Vol. 38 (Nº 20) Año 2017. Pág. 21
Breynner R. OLIVEIRA 1
Recibido: 25/01/2017 • Aprobado: 05/02/2017
2. O processo de fundação do sistema educacional brasileiro e a função social e econômica da escola
3. A Lei de Diretrizes e Bases e a regulação da educação
RESUMO: Este artigo analisa o itinerário da política educacional sob a ótica do Estado brasileiro, resultado da configuração e da materialização das tensões que expressam, historicamente, a capacidade administrativa e gerencial dos governos em implementar decisões em contextos sociais, econômicos e políticos específicos. Ao apresentar uma breve discussão sobre a função social e econômica da escola e como esse processo se deu no Brasil, conclui-se que as políticas educaçionais têm sido constrangidas pela reestruturação produtiva do Estado. |
ABSTRACT: This article analyzes the educational policy itinerary from the point of view of the Brazilian State, resulting from the configuration and materialization of tensions that historically express the administrative and managerial capacity of governments to implement decisions in specific social, economic and political contexts. In presenting a brief discussion about the social and economic function of the school and how this process took place in Brazil, it is possible to conclude that educational policies have been constrained by the restructuring of the State. |
Este artigo analisa o itinerário da política educacional sob a ótica do Estado brasileiro. Em se tratando de Políticas Públicas, em especial as de caráter social, Shiroma (2002) afirma que estas se configuram na materialização do Estado mediatizadas pelas lutas, pressões e conflitos na sociedade. Essas tensões não são estáticas e nem fruto de iniciativas abstratas; pelo contrário, expressam, historicamente, a capacidade administrativa e gerencial do Estado em implementar as decisões do governo contigenciadas por contextos sociais, econômicos e políticos específicos.
As atribuições dadas à educação e à escola geralmente vão além da aquisição do conhecimento e da apreensão do currículo formal. Muito mais do que isso, a educação e as instituições onde ela se materializa – na Família, Igreja, Sociedade, Estado e na Escola – desempenham funções sociais que conferem ao processo educativo um lugar de destaque nas relações sociais.
Ao tratar dessa questão, a primeira seção traz uma breve discussão sobre a função social e econômica da escola e como esse processo se deu no Brasil. Em relação a primeira, Durkheim (1978) afirma que estas funções sociais são essencialmente dinâmicas, isto é, variam com o tempo e com o meio, dentro de um contexto nitidamente histórico.
Apesar de essa temporalidade exercer uma influência nos fins e funções da educação, não se pode, segundo o autor, negar que a educação se impõe aos indivíduos de modo geralmente irresistível. Há costumes com relação aos quais somos obrigados a nos conformar. Há, pois, a cada momento, um tipo regulador de educação, do qual não podemos separar sem vivas resistências, e que restringe as veleidades dos dissidentes. Aderir a essas dimensões impõe ao Estado estruturar-se a fim de assegurar que a educação seja ofertada, razão pela qual a criação de um Sistema Educacional Público passa a ser um issue nacional; uma questão relevante para o país.
É nesse sentido que a função econômica da educação se inscreve, sob a ótica do Estado. A escola emerge, então, como instituição central a fim de assegurar, do ponto de vista do ordenamento econômico-administrativo, a maneira pela qual o Estado seria capaz de fiscalizar, regular e otimizar o funcionamento da rede de ensino, além de imprimir à sociedade seu caráter uniformizador e homogeneizador. Ao refletir sobre esse itinerário para o caso brasileiro, percebe-se que, de acordo com Shiroma (2002), as políticas públicas voltadas para a educação têm demandado um projeto educativo em prol da reestruturação produtiva do Estado.
Assim, a educação passa a exigir competências que se desenvolvem em dois movimentos: a necessidade da educação para a vida e a revisão dos sistemas de ensino, objeto da terceira seção. No percurso brasileiro, o primeiro movimento diz respeito à afirmação da idéia de educação que rompe as fronteiras dos tempos e locais destinados a aprender. A educação torna-se um processo para a vida inteira, refletido na Lei de Diretrizes e Bases Nacional da Educação (LDBEN), que reconhece as aprendizagens realizadas em outros espaços que não o escolar. O segundo movimento diz respeito à revisão dos sistemas de ensino.
Nas considerações finais, parte-se da premissa que tal percurso, contingenciado pela reforma do Estado em nível global a partir da década de 1980/1990, apresenta tensões e dilemas: ao mesmo tempo que a função social da escola deve ser preservada e ampliada, a agenda econômica se torna mais premente.
Independentemente do contexto histórico e das especificidades dos sistemas educativos, Durkheim (1978) propõe uma definição de educação a partir de duas premissas básicas: (1) para que haja educação é preciso existir uma geração de adultos e uma geração de indivíduos jovens, crianças e adolescentes e (2), que uma ação seja exercida pela primeira sobre a segunda. Nesse contexto, toda e qualquer educação, de qualquer indivíduo, de qualquer classe social e para qualquer tipo de função tem por objetivo algum tipo de homogeneização, alguma padronização ou adequação a certo número de idéias, sentimentos e princípios que se estendam a todos os indivíduos.
A educação, portanto, perpetua e reforça, fixando na alma das crianças certas similitudes essenciais, reclamadas pela vida coletiva (p.41). É, então, no processo educacional que esses valores, ao mesmo tempo em que são impostos de fora ao indivíduo, são por ele internalizados e reproduzidos na sociedade. O indivíduo, que era outrora egoísta, adquire depois de educado uma segunda natureza que dá a ele condições de ser um ser social. Esta concepção acerca dos efeitos da educação para a socialização do indivíduo constitui a tese central do pensamento de Durkheim.
Em outras palavras, segundo este autor, a pessoa é constituída de dois seres, o individual e o social. O primeiro relaciona-se consigo mesmo e o segundo consiste num sistema de idéias e hábitos que exprimem no indivíduo o grupo ou os grupos os quais ele se insere. A constituição desse segundo ser é o fim da educação, uma vez que o ser humano não nasce ser social, isto é, o caráter social não está naturalmente vinculado à natureza individual. Sendo assim, cabe à educação criar condições para que a pessoa se desenvolva enquanto sujeito social, saindo do estado primitivo em que se encontra.
Neste sentido, a função eminentemente social da educação enquanto fator essencial e constitutivo da própria sociedade a submete à ação do Estado, uma vez que, no seu entendimento, é o Estado que deve assegurar que tanto o interesse como valores coletivos sejam garantidos. Dessa forma, a concepção durkheimiana é referência importante para entender o significado dado pelo Estado brasileiro ao processo de escolarização.
A economia da educação tem uma vasta bibliografia acerca das contribuições desta para o crescimento e o desenvolvimento de um país. A concepção de educação para esta matriz de pensamento assenta-se na teoria do capital humano, desenvolvida por Schultz (1973). [2] Segundo este autor, uma parte considerável do crescimento da renda nacional pode ser atribuída ao investimento feito por indivíduos – ou agentes econômicos – em capital humano.
Neste sentido, todos os gastos despendidos pelos mesmos em educação e/ou treinamento e em saúde, por exemplo, constituem variações deste tipo de capital. Grosso modo, todo e qualquer investimento que as pessoas fazem em si mesmas constitui alguma forma de capital humano. Humano, porque tal investimento parte do indivíduo, e capital, porque tal investimento se dá porque o mesmo é visto como fonte de satisfação futura, concretamente sob a forma de rendimento ou de algum tipo de remuneração. Por outro lado, por ser um investimento feito pelo indivíduo sobre si mesmo, não pode ser vendido (não se pode vender a pessoa), mas ele tem papel decisivo na remuneração do trabalho desempenhado pela mesma.
A decisão de investir em capital humano, entretanto, não gera ganhos no curto prazo (como o investimento em capital financeiro, por exemplo). O resultado desse investimento tem um componente de longo prazo que só poderá ser plenamente consumido no futuro. A justificativa para essa afirmação está na própria característica e estrutura dos sistemas educacionais. Uma vez que a estrutura escolar é orientada por ciclos de formação (ensino fundamental e ensino médio, por exemplo), cada um deles composto por séries que são anualmente concluídas, entende-se que cada ciclo de formação pode ser terminado em oito e três anos (ensino fundamental e médio, respectivamente), dependendo da idade e do nível de ensino em questão. Sendo assim, o resultado do investimento despendido pelo indivíduo no ensino médio só será auferido quando este for concluído, uma vez que o mercado não faz, em princípio, distinções de renda para categorias do tipo “ensino médio incompleto” ou “em curso”. Dessa forma, a decisão de investir em educação traduz uma análise de custo/benefício realizada pelo indivíduo. Os alunos incorrem em perdas presentes porque têm expectativas de ganhos futuros que compensariam estas perdas. Em outras palavras, a decisão de estudar impõe certos custos às famílias e aos alunos (menos horas de lazer, recusa de oportunidades de trabalho, queda na renda familiar, por exemplo), mas as expectativas de que o benefício auferido no futuro será superior ao custo presente “compensa” esta desvantagem.
Uma vez compreendido o mecanismo de tomada de decisão em investir em capital humano, pesquisas qualitativas realizadas por Schultz (1973) e Becker (1990) demonstram que o impacto desse investimento de médio e longo prazo na produtividade e na renda per capita de um país são consideráveis. É neste sentido que pode-se afirmar que o investimento em educação tem uma correlação positiva com o crescimento sustentado de uma economia.
Tais pesquisas demonstram: (i) que a produtividade da força de trabalho é tanto maior quanto mais elevado for o grau de instrução do trabalhador; (ii) que a remuneração do trabalhador (geralmente verificada a partir dos salários nominais) tem correlação positiva com a escolaridade; (iii) que economias mais desenvolvidas (em relação ao PIB) têm uma parcela significativa de sua população com elevadas taxas de escolaridade. Em outras palavras, a qualificação da mão-de-obra está nitidamente ligada ao desempenho econômico de um país; (iv) que sociedades mais escolarizadas têm crescimento populacional e taxas de mortalidade infantil menores (estas últimas desagregadas por nível de instrução das mães); (v) o investimento em educação gera externalidades, isto é, parte do ganho é dissipada na sociedade, aumentando o nível de bem-estar.
Nessa perspectiva, investir na expansão das taxas de escolarização é condição essencial para o desenvolvimento sustentável de uma economia. A expansão nos anos de escolaridade tem relação direta com a melhoria da produtividade do fator trabalho, elevando a remuneração da mão-de-obra aumentando consistentemente o crescimento da economia e, consequentemente, reduzindo os níveis de pobreza e de desigualdade social. Para o caso brasileiro, Barros, Mendonça & Henriques (1999) comprovam este argumento, apresentando dados sobre o impacto do investimento em educação em relação a outros indicadores sociais.
A conclusão apontada por estes autores é que, no que se refere à formulação de políticas públicas, a experiência internacional e os dados apresentados mostram que o trade-off entre expansão e redução de desigualdades educacionais foi resolvido quando a primeira foi favorecida. A Coréia, por exemplo, optou por uma expansão educacional, certa de que esta se reverteria, no médio e longo prazo, em uma menor escassez de mão-de-obra qualificada e, consequentemente, em uma remuneração salarial menos desigual. Segundo os autores, o Brasil ainda se encontra em uma posição de elevada desigualdade educacional, verificada no diferencial salarial existente neste país, e explicada em parte pelo elevado valor de mercado atribuído à educação. Sendo assim, o sistema educacional brasileiro deveria se expandir a taxas elevadas, porque somente esta expansão levaria a uma substancial redução na desigualdade social brasileira.
O Estado exerce papel de agente catalisador no processo de escolarização das massas ou das camadas inferiores da sociedade frente à necessidade de se constituir um sistema educacional nacional. É neste sentido que, já no início do século XIX, o Estado imperial brasileiro passa a ter um papel progressivamente estratégico no que diz respeito à expansão do ensino de “primeiras letras”. A escola vai, então, lentamente se constituindo em locus do processo civilizatório, isto é, vai se tornando o local onde os primeiros saberes – ler, escrever e contar – são desenvolvidos.
Esta ascensão da escola enquanto o espaço da “formação dos rudimentos do saber” será reforçada pela lei de 15 de outubro de 1827, segundo a qual em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos haveria escolas de primeiras letras que forem necessárias, contribuindo para a construção de uma unidade nacional nitidamente atrelada à instrução:
Nessa perspectiva, a instrução como mecanismo de governo permitiria não apenas indicar os melhores caminhos a serem trilhados por um povo livre, mas também evitaria que esse mesmo povo se desviasse do caminho traçado (FARIA FILHO, 2000, p.137).
Com isso, a importância atribuída à instrução promoveu um avanço na concepção de educação, abandonando a visão das “primeiras letras”, movendo-se em direção à concepção de “instrução elementar” como sendo um conjunto de conhecimentos e valores necessários à inserção, mesmo que de forma muito desigual, dos pobres na vida social (idem, p. 139).
É neste cenário que a necessidade de se constituir um sistema educacional nacional vai se configurando. Entretanto, a constituição deste sistema educacional não significou, de imediato, a formação de uma rede pública de instrução no que diz respeito à construção de espaços públicos específicos para tal função – a escola que conhecemos hoje. Pelo contrário, segundo Faria Filho, o processo de escolarização doméstica era constituído em sua maioria por escolas que funcionavam em espaços cedidos pelos pais das crianças ou na própria casa dos professores que tinham – ou não – vínculo direto com o Estado. Pode-se dizer que foi justamente esse crescimento da prática educacional e da conseqüente expansão do ensino que motivou o estado imperial a “trazer para si” a responsabilidade de unificar e configurar esse sistema educacional emergente. É neste cenário que a construção de espaços formais – os grupos escolares – vai se tornando indispensável para uma ação racional junto às crianças e suas famílias. Segundo o mesmo autor:
No Brasil a educação escolar, ao longo do século XIX, vai, progressivamente, assumindo as características de uma luta do governo do estado contra o governo da casa. Nesses termos, simbolicamente, afastar a escola do recinto doméstico significava afastá-la também das tradições culturais e políticas a partir das quais o espaço doméstico organizava-se e dava a ver (p.146).
Já na República, a lógica universalizadora da escola vai ganhando força no discurso educacional. O chamado “entusiasmo pela Educação” traduz-se no combate ao analfabetismo, na crença de que sua erradicação possibilitaria ao país crescer e progredir sempre sob a tutela do Estado. Segundo Carvalho (2000), na nova lógica [universalizadora], o analfabetismo é alçado ao estatuto de marca na inaptidão do país para o progresso. Erradicá-lo é a nova prioridade na hierarquia das providências de reforma educacional.É nesse sentido que elevar o combate do analfabetismo ao estatuto de “questão nacional” reforça a conotação política e econômica dos fins da educação. Primeiro, porque ele funcionava como instrumento mantenedor da república, uma vez que reforçava a questão de um projeto nacionalista de controle das massas urbanas e dos imigrantes que seriam gradualmente “republicanizados” pela república nascente. Segundo, porque o processo de industrialização emergente no Brasil nas primeiras décadas do século XX promoveu a aceleração dos fluxos migratórios para os grandes centros urbanos, trazendo para a cidade um grande número de pessoas que não se adequavam às condições comportamentais que regiam o quotidiano do espaço urbano (p. 233).
Este movimento em direção ao urbano realça a função social da escola sob o ponto de vista durkheimiano introduzida anteriormente, uma vez que caberia à educação moldar e preparar tanto adultos como crianças para que pudessem se ajustar à convivência urbana. Vê-se, portanto, que a elevação do analfabetismo ao status de questão nacional tinha contornos muito mais políticos do que educacionais. A reforma das instituições públicas passa a ser uma grande reforma de costumes, capaz de ajustar os homens a novas condições e valores de vida, pela pertinácia da obra e da cultura, que a todas atividades impregne, dando sentido e direção à organização de cada povo (LOPES apud CARVALHO, 2000, p.233).
Os propositores do movimento escolanovista – a Escola Nova – fizeram outra leitura em relação à questão do analfabetismo. Este movimento aconteceu no Brasil depois da primeira grande guerra, caracterizando-se pela realização de algumas reformas no ensino primário de alguns estados brasileiros (São Paulo, Pernambuco, Ceará, Bahia, Santa Catarina, Minas Gerais e Rio Grande do Sul). Ainda, apresenta outro eixo filosófico em torno da educação e do educando, instituindo uma educação que tem por centro a personalidade da criança, procurando, na sociedade e no contexto escolar instrumentos de aperfeiçoamento do indivíduo. Dois momentos importantes desse movimento se deram com (i) a criação da ABE – Associação Brasileira de Educação – em 1924, que nasceu para atuar junto ao poder público, sensibilizando-o quanto à necessidade de se tomarem medidas urgentes para equacionar os problemas da educação nacional e (ii) a publicação de um projeto de reconstrução da política educacional no Brasil, redigido por Fernando de Azevedo e formulado por outros educadores adeptos da Escola Nova [3] que ficou conhecido como o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”.
Segundo Neto (1988), os signatários do manifesto sabiam que, dada à conjuntura política da época, um projeto ousado de reforma educacional não teria condições de ser implementado porque, dentre outros motivos, exigiria uma enorme decisão e vontade política que assumisse a educação enquanto prioridade. E esta prioridade, para os políticos da época, não era a educação, mas de que forma estes se manteriam no poder e de que maneira poderiam se aproveitar dele.
Retomando a questão do analfabetismo, para o movimento escolanovista era claro que não bastaria ensinar a ler, escrever e contar. Estas habilidades, segundo aqueles pensadores, não possibilitariam às pessoas uma inserção social capaz de torná-las cidadãos de direito e de fato. Mais do que isso, a escola deveria fornecer a cada indivíduo os meios para participar plenamente da vida social e econômica da civilização moderna, dentro de um ambiente em profunda mudança. Para os “pioneiros”, o problema da educação nacional era, antes de tudo, um problema de educação de elites, uma vez que, de acordo com Carvalho, eram mais nocivas culpáveis e condenáveis as elites mal preparadas que nos governam e legiões sempre crescentes de semi-analfabetos que os sustentam (p. 237). Em outras palavras, cabia à elite a responsabilidade de saber manipular e fazer bom uso dos avanços do domínio do alfabeto pelas massas populares, com o objetivo de manter a ordem vigente legitimando o Estado e reforçando o poder civilizador da Escola, poder este que não seria atingido, segundo Veiga (2000):
(...) apenas com a abertura de escolas, mas com uma educação estética que envolvesse habilidades manuais, a educação das mulheres para o lar, o contato com a literatura brasileira, os cantos, a dança presentes no cotidiano das salas de aula, nas festas escolares, e nas festas das cidades (p. 407).
O processo educativo da “educação nova” abandona a rigidez do espaço escolar e a não interação deste com o meio, e assume uma postura dialogante com o ambiente no qual se insere a escola, compreendendo que o desenvolvimento cultural dos alunos era condição indispensável para o desenvolvimento do país. Fazia-se necessário que o Estado difundisse por todo o país uma “cultura nacional” que fosse capaz de se contrapor aos particularismos regionais. Assim, foi criado o Ministério da Educação e Saúde em 1931, ministério que nasceu com a responsabilidade de coordenar uma política educacional pública e unificada para todos os níveis de ensino.
A partir desse novo paradigma acerca da educação e de suas relações com o processo de inserção social do indivíduo, a proposta do movimento para que o ensino fosse público, gratuito e leigo e que fosse capaz de promover uma redemocratização do acesso e da formação dispensada às pessoas também tinha contornos econômicos. De acordo com os escolanovistas, a universalização da educação escolar resultaria em maior qualificação dos trabalhadores preparando-os para o mercado de trabalho que se expandia durante o período de industrialização e formação do parque industrial no Brasil. É neste sentido que podemos dizer que a escola nova se alinha com a questão do trabalho, compreendendo que este era um dos elementos constituintes do processo de inserção social e, obviamente, de desenvolvimento econômico. Dessa forma:
A escola nova, que tem de obedecer a esta lei [o trabalho enquanto elemento constituinte do processo de inserção social], deve ser organizada de maneira que o trabalho seja seu elemento formador, favorecendo a expansão das energias criadoras do educando, procurando estimular-lhe o próprio esforço como o elemento mais eficiente em sua educação e preparando-o, com o trabalho em grupos e todas as atividades pedagógicas e sociais, para fazê-lo penetrar na corrente do progresso material e espiritual da sociedade de que proveio e em que vai viver e lutar. (MANIFESTO, 1984, p.55-6)
Mas para tal, os autores do Manifesto acreditavam que a educação deveria ser direito de todos e, portanto, caberia ao Estado ser o responsável pela sua provisão. Na concepção dos escolanovistas, a educação deveria ser acessível a todos, independente de sexo, cor ou raça, e eventuais diferenças quanto à ação pedagógica só seriam justificadas através das diferenças psicológicas dos indivíduos, de seus interesses e aptidões. Vê-se, pois, que alçando a questão da educação à esfera do público, reivindicando do Estado a função de assegurar escola para todos, os autores do Manifesto dão uma dimensão política ao tratamento da educação, contribuindo para o não agravamento das disparidades de oportunidades educacionais entre as classes sociais.
Outro aspecto acerca da função social da escola neste período está diretamente relacionado à higiene e a estética. Como já foi mencionado anteriormente, as escolas não funcionavam inicialmente em prédios próprios. Pelo contrário, funcionavam nas casas dos professores, em prédios adaptados, cujas precárias condições de higiene facilitavam o aparecimento de doenças, atingindo os alunos e suas famílias. Dessa forma, a presença do fator doença justificava a emergência de medidas saneadoras, bem como a construção de prédios escolares higiênicos, atribuindo-se à escola um papel central no que diz respeito à questão da saúde pública e ao combate às epidemias. Segundo Nunes (2000), a campanha urbanizadora e higienizadora do espaço urbano se deu sob o tripé moral-higiene-estética. Assim, nas primeiras décadas do século XX os melhores alunos (os mais aplicados e/ou comportados) eram responsáveis pela fiscalização/vigilância da limpeza do corpo, da roupa e dos modos de seus colegas na escola.
Em relação à estética, a escola assume a função de gerar uma identidade do “belo”, ou “elegante”, reformando a cidade e, consequentemente, reformando o povo. É neste sentido que a educação dos sentidos através da música, do desenho, das artes aparece como um dos objetivos fundamentais da educação estética na formação integral da criança. Segundo Veiga (2000):
É necessário, para isso, o exercício efetivo das práticas artísticas na escola, seja na decoração da sala de aula, na execução de programas didáticos, na realização de exposições, nas apresentações em festas, na comemoração das datas nacionais, o objetivo é despertar e desenvolver o gosto artístico das classes populares e, com o sentimento de solidariedade nacional, pela consciência e cultura da arte popular, nas suas origens e nas variadas expressões, o sentimento de solidariedade humana (p.413).
Finalmente, a escola assume um papel disciplinador e corretivo, exercendo a função de disseminar valores como a ordem, o respeito à autoridade e o patriotismo. Durante o primeiro período do governo de Getúlio Vargas, nas décadas de 1930 e 1940, o ensino fundamental recebeu atenção especial, uma vez que seria responsável pela formação do cidadão e do trabalhador futuros, nitidamente moldados para atender tanto ao interesse industrial emergente quanto aos padrões de socialização requeridos. Vê-se, portanto, que a função social da escola no Brasil está intimamente relacionada com o papel da educação como co-responsável pelo processo de crescimento econômico, um dos pilares para o alcance do desenvolvimento social e econômico.
Segundo Cury (2002) a educação básica no Brasil ganhou contornos complexos após a Constituição Federal (CF) de 1988. Afirma o autor que analisá-la não é tarefa fácil porque as contingências que a cercam são múltiplas e os fatores que a determinam têm sido objeto de leis, políticas e programas nacionais, alguns dos quais financiados e induzidos por órgãos internacionais, impulsionados pela reforma do Estado em nível global. Nessa direção, Castro (2006) afirma que o reordenamento do Estado no final do século XX deu-se de forma entrelaçada com três fatores determinantes: (i) As profundas modificações na esfera econômica mundial; (ii) as idéias neoliberais, que defendem a noção de Estado Mínimo e, (iii) o Contexto da globalização e das inovações tecnológicas que mudaram o setor produtivo.
Essa é uma das chaves analíticas que serve de referência para se compreender a conjuntura na qual a reforma da educação no Brasil se inscreve, na metade da década de 1990. Em um contexto de crise econômica agravada pela má distribuição da renda e concentração da riqueza do país, tanto o acesso e a permanência dos alunos na escola eram um problema real, razão pela qual a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei 9394/96, dedica à questão crucial importância.
Em seu artigo 21, a LDBEN define como a educação escolar formada pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, tendo como finalidades: [...] desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (BRASIL, 1996, artigo 22).
Cury (2002) pondera que o conceito de educação básica implícita na LDBEN é fruto principalmente das lutas dos educadores em formalizarem na lei um conceito mais amplo de educação básica. O autor pondera que “a idéia de desenvolvimento do educando nestas etapas que formam um conjunto orgânico e seqüencial é o do reconhecimento da importância escolar para os diferentes momentos destas fases da vida e da sua intencionalidade” (p.170). Afirma que o termo base nos confirma a acepção que estas etapas devam ser conjugadas sob um só todo. Nesta perspectiva a Educação Infantil pode ser considerada a base da Educação Básica, o Ensino Fundamental o seu tronco e o Ensino Médio o seu acabamento. A qual a LDBEN regulamenta da seguinte maneira:
A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar (BRASIL, 1996, artigo 23).
Vale registrar que quadro estrutural do sistema educacional brasileiro é composto pela Educação Básica e Educação superior. Sendo que nosso texto focará a Educação Básica a qual tem três níveis de ensino: a Educação Infantil destina-se a crianças de 0 a 05 anos de idade e compreende as creches e pré-escolas; o Ensino Fundamental atende à faixa etária de 6 a 14 anos de idade e tem duração de nove anos. Em seguida está o Ensino Médio, que se subdivide em ensino médio em sentido estrito (o antigo 2º grau) e ensino médio profissionalizante e tem duração de 03 anos. Temos a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) que atende os alunos da educação básica que não tiveram a oportunidade de cursar o ensino fundamental e/ou médio no período correto da sua faixa etária prevista.
A LDBEN, seguindo a CF e a ementa 14, determina em seu capitulo IV a divisão de responsabilidades para com a educação (artigos 8, 9,10 e 11) ente os entes federados, bem como a descentralização administrativa e pedagógica são fixadas nos artigos 11,13 e 14, direcionando para a integração e flexibilização destas. Conforme a LDBEN, o Estado deve garantir:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem (BRASIL, 1996, artigo 4º).
A garantia destes direitos por parte do Estado se configura ainda (mesmo 14 anos após a promulgação da LDBEN) em desafios e metas a serem atingidas pelo mesmo. No que tange a organização escolar a LDBEN registra novas formas de ensinar e de avaliar. As escolas podem se organizar em séries, ciclos, períodos semestrais, alternância regular de períodos de estudos, e flexibiliza a forma de avaliar o aluno. Os currículos devem seguir base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (artigos, 23,24, 25, 26, 27 e 28).
A referida Lei sugere a gestão democrática participativa o que exige das escolas trabalho coletivo e participação de todos os segmentos da escola. Cabe a escola elaborar e executar sua proposta pedagógica de forma coletiva com a comunidade escolar interna e externa. Detalhadamente, cabe a cada instituição de ensino:
I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento; VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; VII - informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica (BRASIL, 1996, artigo 12).
As mudanças trazidas pela LDBEN imputaram a necessidade de melhoria na formação docente e maior flexibilidade e versatilidade do trabalho docente. Nesta nova configuração é exigido como responsabilidade do professor:
I- Participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III - zelar pela aprendizagem dos alunos; IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade (BRASIL, 1996, artigo 13).
Ao estudar a LDBEN e suas relações com a organização escolar Oliveira (2007) aponta que as mudanças trazidas pela referida Lei repercutem diretamente sobre a organização do trabalho escolar [5], pois exigem mais tempo de trabalho do professor para que este possa responder por novas demandas na sua jornada de trabalho. Uma vez que a partir da referida lei, o trabalho docente passou a contemplar “as atividades em sala de aula, as reuniões pedagógicas, a participação na gestão da escola, o planejamento pedagógico dentre outras atividades” (OLIVEIRA, 2007, p. 109).
Nesta direção o perfil do trabalho docente é afetado e isto tem relação direta com sua formação em especial à “formação em serviço.” Pois o trabalho do professor nos dias atuais ultrapassa o trabalho da sala de aula e dos muros da escola. Uma vez que:
Os professores têm de encarregar-se de um maior numero de funções: gestão econômica, busca de recursos econômicos (sobretudo para as atividades extra-acadêmicas), elaboração de uma política educativa própria por meios de projetos de cada escola e de sala de aula [...], publicidade da escola, atenção a novos conteúdos culturais e problemas sociais; educação contra drogas, prevenção de Aids, educação no trânsito, educação para o consumo, educação para a saúde, manutenção do patrimônio cultural e ecológico, etc. (SANTOMÉ, 2003 p.44).
É acrescentado ao trabalho do professor à gestão da escola, o planejamento, a elaboração de projetos, a responsabilidade em cumprir o currículo e melhorar os índices de avaliação da escola. Pois, as regulações das políticas educativas se pautam também nos processos de avaliação externa que se faz da escola via exames nacionais de avaliação. Essa nova configuração do trabalho docente imputa um tipo de formação que exige dos professores a transformação de suas práticas e a busca por domínio de novos saberes para exercer a docência. Como nos demonstra Oliveira (2007):
Esses profissionais têm buscado novas competências que possam contribuir na resposta às demandas por pedagogia de projetos, transversalidade dos currículos, e aos procedimentos avaliativos orientados para formas mais dinâmicas e formativas. Essas demandas são apresentadas aos docentes individualmente ou em suas representações coletivas, mas também constituem demandas para os sistemas públicos de educação nos diferentes níveis da federação (p.109).
Diante de uma nova morfologia do trabalho docente a qual exige uma formação continuada docente, a LDBEN regulamenta de forma positiva a necessidade de valorização dos profissionais da educação como podemos constatar no texto da lei:
Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III - piso salarial profissional; IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho; V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI - condições adequadas de trabalho. (BRASIL, 1996, artigo 67).
No entanto, mais uma vez presencia-se um distanciamento entre o que se prega na Lei e o que acontece na realidade. A questão do piso salarial ainda não se concretizou na prática; os professores brasileiros, em sua grande maioria não desfrutam de período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho com vencimentos garantidos para tal fim e as condições de trabalhos são muito ruins, como pode ser constato em várias pautas de reivindicações de diversos sindicatos da categoria.
A política de formação e docente e o delineamento de um novo perfil do trabalho docente podem ser evidenciados nas legislações educacionais brasileiras, sobretudo nas legislações a partir de década de 1990: em 1993, Plano Decenal de Educação de Educação Para Todos (PDET) [6] o qual enfatizou a importância da formação e o trabalho docente e determinou algumas diretrizes para a questão. No entanto, na prática, o referido plano ficou nos planos da idéias e do registro, para atender apenas as orientações da Conferencia Mundial de Educação Para Todos realizada em 1990 em Jomtien – Tailândia.
A LDBEN determinou os passos a serem seguidos no que se refere à formação dos profissionais da educação. No artigo 61 trata dos fundamentos, da formação dos profissionais da educação, tendo em vista atender os objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino, bem como as características de cada fase do desenvolvimento do educando, como se pode ver no artigo 61 da Lei: I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades.
Percebe-se nestes incisos que fica proclamado na Lei que a formação docente deve prezar pela articulação entre teoria e prática, a qual a lei orienta para que se construa na capacitação em serviço, ou seja, no exercício da profissão docente. Paralelo a isto se vislumbra que os saberes e experiências anteriores dos docentes devem ser considerados. Estes dois incisos podem se configurar avanço no sentido de garantir em lei o que deve ser princípio de todo processo de formação docente que é a articulação entre teoria e pratica. Quanto à experiência anteriores dos docentes isto também é uma variável que deve ser considerada em qualquer espaço formativo pois a educação e o processo de formação não podem ser considerados isoladamente.
Neste sentido é importante que na letra lei isto tenha sido reforçado. No entanto, é sabido que entre o determinado e o realizado nem sempre corresponde aos fatos, o que implica afirmar que nem todos os processos institucionalizados de formação atingem os incisos proposto no artigo 61 da LDBEN. No artigo 62 da Lei fica determinado que a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação. Sobre esta questão, Maués (2003) suscita algumas reflexões fundamentais:
Neste artigo introduz-se um novo lócus organizacional, diferente das Universidades, para abrigar a formação. Surgem, na letra da lei, os Institutos Superiores de Educação, que deverão manter, dentre outras atividades ‘cursos formadores de profissionais para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental’ (art.63, I). Assim, a reforma aponta para uma formação em nível superior, em Institutos superiores e no Curso Normal Superior. (p.4)
No processo de regulamentação da referida lei, o Conselho Nacional de Educação (CNE) apontou para a perspectiva de referendar de forma oficial e legislada (pareceres e resoluções) outro espaço para a formação de professores. Isso se materializa quando o CNE define as instituições que farão à composição do Ensino Superior e as hierarquizações das mesmas (Decreto Lei 3860/2001), sendo a Universidade a responsável por ensino, pesquisa e extensão, conforme o que determina a Constituição Federal de 1988, no artigo 207. Logo em seqüência vêm os Centros Universitários e, finalmente, as Faculdades Integradas e Isoladas e os Institutos Superiores, sabendo-se que os mesmos não assumirão a responsabilidade com a pesquisa e a extensão, atuando simples e puramente como instituições de ensino.
Maués (2003) nos aponta uma discussão que trata da questão da exclusividade ou preferência na formação de professores para a atuação multidisciplinar, destinada ao magistério na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. O decreto 3276/1999 determinava que a referida formação deveria ser feita exclusivamente nos cursos normais superiores. Após muita luta dos movimentos sociais ligados à formação dos profissionais da Educação, o referido decreto foi alterado por outro, Decreto 3554/2000, que determina que essa formação seja feita preferencialmente nos referidos cursos. Apesar da mudança do termo, ainda assim se observa desprezo com a história da formação em nível superior, que, a partir da década de 1980, já vinha sendo feita nas licenciaturas.
Outra discussão de fundo que paira nesta questão é que os cursos de formação de professores não realizados em universidades lhes tira a obrigação de ter como tripé básico e fundamental para o processo de formação docente o ensino, a pesquisa e a extensão. Logo, os cursos de formação ofertados por instituições privadas, em sua maioria, têm prezado apenas pelo o que lhes cobra a Lei: o ensino.
Percebe-se que a lei traz maior flexibilidade e várias possibilidades de formação do profissional da educação básica e da diversidade de currículos de licenciatura que surgiu neste novo contexto. Sobre esta questão, a flexibilidade dos processos de formação, a ponto de permitir que profissionais de outras áreas possam ingressar no magistério por meio de uma complementação pedagógica, talvez seja contraditória com a própria concepção que se tem hoje de “profissionais de educação”, denominação prevista na própria Lei.
O artigo 65 aborda a formação do docente em termos de prática de ensino, com uma carga horária mínima de trezentas horas. O lugar da prática educativa na formação do profissional da educação tem se constituído em um dos principais temas e desafios no debate contemporâneo sobre formação docente colocando a prática de ensino e o estágio curricular como componentes curriculares importantes no norteamento do processo de formação e não só no final do curso, como era feito anteriormente às diretrizes curriculares.
Nesta perspectiva, a prática educativa deixa de ser entendida como um momento pontual e final do processo formativo, traduzida basicamente como atividade de estágio. Ao contrário, essa prática passa ser pensada como um espaço de formação acadêmica e científica ao longo do curso, o que tem se constituído um desafio para os professores formadores de professores.
O itinerário da política educacional sob a ótica do Estado brasileiro aqui apresentado encontra sua culminância na agenda liberal global propagada no ínicio dos anos 1980/1990. Busca-se um Estado Mínimo que, para Frigotto (1998), é o Estado suficiente e necessário unicamente para interesses da reprodução do capital.
No Brasil, tal conjuntura é marcada pela minimização do papel do Estado para com as políticas sociais e a ampliação do Estado para atender o mercado, maximizando o capital. Ao configurar-se como o padrão-ouro para as políticas educacionais a ponto de insituir uma “agenda econômica para a Educação”, tem estimulado a competitividade entre sistemas educacionais com foco no desempenho dos alunos e na responsabilização das escolas, associada à qualificação dos professores.
Esse contexto nos coloca tensões e dilemas: se, por um lado, há que se concentrar na reducão do insucesso escolar, na promoção do acesso, na manutenção da permanência e na formação para a cidadania e para o exercício pleno dos direitos e deveres sociais, por outro, há a pressão pela diminuição dos custos com a provisão dos serviços educacionais e pela valorização dos recursos humanos e materiais, com vistas a formar capital humano para o mercado de trabalho a fim de elevar os índices de crescimento e desenvolvimento econômico. Esse é o impasse que a educação e a escola do nosso tempo se encontram.
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1. Professor adjunto da Universidade Federal de Ouro Preto e do Programa de Pós Graduação em Educação. breynner@cead.ufop.br
2. Vários outros economistas, dentre eles Adam Smith, já haviam abordado o tema, mas cabe a T. Schultz o desenvolvimento formal do assunto.
3. Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Cecília Meireles, Sampaio Dória, dentre outros.
4. A organização escolar refere-se às condições objetivas sob as quais o ensino está estruturado. Das competências administrativas de cada órgão do poder público ao currículo que se pratica em sala de aula, passando pelas metodologias de ensino e processos de avaliação adotados, tudo seria matéria da organização escolar. (OLIVEIRA, 2007, p.107)
5. A organização do trabalho escolar deve ser compreendida como um conceito econômico que se refere à divisão do trabalho na escola. Assim, a organização do trabalho escolar refere-se à forma como as atividades estão discriminadas, como os tempos estão divididos, à distribuição das tarefas e competências, as relações de hierarquia que refletem relações de poder, entre outras características inerentes à forma como o trabalho deve ser compreendida à luz das teorias econômicas. (OLIVEIRA, 2007, p. 107).
6. O PDET é fruto de encaminhamentos e metas traçados na Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtien – Tailândia, em 1990, a qual foi promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD) e Banco Mundial (BM), sendo o Brasil um dos signatários dos compromissos ali firmados. A fim de cumprir as orientações definidas na referida Conferência, o Brasil elaborou seu Plano Decenal de Educação, o qual foi produzido em 1993.