ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 34) Año 2017. Pág. 22

Características, avanços e perspectivas do mercado de trabalho no setor saúde nas décadas de 1990 e 2000

Characteristics, advances and perspectives of the labor market in the health sector in the 1990's and 2000's

Gustavo Bonin GAVA 1; Bruno César Brito MIYAMOTO 2

Recibido: 18/02/2017 • Aprobado: 28/03/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. O Mercado de Trabalho na Década de 1990

3. O Mercado de Trabalho no Setor Saúde na Década de 1990

4. O Mercado de Trabalho na Década de 2000

5. O Mercado de Trabalho no Setor Saúde na Década de 2000

6. Desestruturação do Mercado de Trabalho no Setor Saúde nos Anos 90 e 2000

7. Considerações Finais

Referências Bibliográficas


RESUMO:

Neste trabalho, analisou-se o mercado de trabalho no setor de saúde nas décadas de 1990 e 2000, considerando a dinâmica geral do mercado de trabalho brasileiro e condições específicas do período como os efeitos das políticas públicas de saúde e o desenvolvimento dos mercados privados de seguros de saúde. Partiu-se da hipótese de que não houve diminuição no número de trabalhadores do setor saúde durante as duas décadas estudadas. Entretanto, o setor passou por transformações nas relações de trabalho que resultaram em uma piora geral da qualidade dos empregos gerados como a flexibilização, as terceirizações e a precarização dos postos de trabalho.
Palavras-chave: Mercado de trabalho no setor saúde, Força de trabalho, Sistema Único de Saúde

ABSTRACT:

In this study, the labor market in the health sector in the 1990s and 2000s was analyzed considering the general dynamic of Brazilian labor market and specific conditions of the period, such as the effects of health public policy and the development of private health insurance markets. Our hypothesis is that there was no decrease in the number of workers in the health sector during the two decades analyzed. However, the industry has undergone changes in labor relations which resulted in a general worsening of the quality of jobs that were created such as outsourcing and precariousness of the jobs.
Keywords:
Labor market in the health sector, Labor force, Unified Health System

1. Introdução

O mercado de trabalho do setor saúde brasileiro passou por grandes transformações nas últimas décadas. A constituição do Sistema Único de Saúde (SUS) modificou a maneira de pensar e o comportamento de usuários, gestores e trabalhadores. Os princípios da universalidade, equidade e integralidade do SUS emergiram como novos paradigmas, sendo que a descentralização e o crescimento da participação popular na agenda de implementação das políticas públicas de saúde foram marcas expressivas destas mudanças.

Neste artigo analisa-se o mercado de trabalho no setor saúde nas décadas de 1990 e 2000, considerando a dinâmica geral do mercado de trabalho brasileiro no período como a condição específica do emprego setorial em decorrência da política pública de saúde e do desenvolvimento do mercado de planos e seguros privados de saúde.

Parte-se da hipótese de que não houve diminuição no número de empregos no setor de saúde ao longo das duas décadas estudadas, entretanto, um conjunto de transformações que ocorreram nas relações de trabalho como a flexibilização da jornada e o aumento das terceirizações resultaram em uma piora geral da qualidade dos empregos gerados.

Para o estudo sobre o mercado de trabalho em âmbito geral foi utilizada a Pesquisas Nacionais por Amostras de Domicílios (PNAD). No âmbito do mercado de trabalho no setor da saúde, foram utilizadas as pesquisas de Assistência Médico Sanitária (AMS) em conjunto com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além de outros trabalhos consultados.

O mercado de trabalho no setor saúde possui características que o distinguem de outros segmentos do mercado de trabalho. A primeira distinção refere-se à proeminência das atividades intensivas e diversificadas da mão-de-obra. Mesmo com a absorção de novos produtos, instrumentos e equipamentos médicos, a demanda efetiva por força de trabalho continua crescente, transformando e ampliando os perfis profissionais (MACHADO et al., 2011).

De acordo com Dal Poz, Pierantoni e Girardi (2013), existem ainda mais dois elementos específicos de caracterização do mercado de trabalho no setor saúde: (i) o crescimento da demanda pelos serviços de saúde através das mudanças demográficas – sobretudo com o envelhecimento populacional, abrindo espaço para à entrada de profissionais ligados aos cuidados domiciliares e de atenção primária à saúde –; (ii) a enorme presença feminina na formação da mão de obra neste setor; e (iii) a inserção do setor na economia é diversificada, uma vez que está inserido nos sistemas de  proteção social de cada país – com a sua associação aos serviços de consumo coletivo –  e também fazendo parte do sistemas de inovação tecnológica.

O artigo está divido em sete sessões. Após esta breve introdução ao tema, o artigo caminha para uma descrição do mercado de trabalho na década 1990. Na terceira sessão trata-se do mercado de trabalho no setor saúde na década 1990. A quarta sessão aborda o mercado de trabalho nos anos 2000. A quinta sessão aprofunda a análise do mercado de trabalho no setor saúde na década de 2000. A sexta sessão abrange a desestruturação do mercado de trabalho em saúde nas décadas de 1990 e 2000. Finalmente, a última sessão contém as considerações finais.

2. O Mercado de Trabalho na Década de 1990

A economia brasileira na década de 1990 passou por transformações em sua política econômica, em especial as políticas macroeconômicas de ajuste fiscal e de estabilização da moeda nacional. No âmbito externo, houve a abertura da economia ao comércio internacional e ao fluxo de capitais externos, a valorização cambial e prática de elevadas taxas de juros. Essas alterações estruturais tiveram impacto no mercado de trabalho, cujas características apontam para um processo de desregulação progressiva, abrangendo aspectos de desestruturação e desregulamentação (BALTAR, 2003).

A introdução do neoliberalismo como projeto político-econômico ganhou destaque com a eleição de Fernando Collor de Mello em 1989 e a implementação de reformas econômicas, privatizações de empresas públicas e a focalização de políticas sociais. Posteriormente essas reformas foram aprofundadas no governo de Fernando Henrique Cardoso a partir de 1994 quando o Estado passou a assumir cada vez mais funções regulatórias ao passo que funções produtivas eram privatizadas, com exceção apenas dos serviços básicos, tais como saúde e educação (FAGNANI, 2005).

Para Fagnani (2005), a redução da atividade estatal estaria interligada a três processos: (i) a privatização de empresas estatais; (ii) a transferência da gestão pública de serviços e atividades para o setor público-não estatal como, por exemplo, as transferências dos serviços de saúde para Organizações Sociais (OS) e, por fim, (iii) aos processos de terceirização, com a compra de serviços de terceiros.

De acordo com Baltar (2003) e Cardoso Júnior (2001), as principais tendências encontradas no mercado de trabalho brasileiro na década de 1990 foram: o crescente aumento das ocupações no setor terciário da economia, a precarização das relações e das condições de trabalho, a expansão do mercado de trabalho informal e aumento do desemprego. A desregulamentação progressiva é outra prerrogativa – com a flexibilização das condições de uso e de remuneração do conjunto da massa de trabalhadores, com mudanças do aparato legal de proteção e assistência aos trabalhadores, juntamente com transformações nas estruturas sindicais e da própria Justiça do Trabalho.

Conforme Pochmann (2006), a década de 1990 representou para o país a pior crise do emprego em toda sua história. Em 1986, o país estava ocupando a 13ª posição no ranking do desemprego mundial. Oito anos depois, em 1994, o país passou a agrupar o seleto grupo de países com maiores taxas de desemprego do mundo, ocupando a 4ª no ranking mundial, ficando atrás apenas da Índia, Indonésia e Rússia. O fator do desemprego em massa tornou-se uma realidade brasileira. Ainda para Pochmann (2006), contribuíram para o desemprego: a diminuição dos empregos assalariados e o aumento dos postos de trabalho precários (ocupações sem remuneração, trabalho por contra própria, autônomos, dentre outros).

O Quadro 1 demonstra as principais tendências de desestruturação e desregulamentação do mercado de trabalho brasileiro nos anos 90.

Quadro 1 Desestruturação e desregulamentação do mercado de trabalho brasileiro nos anos 90

Desestruturação

Desregulamentação

  • Estagnação relativa da situação distributiva dos rendimentos do trabalho
  • Precariedade na qualidade dos postos de trabalho
  • Aumento dos níveis de desocupação e desemprego
  • Crescimento da informalidade nas relações de trabalho
  • Terceirização das ocupações
  • Mudanças na estrutura sindical e na Justiça do Trabalho
  • Flexibilização nas condições de uso da força de trabalho (alocação, jornada de trabalho, contrato de trabalho etc.)
  • Mudanças nas condições de proteção e assistência ao trabalhador
  • Flexibilização das condições de remuneração da força de trabalho

Fonte: Adaptado de Baltar (2003) e Cardoso Júnior (2001).

A Tabela 1 refere-se ao aumento intensivo do trabalho por conta própria na década de 1990. Característica gerada pelas transformações do mercado de trabalho no período. De acordo com Baltar (2003):

Essa ampliação intensa e generalizada do trabalho por conta própria e intenso e generalizado aumento do emprego sem carteira de trabalho em estabelecimentos e do emprego no serviço doméstico remunerado caracterizaram o tipo de oportunidade gerada ao longo da década de 1990, para ocupar o crescimento da população ativa, em atividades não-agrícolas (BALTAR, 2003, p. 130).

Tabela 1. Trabalho por conta própria segundo setor de atividade não agrícola – Brasil: 1989, 1992 e1999

Setor de Atividade

Taxa de crescimento

1989/1992

1992/1999

1989/1999

Prestação de serviços

2,0

1,7

1,8

Comércio

6,6

2,4

3,7

Construção

10,7

4,3

6,2

Indústria de transformação

1,3

3,7

3,0

Transporte e comunicação

2,7

6,8

5,6

Serviços auxiliares

1,3

8,0

6,0

Atividades sociais

1,7

4,9

3,9

Outros setores

2,1

3,2

2,9

Total

4,6

3,3

3,6

Fonte: Adaptado de Baltar (2003, p. 128).

A Tabela 2, por sua vez, demonstra a ocorrência de fato da estagnação relativa da distribuição dos rendimentos do trabalho. A estagnação acontece a partir de 1996, com a piora em 1999.

Tabela 2 Número-índice do rendimento médio mensal real das pessoas de
10 anos ou mais de idade, por Grandes Regiões - 1992/2002 Ano base 2002

Ano

Brasil

Norte urbana

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

1992

73,2

77,2

70,6

73,7

73,8

68,2

1993

79,4

88,9

77,5

78,1

82,3

78,6

1995

103,4

113,2

98,6

105,0

102,6

91,4

1996

104,1

108,1

100,0

106,6

102,8

94,6

1997

104,2

107,5

99,4

106,6

101,5

99,6

1998

104,7

104,6

103,4

105,8

102,5

100,9

1999

98,5

98,7

98,1

98,5

99,2

93,3

2001

100,0

100,4

98,5

100,5

101,4

96,2

2002

100,0

100,0

100,0

100,0

100,0

100,0

Fonte: IBGE. PNAD (2002).

A piora da remuneração salarial na década de 1990 (Tabela 3) foi concentrada sobretudo nos trabalhadores sem carteira de trabalho assinada. Houve piora do rendimento médio mensal, em 1999, por exemplo, o patamar foi menor do que em 1996, apontando queda dos rendimentos. Mesmos os militares, estatutários e trabalhadores com carteira assinada sofreram com a redução de seus rendimentos reais. Na metade da década de 1990 é possível notar a quase estagnação da renda real e, posteriormente a seu declínio.

Tabela 3. Rendimento médio mensal real do trabalho principal dos empregados
no trabalho principal da semana de referência, de 10 anos ou mais de idade,
por Grandes Regiões e categoria do emprego no trabalho principal - 1992/2002

Anos

Com Carteira

de Trabalho

Assinada

Militares e

Estatutários

Vínculos

Outros

1992

605

717

228

1993

624

779

246

1995

745

1 016

341

1996

745

1 013

366

1997

751

1 033

369

1998

759

1 062

380

1999

705

1 031

352

2001

680

1 055

371

2002

669

1 044

363

Fonte: IBGE. PNAD (2002).

Conforme é assinalado por Pochmann (2006, p.62), o desemprego “tornou-se um fenômeno complexo e heterogêneo”, atingindo diretamente todos os segmentos sociais do país. Sobre a desigualdade no desemprego, é possível observar pelo Gráfico 1 um crescimento do mesmo na classe baixa em detrimento as demais. Em 1992, o desemprego afetava 59,3% da classe baixa, em 2002, o desemprego chegou a 62% para este segmento social. A classe média também acumulou alto desemprego, em 1992, quando 35,5% da População Economicamente Ativa (PEA) deste segmento social encontrava-se desempregada. Em 2002, houve uma pequena melhora, diminuindo o desemprego da classe média para 32,4%. Finalmente, a classe alta apresentou para o período a menor taxa de desempregados, em 1992, de 5,2%, e em 2002, de 5,6%.

Gráfico 1 Composição do desemprego por classes de rendimento familiar per capita, 1992-2002 (em%)

Fonte: Pochmann, 2006, p.63.

Dentre inúmeras razões para explicar o fenômeno do desemprego no Brasil na década de 1990, pode-se destacar cinco principais: 1) o baixo crescimento econômico do país nas décadas de 1980 e 1990; 2) o modelo econômico desfavorável ao emprego; 3) alterações da demanda agregada; 4) natureza da reinserção externa e; 5) processo de reestruturação das empresas (POCHMANN, 2006).

A economia brasileira apresentou baixo crescimento econômico durante as décadas de 1980 e 1990, contribuindo de forma negativa para a piora nos números de emprego e renda. A piora do desemprego esteve atrelada a opção pelo modelo econômico neoliberal, com adoção ao Consenso de Washington , com a passividade e subordinação do país frente às economias mais desenvolvidas.

O forte estimulo para as importações foi decisivo para a corrosão da indústria nacional. O dólar barato em conjunto com o endividamento externo e limitaram a expansão economia brasileira e a criação de postos de trabalho. De acordo com Pochmann (2006, p.69), a economia brasileira apresentou “queda na produção entre 1998 e 1999 de 1,6%, com redução do emprego formal de 3,1% e de elevação da taxa de emprego de 45%”. Para Laplane e Sarti (2006), além da baixa taxa de atividade, houve ausência de políticas indústrias por parte do Estado brasileiro, contribuindo para o fenômeno do desemprego massivo.

Com a abertura comercial e a desregulamentação financeira, a reinserção externa da economia sofreu de variadas crises internas, resultando em acordos com instituições multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1999. Para Pochmann (2006), com a elevação das importações, o parque industrial brasileiro foi “internacionalizado”. Nas palavras do autor:

Esse múltiplo movimento produziu maior heterogeneidade na base econômica, com a modernização seletiva, contida e pontual nas grandes empresas internacionalizadas, bem como o retraimento, fechamento e desnacionalização de outras ao longo da cadeia produtiva, geralmente um adicional de micro, médias e pequenas empresas (POCHMANN, 2006, p.70).

Finalmente, a quinta razão para o aparecimento do desemprego massivo no Brasil durante a década de 1990 foi o processo de reestruturação das grandes empresas, com a introdução de novas práticas de gestão da produção e de reorganização do trabalho, implantação de novas tecnologias, ampliação das terceirizações e aumento da flexibilização da mão-de-obra. De acordo com Pochmann (2006), mesmo as pequenas e médias empresas – com menos de cem funcionários – realizaram medidas de contenção de custos em prol da elevação da produtividade em um ambiente de alta concorrência, contratando seletivamente funcionários com maiores níveis de produtividade e dispensando funcionários com pouca ou baixa qualificação.

3. O Mercado de Trabalho no Setor Saúde na Década de 1990

O mercado de trabalho no setor saúde na década de 1990 foi marcado pela implementação do SUS, com a descentralização da prestação dos serviços de saúde para os municípios. O aprofundamento das condições de precarização e de desregulamentação do trabalho também estiveram presentes neste período histórico, entretanto, o nível de emprego no setor foi mantido em função das demandas públicas – com a municipalização da prestação dos serviços – e das demandas privadas, através do aumento de planos, seguros e serviços privados.

Tabela 4 Proporção de estabelecimentos de saúde por esferas de governo - 1988/2005

Ano

Municipal

Estadual

Federal

Total

1988

8851 (41%)

10643 (50%)

1978 (9%)

21472 (100%)

1992

18662 (69%)

7043 (26%)

1387 (5%)

27092 (100%)

1999

30404 (92%)

1930 (6%)

628 (2%)

32982 (100%)

2005

42549 (95%)

1496 (3%)

1044 (2%)

45089 (100%)

Fonte: IBGE. AMS (1988/1992/1999/2005).

A Tabela 4 faz referência a proporção de estabelecimentos de saúde por esferas de governo. O contexto de descentralização dos serviços públicos de saúde é notável, com o salto da participação municipal, de 41%, em 1988, para 95%, em 2005. Outra característica marcante foi a redução dos estabelecimentos estaduais, os quais, em 2005, representavam apenas 3% do total de estabelecimentos de saúde. Nesse mesmo ano, apenas 2% dos estabelecimentos de saúde se concentraram na esfera federal, o que denota o papel residual que foi sendo assumido paulatinamente pelo governo federal.

De acordo com Machado (2006), tal evolução do processo de descentralização permitiu transformações no mercado de trabalho no setor saúde, gerando substituição de empregos públicos da esfera federal para os municípios e estados brasileiros. Para a autora, houve um processo de inversão dos empregos públicos. Se em 1984, cerca de 40% dos empregos públicos estavam ligados de alguma forma ao governo federal, 39% nos governos estaduais e 18% nos municipais, em 1992, a composição do trabalhador do sistema público de saúde estava totalmente ligada aos municípios e aos estados, com 41,7% e 42,9%, respectivamente, o emprego federal contava apenas com 15,5%.

O crescimento do mercado de trabalho do setor saúde foi de 10% durante toda a década de 1990. A participação do emprego público nos municípios cresceu em 85,5%, enquanto que os estados e o governo federal sofreram reduções, respectivamente de 10% e de 57%. A Tabela 5 demonstra este conjunto de dados.

Tabela 5 Crescimento do emprego público em saúde – 1992/1999

Brasil e Grandes Regiões

Municipal

Estadual

Federal

Total

Brasil

 

 

 

 

1992

140.152

149.838

113.987

403.977

1999

259.981

135.116

48.953

444.050

Diferença

85,5%

-10%

-57%

100%

Fonte: IBGE. AMS (1992-1999).

A massa de trabalhadores do setor saúde pode ser observada na Tabela 6 e o Gráfico 2 . O número de técnicos e auxiliares foi expandido, saltando de 147.962 trabalhadores, em 1992, para 220.134, em 1999, representando um aumento de 49%. O número de médicos foi ampliado de 111.591, em 1992, para 155.786, em 1999, o que corresponde a um aumento de 40%. Podemos observar também um movimento contraditório entre o setor público e o setor privado. No primeiro, houve expansão de técnicos e auxiliares, por sua vez, o setor privado ampliou o contingente de médicos, de 37.624, em 1992, para 60.695, em 1999, um aumento de 61%.

Tabela 6 Evolução do Número de Postos de Trabalho em Estabelecimentos sem Internação - 1992/1999

 

1992

1999

Público

Privado

Total

Público

Privado

Total

Médicos

73.967

37.624

111.591

95.091

60.695

155.786

Outros níveis superiores

44.316

10.807

55.123

72.584

21.825

94.409

Técnicos e auxiliares

63.826

19.589

147.962

197.088

23.046

220.134

Administrativos

73.2 50

24.654

97.904

101.498

46.487

147.985

Fonte: IBGE. AMS (1992-1999).

------

Gráfico 2 Evolução do Número de Postos de Trabalho em Estabelecimentos sem Internação - 1992/1999

Fonte: IBGE. AMS (1992-1999).

O fortalecimento da iniciativa privada no mercado de planos e seguros de saúde remonta a década de 1960, contudo, como afirma Ocké-Reis (2012), é na metade dos anos 1980 que teve início o crescimento da demanda por serviços médicos diversificados. Os trabalhadores qualificados e profissionais liberais distanciaram-se dos serviços públicos devido a deterioração dos serviços previdenciários públicos. Com maiores incentivos governamentais, o mercado privado preencheu o espaço do sistema público de saúde, sobretudo na oferta de serviços privados aos trabalhadores formais.

Para Viacava e Bahia (2002), o movimento de crescimento das unidades ambulatoriais correlacionou-se com a criação de postos de trabalho para os profissionais médicos, em um claro movimento de provisão das redes de assistência médica pública e também reflexo da redução dos estabelecimentos privados em detrimento do crescimento dos estabelecimentos de saúde públicos. De acordo com os autores, em 1992, foram registrados 2,1 postos de trabalho em hospitais, para apenas um posto de trabalho nas unidades ambulatoriais. Em 1999, o quadro ainda se manteve – com os hospitais permanecendo como maiores empregadores de médicos –, entretanto, as unidades ambulatoriais representavam 45% do total de postos de trabalho para médicos. Este movimento representou uma “desospitalização” da assistência, mas também refletiu em uma mudança dos investimentos – sobretudo, os privados – em redes assistenciais às necessidades da população brasileira.

De acordo com a pesquisa de Assistência Médico-Sanitária (AMS, 1999), houve um aumento no número de estabelecimentos privados e públicos, contudo, o número de estabelecimentos privados saltou de 22.594, em 1992, para 23.171, ou seja, um percentual de crescimento de apenas 2,55%. O setor público apresentou um crescimento percentual de estabelecimentos de saúde de 21,66%, partindo, em 1992, de 27.092, para 32.962, em 1999.

O mercado de trabalho no setor saúde privado também foi favorecido pela implementação do SUS. Em primeiro lugar, a oferta de serviços especializados e de alto custo estavam inseridos, em grande medida, nos estabelecimentos privados, o que permitiu uma maior demanda do SUS e, em segundo lugar, foram ampliados os planos e seguros de saúde, o que colaborou para o crescimento dos segmentos de medicina supletiva (VIACAVA e BAHIA, 2002).

A maior oferta de serviços de saúde no setor privado foi observada com a ampliação do mercado de planos e seguros. De acordo com a pesquisa IBGE/PNAD (1998), 38,7 milhões de brasileiros usufruíam da cobertura de pelo menos um plano de saúde, sendo que 29 milhões destes estavam vinculados a algum tipo de plano de saúde privado – em sua maioria, compostos por empresas especializadas. Em grande medida, a população coberta por algum tipo de plano de saúde pertencia aos estratos sociais com maior renda familiar.

Famílias com renda de até 1 salário mínimo a cobertura era de aproximadamente 2,6%, crescendo para 4,8% entre pessoas com renda familiar acima de 1 e 2 salários mínimos, passando a 76% de cobertura para renda familiar acima de 20 salários mínimos. O Gráfico 3 confirma este levantamento.

Gráfico 3 População residente, por cobertura de plano de saúde
e classes de rendimento mensal familiar – Brasil 1998

Fonte: IBGE. PNAD (1998).

Em suma, houve na década de 1990 crescimento do mercado de trabalho no setor saúde. Tanto no setor público como no privado se deu um movimento de ampliação dos empregos, em um período histórico de desemprego em diversos setores da economia brasileira, sobretudo no industrial. O mercado de trabalho no setor saúde, mesmo com as prerrogativas da globalização, da introdução de novas tecnologias e do claro movimento de redução de mão de obra intensiva, conseguiu um crescimento em todo o tempo analisado.

4. O Mercado de Trabalho na Década de 2000

Nos anos 2000 ocorreram profundas melhorias no mercado de trabalho brasileiro decorrentes da diminuição da taxa de desemprego, do crescimento do emprego formalizado, da elevação da renda do trabalho e da provisão de direitos previdenciários aos trabalhadores anteriormente desprotegidos. A Tabela 7 apresenta as taxas de desemprego de toda a década de 2000. Entre 2005 e 2008 a taxa apresentou forte queda, vindo a se elevar apenas com a crise financeira internacional em 2009.

Tabela 7 Taxa de desemprego na década de 2000, incluindo pessoas com 10 anos ou mais

Anos

Taxa de Desemprego

Áreas Metropolitanas

Áreas Não Metropolitanas

- Áreas Rurais

Áreas Urbanas Não Metropolitanas

2001

10,1

13

8,6

3,0

10,2

2002

9,9

13,5

8,1

2,7

9,6

2003

10,5

14,1

8,7

2,7

10,3

2004

9,7

13,5

7,9

3,1

9,2

2005

10,2

13,4

8,6

3,5

10,0

2006

9,2

12,1

7,8

3,7

8,8

2007

8,9

11,3

7,7

3,7

8,7

2008

7,8

9,6

6,9

3,4

7,7

2009

9,1

10,7

8,2

4,4

9,1

2011

7,3

7,9

7,0

3,8

7,6

2012

6,7

7,4

6,4

4,6

6,8

Fonte: IPEADATA

Para Baltar e Krein (2013), a situação da economia brasileira se reverteu a partir de 2004, com o crescimento econômico impulsionado pelas exportações de commodities em um contexto de alta de preços e de crescimento de sua demanda internacional. A inflação do período 2004-2008 também apresentou queda, permitindo afirmar que houve aumento real do poder de compra dos brasileiros. Para os autores:

O crescimento do PIB ficou mais forte, a inflação diminuiu, cresceu muito o emprego formal e recuperou- se o poder de compra da renda do trabalho. Fortes aumentos do valor do salário mínimo e reajustes das categorias profissionais maiores do que a inflação fizeram com que a elevação do poder de compra da renda do trabalho acontecesse com diminuição das diferenças entre trabalhadores. Foi a primeira vez, desde 1960, que um aumento substantivo da renda do trabalho ocorreu com diminuição do índice de GINI (BALTAR e KREIN, 2013, p. 284).

A Tabela 8 representa este período histórico, com crescimento expressivo do salário mínimo – sobretudo no período de 2004-2008, com taxas baixas de inflação e de forte crescimento do PIB.

Tabela 8 A década de 2000: PIB, IPCA e salário mínimo - 1998/2008

Anos

PIB

IPCA

Salário Mínimo

2000

4,3

6,0

3,4

2001

1,3

7,7

9,1

2002

2,7

12,5

2,6

2003

1,1

9,3

0,7

2004

5,7

7,6

3,7

2005

3,2

5,7

7,0

2006

4,0

3,1

14,1

2007

6,1

4,5

6,0

2008

5,2

5,9

3,1

Fonte: Adaptado de Baltar e Leone (2012, p. 4).

O emprego formalizado foi ampliado por cinco características principais, de acordo com Baltar (2014):

  1. Aumentos dos gastos sociais: alcançando em 2010 o patamar de 25,2% do PIB, as despesas públicas possibilitaram a emergência de empregos formais e informais, principalmente com o setor da construção civil. A geração de empregos públicos, principalmente no setor da construção civil foi um marco importante deste período;
  2. Ampliação da demanda por crédito: a demanda por crédito estava estagnada desde 2003, com a opção de ofertar crédito alguns empreendimentos foram estimulados a formalizar seus empregados e/ou contratar funcionários através de contratos de trabalho formalizados;
  3. O superávit comercial: a ampliação do superávit comercial permitiu que grandes empresas exportadoras investissem em maiores plantas e na produção, contribuindo para a contratação direta de trabalhadores formalizados;
  4. A simplificação na cobrança de impostos e desonerações: essas características permitiram uma maior formalização de micro e pequenas empresas, as quais para usufruírem das medidas deveriam formalizarem-se e;
  5.  Intensificação das fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE): de acordo com o autor o número de trabalhadores formalizados por ações do órgão foi ampliado.

A década de 2000 também representou um novo ciclo de protagonismo aos movimentos sindicais, sobretudo com as reivindicações em prol de aumentos reais de salários. De acordo com Galvão (2014), houve uma retomada de greves e de ganhos de legitimidade frente a sociedade, contudo os movimentos sindicais não auferiram resultados positivos frente ao “plano-ideológico e organizativo” (GALVÃO, 2014, p. 114).

5. O Mercado de Trabalho no Setor Saúde na Década de 2000

Assim como nos anos 1990, a década de 2000 representou uma continuação das expansões do mercado de trabalho no setor saúde. A Tabela 9 demonstra a ampliação dos estabelecimentos públicos e privados de saúde. Os estabelecimentos de saúde saltaram de 56.134, em 1999, para 94.070, em 2009, um aumento de 68%. A região que apresentou maior crescimento no período histórico foi a Centro-Oeste, com aumento de 110% das unidades. Com 74% de crescimento a região Nordeste veio em segundo lugar, seguida pela região Sudeste com 65% de expansão e pela a região Sul com crescimento de 62%. Por fim, a região com menor crescimento de estabelecimentos de saúde foi a região Norte, com apenas 36%.

Tabela 9 Estabelecimentos de saúde, segundo as Grandes Regiões – 1999/2009

1999

2002

2005

2009

%

Total

56.134

65.342

77.004

94.070

68%

Regiões

 

 

 

 

 

Norte

4.645

5.137

5.528

6.305

36%

Nordeste

16.265

18.911

22.834

28.234

74%

Sudeste

21.484

24.412

28.371

35.351

65%

Sul

9.819

11.757

13.113

15.954

62%

Centro-Oeste

3.921

5.125

7.158

8.226

110%

Fonte: IBGE. AMS (1999, 2002, 2005 e 2009).

O número de estabelecimentos públicos e privados com e sem internação são expostos na Tabela 10 . Os estabelecimentos privados com internação diminuíram de 5.193 em 1999 para 4.036 em 2009, o que corresponde a uma redução de 22% da capacidade instalada. No mesmo período, o poder público ampliou as unidades, porém em apenas 9%, de 2.613 em 1999 para 2.839 em 2009. O número de estabelecimentos sem internação obteve a maior expansão do período, de 66%, com o setor público liderando no número de estabelecimentos. Essa característica amplifica o consenso de que existe um processo de “desospitalização” no setor saúde em virtude das políticas de promoção e prevenção à saúde, fomentadas exclusivamente pela implementação do PSF na maioria dos municípios brasileiros.

Tabela 10 Estabelecimentos de saúde, por tipo de atendimento e unidade administrativa – 1999/2009

Anos

Com Internação

Sem Internação

 

Total

Público

Privado

Total

Público

Privado

Total

Público

Privado

1999

48815

32606

16209

7806

2613

5193

41009

29993

11016

2002

53825

37674

16151

7397

2588

4809

46428

35086

11342

2005

62483

43987

18496

7155

2727

4428

55328

41260

14068

2009

74776

50253

24523

6875

2839

4036

67901

47414

20487

Fonte: IBGE. AMS (1999, 2002, 2005 e 2009).

Em relação ao número de leitos houve uma redução de 484.945 em 1999 para 431.996 em 2009. Esse processo foi ampliado pela esfera privada, com a diminuição de 18% de leitos oferecidos no período ( Tabela 11 ).

Tabela 11 Leitos para internação em estabelecimentos de saúde, por unidade administrativa – 1999/2009

 

Esfera Administrativa

Anos

Total

Público

Privado

1999

484945

143074

341871

2002

471171

146319

324852

2005

443210

148966

294244

2009

431996

152892

279104

Fonte: IBGE. AMS (1999, 2002, 2005 e 2009).

A Tabela 12 e o Gráfico 4 apresentam a crescente descentralização dos serviços de saúde, com a maior participação dos municípios na oferta de leitos, partindo de 35.861 em 1992 para 75.569 em 2009, o que representa um aumento de 111% no período. Notavelmente a esfera federal e estadual perderam espaço com a transferência de hospitais e dos serviços aos municípios com, respectivamente de -36% e -18%. A esfera privada no mesmo período representou um decréscimo no número de leitos de -32%.

Tabela 12. Número de leitos por esfera administrativa – 1992/2009

1992

2002

2005

2009

Variação (1992-2005)

544.357

471.171

443.210

431996

-21%

Público

135.080

146.319

148.966

152892

13%

Federal

24.072

17.383

17.189

15.479

-36%

Estadual

75.147

62.793

61.699

61.844

-18%

Municipal

35.861

66.143

70.078

75.569

111%

Privado

409.277

324.852

294.244

279104

-32%

Fonte: IBGE. AMS (1992, 2002, 2005 e 2009).

------

Gráfico 4. Crescimento no número de leitos da esfera municipal - 1992/2009

Fonte: IBGE. AMS (1992, 2002, 2005 e 2009).

O emprego no setor saúde na década de 2000 saltou de 2.180.598 em 2002 para 2.566.994, em 2005. O aumento do emprego público foi de 56%, com os municípios liderando a criação de postos de trabalho, uma vez que 56% dos empregos foram gerados nessa esfera de governo, totalizando, em 2005, mais de 997 mil postos de trabalho. A esfera federal logrou a lanterna do ranking com apenas 7% de participação do emprego público. A esfera estadual também representou aumento da participação na geração de empregos, contudo em menor escala do que a esfera privada e a municipal. O setor privado apresentou grande elevação, correspondendo a 44% dos empregos no setor saúde, ampliando a quantidade de postos de trabalho para mais de um milhão (Tabela 13 ).

Tabela 13 Número de postos de trabalho no setor saúde, por esfera administrativa – 1992/2005

1.992

2.002

2.005

Postos de Trabalho

Total

1.438.708

2.180.598

2.566.694

1.127.986

Público

735.820

1.193.483

1.448.749

712.929

Federal

113.987

96.064

105.686

-8.301

Estadual

315.328

306.042

345.926

30.598

Municipal

306.505

791.377

997.137

690.632

Privado

702.888

987.115

1.117.945

415.057

Fonte: IBGE. AMS (1992, 2002 e 2005).

Ao longo dos anos 2000 deu-se continuidade ao processo de ampliação de postos de trabalho no setor saúde com destaque para o aumento da participação do emprego público. A municipalização concentrou-se na ampliação da rede de assistência básica, como aconteceu nos anos 1990, entretanto a década de 2000 aprofundou também a diminuição de leitos e estabelecimentos privados, em um movimento de desospitalização. Tal movimento, contudo, deve ser observado com mais cautela por pesquisadores, uma vez que pode responder por um avanço dos estabelecimentos privados de saúde no cuidado de especialidades.

A municipalização do emprego público não se deu apenas no setor saúde, ocorrendo também em outras áreas como educação e assistência social. Segundo Cardoso Júnior (2011), o crescimento do emprego público aglutinou-se em variadas profissões, dentre as principais: psicólogos, professores de ensino fundamental, técnicos de programação, enfermeiros, fisioterapeutas e advogados foram as que mais cresceram durante a década de 2000.

Ampliou-se também a participação de mulheres no mercado de trabalho público principalmente na esfera municipal que concentrou 64% dos empregos em 2010, seguida pela esfera estadual com 57,3% e pela federal apenas com 35,1%. Esses dados reforçam a participação de mulheres em empregos públicos nas áreas da saúde, educação e assistência social (Tabela 14).

Tabela 14 Percentual da participação feminina por esfera administrativa do setor público, Brasil 1992, 2005 e 2010

Esfera

1995

2002

2010

Federal

31,9

32,1

35,1

Estadual

59,6

58,4

57,3

Municipal

61,7

62,4

64,0

Total

56,6

57,2

58,6

Fonte: Cardoso Júnior, 2011, p.252.

6. Desestruturação do Mercado de Trabalho no Setor Saúde nos Anos 90 e 2000

Na década de 1990, apesar do aumento de empregos, o setor saúde foi afetado por condicionantes que, segundo Nogueira (1999), podem ser assim resumidos: (i) as reformas da previdência dos servidores públicos e os seus reflexos quanto aos vínculos, remunerações e direitos trabalhistas; (ii) o controle das contas públicas em prol do discurso sobre a estabilização econômica do governo federal e; (iii) as transformações decorrentes da descentralização dos recursos econômicos nas três esferas de governo. Ainda para o autor, existiu uma forte tendência à flexibilização das relações de trabalho:

No SUS, essa tendência não vem ocorrendo pela disseminação das organizações sociais, conforme o modelo da política oficial do ex-MARE, mas se traduz na multiplicação das formas e objetivos da terceirização de serviços através de empresas privadas e de cooperativas. A disseminação das cooperativas de profissionais no SUS, em situações tão distintas como a dos hospitais e a do Programa de Saúde da Família, bem comprova que o gestor está sendo cada vez menos um empregador direto e mais um contratador de fornecedores de trabalho. A terceirização tem chegado ao ponto de envolver a gerência de hospitais e de alguns subsistemas de atendimento ao público (NOGUEIRA, 1999, p. 444, grifos do autor).

A hipótese da terceirização dos serviços públicos de saúde também foi observada por Machado e Oliveira (2006) através da maior adoção dos gestores públicos por contratos flexíveis, com a vertente de terceirizações das atividades para cooperativas e empresas. Outros tipos de contratos foram assimilados pelo o setor público como, por exemplo, de autônomos principalmente para a expansão da atenção primária, através da implementação do Programa Saúde da Família (PSF).

Estudos localizados em municípios permitem afirmar que o movimento em prol da flexibilização, desaguaram em insatisfação dos profissionais da saúde, juntamente com a diminuição do compromisso público, ou seja, estes profissionais buscam através do multiemprego remunerações melhores. Outras prerrogativas são listadas pelos profissionais como a baixa estima, a descontinuidade de planos e metas de ações de saúde e a própria fragmentação do trabalho (KOSTER e MACHADO, 2012).

De acordo com o Nogueira (1999), podem ser elencados cinco prerrogativas da flexibilização do mercado de trabalho no setor saúde:

  1. Ao implementar o SUS muitos profissionais da saúde foram descentralizados para municípios, entretanto não foi possível abastecer de forma plena os postos de trabalho criados, construindo-se assim déficits de trabalhadores;
  2. Criou-se através dos processos de terceirizações e de contratos temporários uma alternativa ao modelo de isonomia salarial entre os trabalhadores, tal processo imbricou em relações desiguais entre os profissionais da saúde;
  3. Houve, por parte das três esferas de poder, desestímulos aos contratos de trabalho com vínculos de estatutários e aos programas de carreira;
  4. Foram estimuladas as contratações de celetistas em detrimento aos vínculos estatutários e;
  5. Os cargos comissionados e de contratos temporários foram estendidos para o setor saúde.

A institucionalização do SUS representou transformações no mercado de trabalho no setor saúde. O desemprego aprofundou-se na década de 1990, entretanto, no mercado de trabalho no setor saúde o contrário foi observado, com ampliação do emprego, sobretudo com a introdução de programas e serviços da atenção primária como, por exemplo a ampliação dos estabelecimentos de atenção primária e dos programas de promoção e prevenção à saúde como o PSF.

Por fim, pode-se observar que a flexibilização das relações de trabalho no setor saúde foi acentuada durante toda a década de 1990. A precarização do trabalho e a descontinuidade dos processos, vínculos precários, inexistência de planos de carreiras, dentre outras prerrogativas também podem ser somadas a este cenário.

A partir de 2004, o governo federal apresentou políticas públicas de âmbito federal com o objetivo de combater a precarização do trabalhador no setor saúde. Nas palavras de Machado et al.:

[...] o atual governo vem favorecendo uma ampla retomada do crescimento do estoque de servidores ativos. Um contingente crescente de trabalhadores terceirizados e temporários “informais” da administração federal vem sendo substituído por servidores efetivos (MACHADO et al., p. 10).

Modernização e a implantação de planos de carreiras para funcionários públicos do setor saúde se mostram políticas favoráveis em um novo contexto de ampliação do SUS, mudando a orientação do tratamento dos recursos humanos do setor saúde como um todo.

7. Considerações Finais

Ao analisar o mercado de trabalho no setor saúde nas últimas duas décadas é possível afirmar que o mesmo não sofreu perdas de postos de trabalho, como ocorrido em outros setores-chave da economia brasileira como no setor industrial. A dinâmica do setor saúde é diferente da observada em outros setores como, por exemplo, as integrações de novas tecnologias no ambiente de trabalho em saúde não modificam fortemente a intensidade da mão-de-obra.

Porém, a década de 1990 representou avanços proeminentes da flexibilização de contratos, dos limites de gastos com pessoal na esfera pública além outros desafios impostos pelas políticas econômicas adotadas no período.

Os anos 2000 apresentaram melhores indicadores de emprego, renda, formalização e crescimento econômico. Esses fatores modificaram o mercado de trabalho brasileiro como um todo. Houve também nesse período maiores e melhores políticas públicas de incentivos a regulamentação e regularização de trabalhadores anteriormente informais. Neste contexto, o mercado de trabalho no setor saúde também absorveu um maior contingente de trabalhadores, sobretudo do setor público, em um movimento de ampliação do SUS e de maior integralização entre as redes de atenção primária de promoção e prevenção à saúde.

Houve, durante toda a década de 2000, avanços importantes no combate a precarização e flexibilização dos trabalhadores do setor saúde, entretanto os programas fomentados não apresentaram ainda soluções definitivas, sendo ainda paliativos para os reais problemas de ordem econômica, política e cultural.

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1. Instituto de Economia (IE), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil. gugava123@gmail.com

2. Instituto de Economia (IE), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil. miyamototup@gmail.com

3. De acordo com Pochmann (2006), a classe baixa era composta pelos segmentos sociais que ganhavam até a metade da renda familiar per capita média do país, o segmento de renda média alta é composto pelos indivíduos que superavam duas vezes a renda per capita média.

4. John Williamson (1992) enumera em seu texto Reformas políticas na América Latina na década de 80, dez reformas políticas e econômicas necessárias aos países do Cone Sul, sendo elas: (i) disciplina fiscal, (ii) prioridades do gasto público, (iii) reforma fiscal, (iv) liberalização de financiamento, (v) taxa de câmbio unificada entre os países da região, (vi) liberalização do comércio, (vii) livre abertura ao capital estrangeiro, (viii) privatização, (ix) desregulamentação e (x) direito de propriedade.


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 34) Año 2017

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