através de situações específicas da realidade, como forma de produzir “respostas” adequadas às condições singulares. Neste sentido, vem crescendo a tomada de consciência entre pesquisadores de que muitos dos problemas nos programas e projetos de desenvolvimento agrícola decorrem de um conhecimento insuficiente das condições e modalidades de produção existentes, bem como da consequente inadequação das alternativas propostas aos agricultores.
Ao se trabalhar a questão em sistemas de agricultura de base familiar, necessita-se averiguar a conjuntura da ocupação territorial, no qual, aspectos físicos da área, questões culturais e econômicas merecem atenção (FRANCO, 2000).
Segundo Reis (1990, p. 67):
Os fatores de mudança no âmbito intrafamiliar e intra-agrícola são relativamente fáceis de identificar e podem sintetizar-se nas transformações significativas dos modos de afetação do trabalho familiar, expressas na pluriatividade e no adensamento das relações intersetoriais das famílias (significando a quebra da dependência relativamente à agricultura) e nas transformações significativas dos processos de formação dos rendimentos familiares, expressando a pluralidade de relações econômicas em que a agricultura intervém e possibilitando uma grande diversificação dos modos de consumo em meio rural.
Para Norder (2009) em sistemas de agricultura familiar a estratégia principal é diversificar as atividades econômicas locais, com a complementação de ganhos financeiros e motivacional das comunidades envolvidas.
Segundo Kloster e Cunha (2014, p. 74):
A concepção de desenvolvimento territorial procura valorizar as potencialidades locais e regionais e observar as variáveis endógenas que podem explicar as dinâmicas de desenvolvimento diversificadas, concretizadas em trajetórias particulares destes locais e regiões.
Em conjunto ao conceito de desenvolvimento incuti-se a necessidade de esclarecer o termo local, que para Martinelli e Joyal (2004, p. 53) “o conceito de local adquire uma conotação socioterritorial para o processo de desenvolvimento, quando esse processo é pensado, planejado, promovido e induzido”.
Parte-se da ideia de que as singularidades dos territórios locais podem ser usadas em propostas de desenvolvimento. Destacado por Cunha que “em territórios específicos fazem-se presentes determinadas tramas de elementos físicos e humanos que os caracteriza e lhes fornecem as bases das suas possibilidades de desenvolvimento” (CUNHA, 2003, p. 04).
Desta forma ao se trabalhar o território e as questões agrárias em um modelo com perspectivas de subsistência e o progresso social. Deverão ser avaliadas as aptidões locais, como os aspectos físicos do território, aspectos sociais e econômicos dos produtores, mercado comprador, e políticas publicas.
O conceito de território implica em um espaço apropriado pelas relações de poder, mesmo que esse poder não resulte de força, mas que pode ser até mesmo um poder ideológico. Esse poder ideológico vai ser encontrado em relação à questão agrária brasileira. Os mecanismos de comunicação têm contribuído paras as mudanças ocorridas no setor agropecuário brasileiro. Visões de desenvolvimento territorial, em que, em muitas vezes não condizem com as características territoriais locais.
A questão agrária brasileira desde seu início abarca os conflitos de estrutura fundiária, que são caracterizados pela concentração das terras em grandes latifúndios. Por outro lado temos a maioria dos agricultores do Brasil com pequenas propriedades, no qual mal conseguem a subsistência.
No Brasil nunca houve um projeto efetivo de Reforma Agrária, e sim assentamentos mal estruturados que deixam esses assentados a mercê da própria sorte. E em muitos casos parte dos assentados trabalham nas cidades para garantir o sustento de suas famílias.
As características agrárias em Cruz Machado apresentam as marcas do processo de ocupação territorial pelos imigrantes (ucranianos, alemães e poloneses) no início do século XX. A estrutura fundiária caracteriza-se em propriedades com média de 35 hectares, e com predomínio de técnicas agrícolas de baixo potencial tecnológico.
Destaca-se também a logística de ocupação territorial na maioria dos estabelecimentos agropecuários em Cruz Machado, com as casas e as benfeitorias ao fundo do vale, as pastagens na baixa vertente, agricultura na média e na alta vertente, e os interflúvios ficam cobertos com a mata que compõem as áreas de reserva legal.
Desta forma conclui-se que os termos território e questão agrária têm prerrogativas importantes na avaliação de ocupações ou apropriações de porções do espaço terrestre. E por traz desses dois termos encontram-se os modelos econômicos (principalmente o capitalismo) e ideológicos que na maioria das vezes ditaram os rumos das apropriações territoriais pela humanidade.
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1. Secretária Estadual de Educação do Paraná – SEED - PR. Email: marinheskigeo@hotmail.com
2. Classe de relevo conforme a declividade em (%): plano (0 a 3); suave ondulado (3 a 8); ondulado (>8 a 20); forte ondulado (>20 a 45); montanhoso de (>45 a 75) e escarpado (>75), (EMBRAPA, 2013).
3. Esta logística das áreas de cultivo ocupar as partes com maior altitude do relevo deve-se ao fato de que os locais com menor altitude serem mais afetados por geadas no período de inverno. Visto que, nos três planaltos paranaenses os fundos de vale funcionam como “linhas de deslize de ar frio, [...].” (MAACK, 2002, p. 121).