Vol. 38 (Nº 06) Año 2017. Pág. 22
Tamiris Vitorino da COSTA 1; Henrique Guilherme SCATOLIN 2
Recibido: 28/08/16 • Aprobado: 16/09/2016
RESUMO: Atualmente o trabalho é fator constitutivo da identidade do sujeito e que o inclui/exclui das relações sociais, o que configura a importância de sua inserção no meio laboral, e, com isso, a necessidade de um trabalho que faça sentido, considerando as exigências atuais exercidas sobre o trabalhador e o tempo que este dedica ao trabalho. Esse quadro pode ser vivenciado pelo viés do prazer ou desprazer, a depender da história de vida do sujeito e da estrutura organizacional que está inserido. Nota-se que são diversas as situações que podem levar o trabalhador a sentir-se emocionalmente esgotado, a sentir dores físicas e musculares, propenso ao estresse, entre outras patologias que estão ligadas ao âmbito de trabalho, levando o sujeito ao adoecimento. Contudo, muitas empresas não se preocupam com a saúde e bem-estar dos trabalhadores, apontando para a necessidade de humanização dentro destas, que assumem caráter perverso. A partir desse cenário, o presente estudo tem como questão disparadora: por quais motivos as empresas não se preocupam com a saúde mental do trabalhador e qual o entendimento que têm a respeito desse conceito? Tal questão será discutida nesta pesquisa através de uma revisão bibliográfica, tomando como base os pressupostos da Psicanálise e Psicologia Social, a fim de refletir sobre essa questão, uma vez que o trabalho e as relações que o perpassam podem concretizar-se como fator potencial para a saúde e bem-estar ou, pelo contrário, levar ao adoecimento físico e psicológico do trabalhador. Frente esse cenário, conclui-se que é fundamental continuarmos investindo na área da saúde e em formatos organizacionais que estejam alinhados a essas necessidades, apostando em ações saudáveis ao trabalhador, auxiliando o sujeito no desenvolvimento de suas potencialidades e de um papel mais ativo dentro deste âmbito. |
ABSTRACT: Currently, working is a constitutive factor of the identity of the subject and that includes/excludes social relations, which sets the importance of their inclusion in the workplace, and with it, the need for a job that makes sense, considering the current requirements exerted on the worker and the time he/she devotes to work. This frame can be experienced the perspective of pleasure or displeasure, depending on the life history of the subject and the organizational structure that he/she is inserted. Note that there are various situations in this context that can lead workers to feel emotionally exhausted, feeling physical and muscle pain, prone to stress, among others pathologies that are related to the scope of work, leading the subject to illness. However, note that many companies do not care about the health and welfare of workers, pointing to the need for humanization within those who take perverse character. From this scenario, the present study has the triggering question: for what reasons companies do not care about the mental health of workers and what knowledge do they have about this concept? This issue will be discussed in this research through a literature review, based on the assumptions of psychoanalysis and social psychology in order to reflect on this question, since the work and relationships that pervade can be achieved as a potential factor for health and well-being or, on the contrary, lead to physical and psychological illness of the employee. Facing this scenario, it is concluded that it is essential to continue investing in health and organizational formats that are aligned to these needs, investing in sound investments to the worker, helping the individual to develop their potential and a more active role in this context. |
Atualmente o trabalho é constitutivo da identidade do sujeito e, sendo assim, entendemos a importância da inserção do indivíduo no meio laboral e a necessidade/importância de um trabalho que lhe faça sentido, uma vez que é exigido do trabalhador não somente o envolvimento com o trabalho, mas também se espera que possua características valorizadas na atualidade como a autonomia, capacidade de propor soluções, resolver problemas, polivalência, autogerenciamento, foco, disponibilidade, disciplina, entre outras.
Tal quadro pode ser vivenciado pelo trabalhador pelo viés de prazer, uma vez que o colaborador se identifica com esse papel e com o trabalho exercido, além de se manifestar em formas de enfrentamento e expressão, ou pelo viés do sofrimento, que emerge no homem oriundo igualmente das vivências deste com o trabalho, porém a partir de relações conflituosas, conforme discutido por Dejours (1994), concretizando assim as relações de prazer/desprazer do homem no contexto laboral.
São diversas as situações que levam o trabalhador a sentir-se emocionalmente esgotado, a ter dores físicas e musculares, propenso ao estresse, ansiedade, e outras patologias que estão ligadas a este meio, levando o sujeito ao adoecimento, o que prejudica não somente sua atuação nas organizações, mas também na vida social e cotidiana. Esse adoecimento pode estar ligado à carga de trabalho, definida por Grego et. al. (1996, p.61), citado por Cruz (2002, p. 186), como as “exigências ou demandas psicobiológicas do processo de trabalho, gerando, ao longo do tempo, as particularidades do desgaste do trabalhador”, apresentando-se como “mediações entre o processo de trabalho e o desgaste psicológico” (Id. Ibid., p. 186), provindas de aspectos que são fontes de estresse para o mesmo. Desta forma, é fundamental um olhar para a relação homem - trabalho, apontando para a negligência existente das empresas sobre a saúde e o bem-estar do trabalhador, assim como a necessidade da humanização dentro das organizações.
A partir das considerações acima, o presente estudo se propõe a discorrer sobre a seguinte problemática: por quais motivos as empresas não se preocupam com a saúde mental do trabalhador e qual o entendimento que têm a respeito desse conceito? Como questões secundárias, ainda, podemos transitar pelas seguintes questões: por que, ainda hoje, os trabalhadores continuam adoecendo, e desde quando se percebe a docilização do corpo para atingir objetivos empresariais e como isso pode levar (ou agravar) um adoecimento?
Diante da problemática apresentada, essa pesquisa, a partir de uma revisão bibliográfica e utilizando-se do arcabouço teórico da Psicanálise e Psicologia Social, tem por objetivo suscitar reflexões a respeito da saúde mental dentro das organizações e a falta de cuidado sobre essa questão, considerando o caráter perverso da última (organização), que, segundo Gonzaga Junior (2008), ao mesmo tempo em que oportuniza participação, inovação, iniciativa, também obriga o trabalhador a conformar-se com suas regras e normas, o doutrinando para atingir os objetivos empresariais.
A partir do que foi apresentado até o momento, entende-se que o trabalho no contexto desse estudo vai além da dimensão objetiva, mas é atravessado, como ensina Clot (2006), pelo trabalhador que o executa e que o desenvolve, sendo necessária a escuta dos trabalhadores para a compreensão da atividade, bem como do prazer ou sofrimento laboral. O trabalho, portanto, será compreendido a partir das relações que se estabelecem desde o momento de concebê-lo até o momento em que é apropriado e incorporado pelo homem, que está incluso em uma organização com normas e regras específicas, podendo concretizar-se como fator potencial para a saúde e bem-estar ou, pelo contrário, levar ao adoecimento físico e psicológico do trabalhador.
O trabalho apresenta-se como meio de inclusão ou exclusão do sujeito na sociedade, seja pela sua inserção no meio laboral, por um lado, onde é reconhecido no papel de trabalhador e contribuinte, seja por sua exclusão dos meios formais de trabalho, por outro, o que faz com que não seja valorizado dentro do sistema capitalista vigente, levando o indivíduo a aceitar condições precárias de trabalho ou a um emprego que não lhe faça sentido. Nas palavras de Jacques (2007, p. 99):
A coerção exercida sobre os trabalhadores no interior das empresas também se expressa fora delas, pelos organismos sociais institucionalizados, através de um controle social que marginaliza os desempregados, os precariamente empregados, os incapacitados, os excluídos da chamada classe produtiva, subjugando-os a condições de trabalho mesmo com agravos a sua saúde.
Sendo assim, conforme nos ensina a mesma autora (2003), percebe-se o progressivo interesse de pesquisadores pela área de saúde mental do trabalhador, tendo em vista sua relevância e impacto na vida subjetiva e social do indivíduo. Esse interesse também é, “em parte, consequência do número crescente de transtornos mentais e do comportamento associados ao trabalho que se constata nas estatísticas oficiais e não oficiais” (JACQUES, 2003, p.98), não podendo, desta forma, serem ignoradas as condições de trabalho que podem trazer prejuízos a vida do sujeito. Em dados obtidos através do Ministério do Trabalho e Previdência Social (2016), comprova-se que o número de afastamentos provenientes de acidentes e de doenças relacionadas ao trabalho vem aumentando. Sabe-se que desde 2010 registra-se no Brasil em média 700 mil acidentes, sendo que, “em 2014 - último dado disponível - foram 704,1 mil, sendo 2.783 mil óbitos e 251,5 mil afastamentos por mais de 15 dias” (s/p). Ressalta-se que além de trazer perdas irrecuperáveis, tais acidentes e doenças traduzem danos ao trabalhador e sua capacidade produtiva. Em relação às doenças ocupacionais, em específico, obteve-se em levantamento que “os transtornos mentais, doenças no sistema nervoso ou doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo são responsáveis pelo afastamento de 78% das mulheres que receberam o Auxílio-Doença Acidentário” (s/p), o que reforça a ideia de devemos estar atentos às condições de trabalho oferecidas ao trabalhador.
Ainda conforme nos ensina Jacques (2007, p. 99), a partir dos conceitos de Dejours (1986), as repercussões do processo de trabalho na vida do sujeito e dos coletivos podem ser derivadas tanto das condições de trabalho, no que tange as condições físicas/ambientais, químicas e biológicas, quanto da organização do trabalho, tais como o ritmo, corpo e estilo gerencial, modelos hierárquicos, controle, divisão das tarefas, entre outros. Desta forma, o entendimento a respeito da organização deve sempre considerar sua abrangência, a fim de pensar ações que atendam as necessidades do trabalhador.
Mesmo com os índices atuais destacando a necessidade de investir em estratégias de saúde mental dentro das organizações, poucas são as empresas que parecem se preocupar com o sujeito inserido neste âmbito e os impactos que o contexto laboral geram em sua vida (JACQUES, 2003).
Tal problemática será discutida ao decorrer deste artigo com apoio no conceito de corpo dócil, de Foucault (2005), a fim de ser pensada a docilização do corpo na sociedade e, consequentemente, no trabalho, a fim de discorrer sobre o sofrimento apresentado e trazer respaldos para pensarmos por quais razões as empresas não colocam como prioridade a saúde do sujeito.
Para atingir o objetivo proposto, foi utilizada como paralelo na discussão desta pesquisa a “Fordlândia” [3], a partir dos relatos de Grandin (2010), tendo em vista os impactos causados aos trabalhadores inseridos neste contexto. Além disso, segundo ensina Pereira (2008, p.1), tal alusão “registra experiência pioneira de cidade-empresa associada ao modo fordista de organização do trabalho, da produção e da concorrência”, que ainda tem reflexos evidentes nas organizações atuais, tal como no consumo em massa que está adentrando em declínio com a crise econômica.
A análise será feita a partir dos resultados deste trabalho, pautando-se nos pressupostos de Clot (2006), Dejours (1994), Furtado (2014), Focault (2005), Freud (1905; 1921; 1930), Jung (2009), Senge (1990), entre outros autores que nos ajudam a discorrer sobre esta temática.
Tendo em vista os objetivos desta pesquisa, ou seja, discorrer sobre a saúde mental do trabalhador com vista do adoecimento que pode ser gerado ou agravado a depender da estrutura organizacional em que o mesmo está inserido, o método de pesquisa utilizado consistiu em uma discussão teórico-conceitual, a partir de uma revisão bibliográfica, uma vez que permite apresentar diferentes entendimentos sobre a questão.
Destarte, compreendemos que é a partir da contribuição de alguns autores que discutem sobre a temática que se pode chegar a novas compreensões do fenômeno (saúde mental no trabalho), não esgotando o assunto e, sim, oportunizando outros entendimentos sobre as problemáticas identificadas. Sobre a revisão bibliográfica, Azevedo (1999) ensina:
(...) a revisão bibliográfica (ou revisão de literatura) visa, por meio de uma compilação crítica e retrospectiva de várias obras, demonstrar o estágio atual da pesquisa em torno de determinado objeto. Não se trata de um texto original. Antes, é um trabalho comparativo que permite ao autor avançar em relação ao seu tema e criticar o tratamento dados pelos autores ao assunto pesquisado (AZEVEDO, 1999, p. 36).
Vale ressaltar que se trata de um delineamento qualitativo, o qual, conforme ensinam Victora, Knauth e Hassen (2000), não é útil para mensurar e medir fenômenos a partir das relações entre causa e efeito, mas sim entender contextos, observar elementos e conhecer um ou mais eventos de maneira aprofundada. Nas ciências sociais, segundo Minayo (2003), entendemos que a pesquisa qualitativa se interessa por um nível de realidade que não é meramente quantificável e, desta forma, trabalha com significados, crenças, atitudes, motivos e valores, com processos que “não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2003, p. 22).
Desta maneira, a presente pesquisa, tratando-se da reflexão sobre as relações de saúde/doença do sujeito dentro do contexto organizacional e suas ramificações, acaba por permitir diferentes leituras do fenômeno, sendo a revisão bibliográfica pertinente para esses fins.
Segundo Jacques (2007), as repercussões do trabalho na vida do sujeito podem ser providas, conforme já discutido na fundamentação teórica deste artigo, tanto das condições de trabalho quanto da organização do trabalho, conceitos trabalhados por Dejours (1994), possibilitando assim uma visão abrangente sobre as diversas razões que podem impactar na saúde do trabalhador. Além disso, segundo a autora, devemos considerar o histórico de vida pessoal do trabalhador e suas articulações com o coletivo, a fim de compreender condutas singulares e os sofrimentos vivenciados, que se expressam nas formas de pensar e agir de cada indivíduo.
Nessa perspectiva, é importante ressaltar que o trabalho é entendido nesta pesquisa com apoio nas ideias de Clot (2006), que discorre sobre sua função indispensável para o desenvolvimento do sujeito e da sociedade, uma vez que “(...) o trabalho é ação e possui uma função psicológica precisamente porque põe o sujeito à prova de suas obrigações práticas e vitais com relação aos outros e com relação ao mundo” (CLOT, 2006, p.201). Sendo assim, embora essa pesquisa se ocupe em problematizar o adoecimento do sujeito frente às relações estabelecidas no âmbito organizacional, entenderemos igualmente que estas podem, em contrapartida, fortalecer a saúde do sujeito, uma vez que o trabalho apenas “renuncia sua função psicológica quando suas regras são “perdidas” ou confundidas com simples regulamentações" (CLOT, 2006, p.201).
Aproveitando a discussão, cabe retomar a origem da palavra trabalho que, na língua portuguesa, se origina da palavra “tripalium” (latim), um instrumento de tortura com de três (tri) pontas, de madeira (palum), utilizado antigamente. Como nos ensina Albornoz:
A palavra trabalho se origina do latim tripalium, [...] Tripalium era um instrumento feito de três paus aguçados, algumas vezes ainda munidos de pontas de ferro [...] tripalium apenas como instrumento de tortura [...]. A tripalium se liga ao verbo do latim vulgar, que significa justamente torturar (ALBORNOZ, 1986, p. 10).
A palavra “trabalho” foi derivada e assimilada a um instrumento de tortura possivelmente por razões históricas, tendo em vista que, na Grécia Antiga, o trabalho não era honroso ao homem, pois quem trabalhava não tinha tempo dedicado para a filosofia, lazer, e até mesmo ao ópio, sendo motivo de vergonha e, por isso, designado e desenvolvido por escravos e sujeitos não-cidadãos (BATISTTI e BAVARESCO, 2010).
Mas embora o trabalho carregue consigo forte conotação negativa em sua etimologia, este é necessário para a construção e evolução de uma dada civilização, não somente em termos de desenvolvimento material, mas, além disso, segundo nos ensina Drago (1992, p. 60) com apoio nas ideias de Marcuse e Freud, este permite, devido sua estrutura, a formação da organização psíquica do sujeito que ocorre “pela substituição gradativa do princípio do prazer pelo princípio de realidade”. O autor retoma conceitos de Freud (1913) ao defender que “a história do homem é a história de sua repressão”, sendo que “a cultura coage o ser humano, mas é a condição do seu progresso”, ou seja, é no processo do sujeito abdicar de suas pulsões que é possível organizar-se e conviver em civilização, não somente aceitando essas condições em prol da sociedade, mas auxiliando em seu progresso (DRAGO, 1992, p.60).
Sendo assim, observamos o papel que as organizações e o trabalho possuem atualmente em termos coletivos do ponto de vista do processo de construção da cultura e dos bens que nos beneficiamos na atualidade, assim como são fundamentais para a estruturação da vida psíquica do sujeito, uma vez que, segundo Clot (2006), trata-se, igualmente, de um espaço essencial para a construção da identidade e da saúde, pois é onde “(...) se desenrola para o sujeito a experiência dolorosa e decisiva do real, entendido como aquilo que – na organização do trabalho e na tarefa – resiste à sua capacidade, às suas competências, ao seu controle” (Id. Ibid., 2006, p. 59).
Para colaborar com essa discussão, utilizaremos o conceito de sublimação, presente em toda a obra de Freud, que, embora tenha sofrido modificações conceituais, é importante para entendermos os movimentos do sujeito, pois se trata de um investimento protetor do ego na medida em que direciona a libido para outros objetos a fim de saná-las de maneira adequada juntamente com outros mecanismos psíquicos (como a idealização, por exemplo), sendo o processo sublimatório de ordem criativa, se afirmando “como processo psíquico fundamental para a produção de cultura, ligada à realização de atividades como a arte, a religião, a ciência – e também o trabalho” (MARTINS e GARCIA, 2011, p.89). No que tange ao caráter protetivo do processo sublimatório, nas palavras de Martins e Garcia (2011, p.89):
No que se refere ao aspecto de proteção, destacamos duas vertentes. Por um lado, ao reorientar os objetivos da natureza sexual da pulsão para outros, afastados do campo da sexualidade estrita, reconhecidos e valorizados socialmente, a sublimação se afirma como uma forma de proteção contra o caráter excessivo que pode adquirir a esfera sexual. Neste sentido, satisfação sexual no sentido estrito e sublimação funcionam de maneira complementar do ponto de vista do indivíduo. Por outro lado, a própria produção cultural viabilizada pela atividade sublimatória também se apresenta como uma forma de proteção psíquica, uma vez que, em última análise, representa uma resposta frente ao desamparo.
Além disso, podemos compreender que a sublimação no trabalho é importante e necessária, tendo em vista os aspectos comentados. Contudo, podemos nos questionar sobre o elemento protetivo da sublimação nas atuais condições de trabalho, uma vez que, como problematizam Martins e Garcia (2011), esse processo em esfera coletiva é observado quando o trabalho oportuniza avanços e contribui para o desenvolvimento individual e social na realização de atividades valorizadas e que contribuem para a vida coletiva, entretanto, em outras circunstâncias, o mesmo perde seu caráter de proteção. Nas palavras das autoras:
Ao contrário, estando imerso nos desígnios da racionalidade econômica, o trabalho hoje se sustenta em princípios tais como o curto prazo para a realização das tarefas, vinculação a projetos efêmeros e transitórios, valorização da completa autonomia, incentivo à intensa produtividade e o pertencimento a um contexto marcado pela indiferença em relação aos indivíduos que se apresenta como impessoalidade. Esses fatores se refletem na experiência subjetiva dos trabalhadores, como acentuados sentimentos de vulnerabilidade e fragilidade (MARTINS E GARCIA, 2011, p. 92).
Ainda segundo a linha de raciocínio de Martins e Garcia (2011), a organização de trabalho atual, portanto, em alicerce com os fins produtivos esperados, apresenta características que, em contrapartida ao que se espera em termos de proteção psíquica, podem oferecer riscos e provocar sofrimento ao trabalhador. Desta maneira, pode apresentar-se como ameaça psíquica na medida em que o sujeito não encontra satisfação no trabalho, uma vez que está inserido no contexto laboral diante da ameaça do desemprego, sendo desvalorizado enquanto indivíduo dentro de uma cultura que estimula a competitividade, a exigência de maiores lucros e desempenho por parte do quadro de funcionários, sem autolimitação.
Considerando este cenário, as autoras acima sugerem a ideia de que a sublimação não seria o mecanismo utilizado, e sim a idealização, que também é útil na produção da cultura, se caracterizando “pela ausência de uma função protetora e por sua natureza sexual, que permanece apenas inibida”, onde, em última instância, apresenta-se também como proteção ao desamparo (MARTINS e GARCIA, 2011, p. 95). A idealização seria o mecanismo eleito, uma vez que existe a supervalorização das atividades e da inserção empresarial, onde o sistema de flexibilização contribui para a submissão dos colaboradores de forma acrítica. Nesse movimento, os trabalhadores podem vir a apresentar ideias inalcançáveis que se busca atingir, justificando sua continuidade no ambiente, mesmo que nocivo, onde os sujeitos são “submetidos e imobilizados frente a ideais de perfeição e realização profissional que se colocam cada vez mais distantes e que, paradoxalmente – ou por isso mesmo -, se tornam fascinantes” (Id.Ibid, p. 95).
Vale ressaltar que todo este panorama é fomentado pela cultura, com reflexos nas concepções individuais e empresarias, ou seja, entendemos que tanto a sociedade quanto as organizações assumem postura perversa em relação ao sujeito (o que será aqui problematizado), embora o mesmo necessite da repressão de suas pulsões e desejos em prol da vida em coletividade, conforme já discutido. Ressalta-se que devemos compreender que as pulsões de vida movem o sujeito em busca de suas idealizações, o que ocorre também no seio organizacional, sendo devido esse investimento.
Em relação a questão acima apresentada, entendemos que muitas empresas assumem caráter perverso, na medida em que apresentam riscos à saúde física e psicológica ao trabalhador, uma vez que objetivo principal se trata tão somente de atingir os objetivos empresariais. Como nos ensina Lorentz, Lima e Maestro Filho (2011), um movimento perverso é todo aquele que desconsidera o outro em sua condição humana, apresentando-se através de um conjunto de violências repetitivas e nocivas ao trabalhador, como “palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade e à integridade (...) de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho” (LORENTZ, LIMA e MAESTRO FILHO, 2011, p. 3). Esse movimento pode ser encontrado dentro da organização em sua cultura (cultura organizacional), ou seja, as normas e valores que regem e fomentam as relações vivenciadas, como entre relações de chefia e subordinação, ou até mesmo dos clientes em relação aos fornecedores.
Podemos observar a perversidade nas organizações em sua estrutura, quando, conforme nos ensina Gonzaga Junior (2008), ao mesmo tempo em que oportuniza participação, inovação, iniciativa, também obriga o trabalhador a conformar-se com suas regras e normas, o doutrinando para atingir os objetivos empresariais. Ainda, na medida em que as grandes organizações permitem o progresso tecnológico da sociedade, estimulando relações pautadas em dinheiro e mercadoria, criam-se indivíduos que se colocam em uma posição perversa, lugar esse que satisfaz suas pulsões, desejos e narcisismo, muitas vezes no seio organizacional, se refletindo em casos de assédio moral, por exemplo.
Sobre esse assunto, Lorentz, Lima e Maestro Filho (2011) discutem o fato de que a exaustão, quando repetitivamente incentivada pela empresa através de horas extras excessivas ou outras ações que não caracterizam por si só um assédio, quando incorporadas à cultura organizacional assumem características do assédio moral, ou seja, é válido considerarmos e avaliarmos esses movimentos como igualmente prejudiciais e nocivos à saúde e bem-estar do indivíduo, não podendo ser ignoradas.
Diante desse quadro, podemos refletir sobre o que leva o trabalhador a se sujeitar a condições precárias de trabalho, que se agravam com as formas de controle e coerção excessivas, para que as organizações atinjam os seus objetivos. Para isso, recorreremos ao conceito de Corpos Dóceis de Foucault (1987), no sentido de que o corpo dócil é manipulado, dividido, investigado, treinado, disciplinado, e que obedece sendo hábil, com forças coletivas de trabalho. A estratégia de disciplina do corpo não se encontra somente no meio de trabalho como nas fábricas, mas em demais instituições, como escolas, quartéis, conventos etc., quando o sujeito se adapta, ou em presídios, manicômios, e outros, quando não há adaptação social. Foucault (1987) parte do princípio de que existe um arranjo social que corrobora para essa formatação e que, evidentemente, tem fortes reflexos nas organizações.
Sendo assim, o corpo dócil será pensado como conceito indispensável nesta pesquisa, considerando que a docilização do corpo permite que o sujeito e grandes coletivos se manifestem de forma passiva, contribuindo em larga escala para a manutenção do sistema capitalista e da lucratividade. Para tanto, é de fundamental importância entendermos que o corpo foi alvo de punições físicas ao longo da história, sendo que essas punições cessaram gradativamente na medida em que o corpo passou a ser útil para determinados fins.
Nas palavras de Foucault (1987, p. 110) é a “(...) noção de “docilidade” que une o corpo analisável e o corpo manipulável. É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”, onde “a disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)”, tal como vemos no desenvolvimento pessoal dentro das organizações (Id. Ibid. p. 110).
Como formas de manipulação e controle (tempo, espaço) das empresas para esses fins, Foucault (1987, p. 125) pontua que:
(...) é possível realizar uma vigilância ao mesmo tempo geral e individual; constatar a presença, a aplicação do operário; a quantidade do seu trabalho; comparar os operários entre si; classificá-los segundo sua habilidade e rapidez; acompanhar os sucessivos estágios da fabricação.
Ainda nas palavras do autor (1987, p. 125):
(...) a produção se divide e o processo de trabalho se articula por um lado segundo suas fases, estágios ou operações elementares, e por outro, segundo os indivíduos que a ele são aplicados: cada variável dessa força – vigor, rapidez, habilidade, constância – pode ser observada, portanto caracterizada, apreciada, contabilizada e transmitida a quem é o agente particular dela.
Seguindo a linha de raciocínio de Foucault (1987), podemos pensar sobre as formas de disciplina do corpo que foram desenvolvidas a partir do século XX, tendo em vista sua utilidade indispensável ao cenário econômico firmado, que são identificadas até hoje nas formatações industriais e maneiras cada vez mais sutis de exercer controle sobre o trabalhador, seja pelo acompanhamento rigoroso de suas atividades, pelo controle do tempo, aproveitamento dos grupos em prol de maior produtividade e lucratividade, ou outras formas de expressão da disciplina, dentro e fora da organização.
Neste contexto, podemos recorrer a Jung, que traz elementos importantes para refletirmos sobre as particularidades do sujeito e a importância da criação de símbolos em seu dia-a-dia, sendo os símbolos formas inconscientes coletivas de se expressar, necessárias ao homem, e que muitas vezes não são desenvolvidas e transpassadas nas organizações devido a rigorosidade de sua cultura e métodos perversos de disciplina. Assim, devido a cultura perversa, os mecanismos de simbolizações ficam comprometidas no contexto organizacional.
Ao se pensar a aplicação da teoria Junguiana nas organizações, Benazzi e Bonfantti (2014) nos ensinam que a empresa deveria se utilizar da tipologia de Jung em processos que estão presentes tanto no recrutamento e seleção de profissionais, quanto no desenvolvimento destes, onde a empresa teria a função de auxiliar no processo de individuação, que “se traduz em um movimento contínuo de integração de conteúdos conscientes e inconscientes da psique, conduzindo a um desenvolvimento psicológico em que o indivíduo se torna único, indivisível” (BENAZZI E BONFANTTI, 2014, p.30).
Para elucidar melhor a teoria do autor a respeito do sujeito e o processo de individuação, entendemos que o sistema junguiano “apresenta três divisões básicas: o foco da atenção individual ou atitude, a maneira como a pessoa recebe informações do mundo e a maneira como processa essas informações” (ZACHARIAS, 2006, p. 20 citado por BENAZZI E BONFANTTI, 2014, p. 29).
A atitude está ligada aos mecanismos de introversão e extroversão, tida como as formas que o sujeito se relaciona com o objeto e quais forças dominantes que operam suas ações. Jung (2009, p. 319) ensina que a atitude extrovertida é identificada e caracterizada pela predominância do objeto nas ações do sujeito, pois quando “alguém pensa, sente e age imediatamente às condições objetivas e de suas exigências, tanto no bom quanto no mau sentido, então se fala de uma atitude extrovertida”. Assim, o objeto se sobrepõe a opinião subjetiva do indivíduo, o que não significa que ele não tenha ou forme opiniões, “mas sua força dominante é menor do que a das condições objetivas externas”, ou seja, a energia psíquica é voltada para o exterior (JUNG, 2009, p. 319). Já o tipo introvertido “se diferencia do extrovertido por não orientar-se principalmente pelo objeto e pelo dado objetivo, mas por fatores subjetivos” (energia psíquica voltada para o interior), a consciência, neste caso, vê e recebe as informações externas e do objeto, mas suas decisões (do sujeito) são tomadas pelas determinantes subjetivas, a partir do que o mundo representa para si e como tal objeto agregará valor para o eu (Id. Ibid., p. 359).
Ambas atitudes correm riscos, no caso, a extrovertida em perder-se completamente no objeto, não havendo investimento no eu, e também no déficit em planejar o futuro, tendo em vista que esse tipo vive mais o momento presente, pois está constantemente lidando com o objeto. Caso perca-se no objeto, para Jung (2009, p. 321), “as perturbações corporais que daí se originam, sejam funcionais (nervosas) ou reais, têm um significado de compensação, pois forçam o sujeito a um autofechamento involuntário”, onde “um homem que já não dá mais conta do serviço de sua empresa que se desenvolveu gigantescamente, graças ao empenho dele, poderá ser vítima de ataques nervosos de sede que, bem cedo, se transformarão em alcoolismo histérico”. Já na introversão, o risco é o contrário, uma vez que diferentemente do que ocorre na extroversão, “o objeto não recebe a importância que lhe seria devida. (...) Na medida em que a consciência do introvertido se subjetiva e atribui sua importância indevida, o objeto é colocado em posição tal que se torna insustentável com o tempo” (Id. Ibid., p. 358) e, desta forma, “uma análise pessoal relevará uma quantidade de fantasias de poder associadas ao medo de objetos fortemente animados, aos quais o introvertido facilmente sucumbe na realidade”, sendo esta compensação resultada pela relação precária estabelecida com o objeto (Id. Ibid., p. 359). Desta maneira, compreendemos que as atitudes extrovertida e introvertida se diferem na consciência e tem formas positivas de expressão, porém devem ser desenvolvidas a fim de não padecer desses riscos, sendo complementares e necessárias para o crescimento psicológico.
Já a forma de receber informações está ligada com a sensação (diz que algo existe) e a intuição (identifica formas e possibilidades de fazer esse algo). Via de regra, a sensação do extrovertido está ligada predominantemente ao objeto. Para Jung (2009, p. 345), na extroversão o “senso objetivo dos fatos é extraordinariamente desenvolvido. Acumula em sua vida experiências reais sobre objetos concretos e, quanto mais pronunciado seu tipo, menos uso faz da experiência”, e, ainda, tudo aquilo o que “sensualiza lhe serve (...) como condutor para novas sensações e tudo que se apresenta como novo círculo de seus interesses é conseguido por via da sensação e deve servir a este objetivo”. Ainda, a sensação se expressa na medida em que se realiza no âmbito da experiência (sensação objetiva), tendo em vista que os aspectos mais subjetivos são inibidos ou reprimidos (sensação subjetiva). Para Jung (2009, p. 373), na sensação o “introvertido se orienta pela intensidade da parcela subjetiva da sensação, suscitada pelo estímulo objetivo”. No caso da intuição, o autor considera se tratar de um tipo irracional, uma vez que “não escolhe sobretudo por julgamentos da razão, mas simplesmente se orienta pelo que acontece” (p. 373). A dificuldade de expressão no introvertido acaba por esconder também sua irracionalidade, contudo entendemos a possibilidade de desenvolvimento deste tipo psicológico. No que diz respeito a intuição, no caso do extrovertido, entendemos que este encontra forte dependência de situações externas/objetivas, se destacando nos locais onde encontra possibilidades, mas de forma limitada e possivelmente não duradoura, pois, enquanto houver possibilidade, o intuitivo se apropria disso, mesmo que muitas vezes seja uma situação contrária ao que acreditava anteriormente. Na introversão, a intuição opera a partir de objetos interiores e elementos inconscientes (realidade psíquica). Diferentemente da extroversão, que reprime ao máximo aspectos subjetivos, na introversão a intuição é de importância capital, expressando-se no agir do sujeito, mesmo que não consiga estabelecer conexão direta do fenômeno consigo mesmo. Assim, se guia não necessariamente pelas oportunidades, “mas pelos possíveis efeitos morais que provêm do significado de seu conteúdo”, que corresponderá ou não com sua visão sobre o mundo e as coisas (JUNG, 2009, p. 379). A intuição é, portanto, a capacidade de identificar oportunidades e projetá-las. Por se tratar de percepção, é sempre irracional, e como se baseia em processos inconscientes, entendemos que se encontra mais próxima da sombra, pois encontra possibilidades advindas do inconsciente coletivo.
E, finalmente, o processamento de informações e julgamento estão ligados ao pensamento (do que se trata o objeto) e sentimento (dá valor a essa experiência). O pensamento no extrovertido se “orienta pelo objeto e pelos dados objetivos”, tendo influência de fatores subjetivos e, em última análise, de fontes inconscientes, e também de dados objetivos (do objeto) que são transmitidos por percepções sensíveis (JUNG, 2009, p.327). O julgamento provém de fora, a partir de realidades concretas e de novas idéias adquiridas pela experiência. Na introversão o movimento do pensamento se afasta do objeto, podendo o julgamento negar o sentimento, tendo em vista que o objeto é colocado como inferior às questões subjetivas. Já no que tange ao sentimento, o extrovertido se orienta pelo dado objetivo, sendo o objeto determinante na forma de sentir do sujeito. Em contrapartida, o sentimento introvertido, conforme já exposto acima, tende a negar o objeto e a rebaixá-lo, trazendo consigo aspecto negativo, tendo pouca influência no sentir, que se deve mais a questões íntimas e de julgamento do eu, sendo necessário ao introvertido encontrar formas de expor seus sentimentos (exteriorizar sua riqueza) de forma compreensível ao outro, a fim de não tornar-se primitivo e egocêntrico.
Ainda na linha de raciocínio de Benazzi e Bonfantti (2014), entendemos que todos os mecanismos citados acima operam potencialmente em toda pessoa, apresentando-se no sujeito de maneiras distintas em decorrência adaptativa das funções que lhe são superiores (mais desenvolvidas pelo indivíduo), auxiliares (apoio à principal) e inferiores (menos diferenciadas e inconscientes, na grande maioria).
Desta forma, entendemos que todos possuem as quatro funções psicológicas (sentimento, pensamento, sensação e intuição), que se apresentam mais ou menos a depender de como o sujeito se comporta (e reprimi ou inibe inconsciente algum destes), diferenciando-se em sua atuação. Segundo Jung (2009), das quatro funções, uma delas é a mais desenvolvida, que se diferencia e que podemos manipular livremente, enquanto as outras três são inconscientes, total ou parcialmente. Caberia a empresa, juntamente com a equipe de Recursos Humanos, o trabalho de identificar essas funções e desenvolvê-las, trazendo assim a “realização de potencialidades que são inerentes à saúde humana e fundamentais para a saúde psicológica” (BENAZZI E BONFANTTI, 2014, p. 31), obstante seja um trabalho árduo e não somente de responsabilidade da organização, mas com potencial participação do sujeito nesse processo. Porém, ainda segundo Benazzi e Bonfantti (2014), o que vemos é a aplicação da tipologia Junguiana para enquadrar profissionais em cargos que utilizam mais suas funções superiores, levando o sujeito a não desenvolver as demais funções e que estão ligadas às profundezas do inconsciente, afastando-o, destarte, do processo de individuação, o que pode levar ao adoecimento psicológico.
Dentre os conceitos basilares de Jung, apresentados por Benazzi e Bonfantti (2014), podemos citar o Ego, sendo o centro da consciência e dos atos conscientes do sujeito; a persona/máscara, que está ligada ao papel social que o sujeito incorpora, ligada a adaptação e fundamental para ocultar o sofrimento da sombra; a Sombra, que possui conteúdos inconscientes ligados aos desejos obscuros, comumente não aceitos socialmente e que são contrários a Persona (máscara), tendo aspectos positivos e negativos na personalidade; e a Anima/Animus, que são aspectos fundamentais ao desenvolvimento do homem e mulher, respectivamente, pois equivalem ao psicológico feminino e masculino que devem ser trabalhados no indivíduo. O processo de individuação conta com a confrontação da sombra, o encontro com anima/animus, o enfrentamento da Persona e o desenvolvimento do Self, que se sobrepõem ao Ego, apresentando-se como totalidade, e é essa totalidade que acaba não ocorrendo com a alienação do colaborador, levando-o ao seu adoecimento e ao bloqueio da expansão dos seus modelos mentais.
Abordando sobre os Modelos Mentais, podemos recorrer a Senge (1990) em seu livro “A Quinta Disciplina”, onde discute sobre as organizações que aprendem, sendo necessária a integralidade das cinco disciplinas propostas em prol do conhecimento e aprendizagem em grupo. A respeito das cinco disciplinas de Senge (1990), estas são, a saber: Raciocínio Sistêmico (conseguir visualizar um quadro fragmentado de forma sistêmica, abrangente, como engrenagens que se juntam e funcionam a partir disso); Domínio Pessoal (desenvolvimento pessoal, psicológico e profissional, utilizando e aproveitando as forças individuais e aplicando-as em áreas de maior interesse individual e coletivo, bem como objetivos pessoais); Modelos Mentais (colocar em prática ações que sugiram tomadas de decisões e que vão de encontro com paradigmas, ideias, entre outros, a fim de quebrar paradigmas e desenvolver o sujeito); Objetivo Comum (criação de uma identidade a respeito de um objetivo comum a todos, de força maior, para o futuro da organização que se sentem parte, incentivo a busca de interesses para crescimento); e Aprendizado em Grupo (equipes que realmente se desenvolvem operam muito bem, apresentam bons resultados o que aponta para necessidade desse investimento).
A respeito da teoria dos Modelos Mentais citada acima, Uribe (2001) discute que estes são, portanto, formas que o sujeito se apresenta ao mundo e a maneira como recebe e entende informações, partindo de crenças e valores já arraigados na personalidade. Senge (1990) ensina que o sujeito deve ser confrontado com situações e simular possibilidades diversas para elas, a fim de romper com modelos mentais e se desenvolver em conjunto. Para isso, é necessário a visão compartilhada os trabalhadores e o pensamento sistêmico, sendo o último a ideia de que a organização é baseada em sistemas complexos que se unificam, apresentando-se como arquétipos sistêmicos. Pode-se entender que os Modelos Mentais são representados pela persona, conceito trabalhado por Jung, que oculta os elementos presentes na sombra e que devem ser confrontados. Além disso, entendemos que de nada adianta o pensamento sistêmico por si só sem o auxílio das demais disciplinas, o que poderia levar a ideias ou modelos mentais sem objetivos e difíceis de atingir. Podemos fazer um paralelo também com a forma de trabalhar os objetivos pessoais e investimento do colaborador na empresa por um objetivo comum e maior com a intuição, conceito de Jung (2009), uma vez que é irracional, mas que orienta o sujeito na identificação de oportunidades e o aproveitamento destas. Ainda, por tratarmos aqui de arquétipos sistêmicos, compreendemos que trabalhar o sujeito é colocá-lo em posição ativa, mas também de confrontá-lo, colocar em questão aquilo que acredita e, na confrontação da máscara, permitir o contato com elementos da sombra que podem ser desenvolvidos e/ou incorporados pelo trabalhador, auxiliando-o no processo de individuação e no desenvolvimento do seu potencial.
Porém, a docilização do corpo dentro e fora das organizações propicia ambiente inóspito e contrário ao que propõe as teorias de Jung e Senge, uma vez que o lucro é o objetivo primeiro destas, grande parte das vezes, levando a atitude de disciplinar o trabalhador a fim de atingir esses objetivos, explorando o máximo de suas potencialidades, sem desenvolver as demais complementares da psique.
A partir disso, a discussão trará a Fordlândia para exemplificar a insatisfação e adoecimento dos sujeitos dentro da cidade-empresa e as formas de contestar a cultura instaurada, propiciando reflexão sobre a docilização dos corpos e saúde mental no trabalho, de uma forma geral.
Considerando os conceitos trabalhados até o momento, esta discussão tem como paralelo a Fordlândia para problematizar a respeito do adoecimento do sujeito dentro do contexto organizacional, trazendo aspectos como formas de vigilância e controle, docilização do corpo do trabalhador, perversidade, adoecimento psíquico / surto, entre outros elementos que marcaram os sujeitos que fizeram parte desta experiência.
A Fordlândia [4] se trata de uma cidade-empresa projetada na Amazônia no ano de 1927 em torno das fábricas de Henry Ford para extração e abastecimento de látex com fins de produção de pneus, que alojava trabalhadores provedores de mão-de-obra barata, dispondo de uma dinâmica que facilitava e viabilizava a produção. No entendimento de Pereira (2008), a Fordlândia registra o processo de industrialização no Brasil, marcada pelos moldes fordistas de produção, organização do trabalho e concorrência. A autora interpreta o cotidiano dos trabalhadores, discorrendo sobre como as fábricas afetavam a vida dos seus habitantes:
O cotidiano das famílias era circunscrito ao mesmo tempo e ao ritmo do trabalho nas fábricas, às ofertas de mercadoria de consumo básico pelo armazém da fábrica, ao controle social direto e indiretamente, pelos agentes da fábrica. Como as vilas eram propriedade das fábricas, nelas se manifestavam a capacidade do capital de estender sua dominação para além do processo produtivo e de, eficazmente, regular, punir e vigiar ou, como afirma Giroletti (1991), de exercer os poderes de legislar, multar e policiar (PEREIRA, 2008, p. 6).
Sendo assim, podemos observar a docilização e o controle do corpo do sujeito, sendo demarcada não somente durante seu expediente de trabalho mas, sobretudo, também no dia-a-dia fora das organizações, que contava com a vigilância exercida pelos proprietários, com formas de disciplina recorrentes e, como destaca Pereira (2008), davam traços comuns a experiência dos trabalhadores. Tais estratégias se encontravam alicerçadas ao pensamento de que, disciplinando os trabalhadores, estes se encontrariam focados no trabalho e produziriam em maior escala, sendo este o objetivo da organização. Apoiando-se ainda no conceito de Corpos Dóceis de Foucault (1987), podemos pensar o quanto a vigilância do indivíduo e a disciplina do seu corpo o tornava útil para o sistema vigente, pois utilizava formas de controle internas e externas para doutriná-lo a seguir as normas e regras da Companhia, seja dentro ou fora do meio laboral, sem muitas vezes as contestar ou se opor a elas, uma vez que qualquer expressão de rebeldia estaria sujeita a punições que, com o tempo, foram naturalizadas.
A Fordlândia foi palco de condições precárias de trabalho, exploração e subordinação, embora a cidade apresentasse boa remuneração em relação ao que se encontrava na Amazônia e contasse com bom planejamento (dispunha de moradia, escolas, hospitais, entre outros), atraindo trabalhadores através da oferta de um “conjunto de bens e serviços como benefícios extras salariais” (RAZENTE, 2012, p.658). As casas dos operários eram diferentes as dos engenheiros e profissionais especializados (dispostas hierarquicamente), contudo a cidade, ao servir de habitação, condizia de maneira geral com os ideias de Ford de que “os trabalhadores produzem mais quando sem vícios morais e bem acolhidos em moradias higiênicas” (Id. Ibid., p. 662), além de serem arquitetadas com o objetivo de reproduzirem o estilo de vida e do homem americano (PEREIRA, 2008). Desta maneira, podemos pensar o quanto o investimento em estratégias de saúde não foram suficientes (neste caso), uma vez que o objetivo final se tratava da produção em massa e não do bem-estar do trabalhador, até mesmo por desconsiderar as formas de ser de cada morador da cidade (estilo de vida), obrigando-o a se comportar de maneira adequada para aqueles moldes, massificando a subjetividade, alicerçando a persona e alimentando a agressividade na sombra.
Seguindo a linha de raciocínio de Razente (2012), tal idealização de homem também podia ser observada no cotidiano e nas normas de convívio, como: estipular quantas pessoas moravam em cada casa; regras rígidas de saúde, o que incluía boa alimentação com ingredientes como aveia e/ou espinafre; proibição de ingerir bebidas alcoólicas; proibição de jogos; regras rígidas de controle e higiene; coletas de sangue para exames de doenças; ingestão de remédios para evitar doenças; entre outras que eram exigidas pelas Companhia Ford, ignorando a tradição e cultura do homem amazônico.
Algumas dessas ações podem ser vinculadas ao movimento de higiene mental, que, segundo nos ensina Albertini et. al. (2007), foi originado durante o processo de industrialização na Inglaterra, que teve como um dos efeitos o crescimento bruto da população urbana. Esse processo (higienização) teve direcionamento à população pobre, tendo em vista que as condições precárias em que viviam disseminava uma série de doenças, passando a ser um problema de saúde pública. O movimento teve duas marcas principais, a saber: da saúde, devido a dependência de políticas públicas; e da educação, destinada a aquisição do público alvo de comportamentos considerados higiênicos, ou seja, esse movimento estava presente desde as condições de saneamento básico até hábitos pessoais.
Além disso, “os fenômenos psíquicos e culturais explicavam-se, unicamente, pela hipótese de uma causalidade biológica que, por sua vez, justificava a intervenção médica em todos os níveis da sociedade”, fato que marcou as ações de higiene mental em todos os contextos da sociedade, incluindo as organizações (COSTA, 1980, citado por ALBERTINI et. al, p.396). Sendo assim, as medidas de saúde adotadas na Fordlândia se assimilam a este movimento, ao controlar determinados grupos e trazer consigo a pré-concepção de que agindo preventivamente em ações adaptativas, principalmente vinculadas ao âmbito da saúde e educação (aquisição de hábitos higiênicos) estas seriam, talvez, suficientes para evitar outros prejuízos e possíveis agravos à saúde.
O problema dessa visão, e isto não se aplica somente a Fordlândia, mas ainda observamos em nosso cenário atual de trabalho, é que o reducionismo aplicado a este pensamento impede a compreensão da saúde mental em sua abrangência, o que repercute em danos, uma vez que aplica medidas voltadas à saúde biológica, mas desconsidera outros fatores que levam ao adoecimento físico e psíquico do indivíduo.
Ainda a respeito da Fordlândia, como ensina Pereira (2008, p. 3), “especialmente, as experiências da cidade-empresa destacam os aspectos negativos no que se refere ao comando da empresa sobre os processos urbanos e à vida privada de seus empregados”, em contrapartida ao discurso empresarial, que destacava o progresso e desenvolvimento da cidade, sobressaindo a valorização do investimento realizado e desconsiderando a violência desse processo na vida subjetiva do indivíduo.
Tal experiência desencadeou na ausência de singularidade do sujeito, que se encontrava preso na rigidez das normas e regras que envolviam seu cotidiano, não permitindo formas de expressão e a construção de sentidos para a atividade exercida. Retomando as ideias de Clot (2006), é de fundamental importância que o trabalhador possa incorporar o trabalho e desenvolvê-lo, utilizando a criatividade para tal, o que somente é possível caso exista flexibilidade nos modos de produção existentes, o que viria de encontro com a saúde mental do indivíduo. No caso da Fordlândia, todavia, não se encontrava abertura para o investimento dos trabalhadores, restringindo a criação de comportamentos arquetípicos no ambiente de trabalho, desgastando-os fisicamente e psicologicamente, tendo em vista que até mesmo no dia-a-dia eram obrigados a seguir padrões rigorosos que não lhes eram próprios e que, assim, mascaravam sua identidade, bem como sufocavam formas singulares de expressão. Ainda, cabe ressaltar que tanto os moldes sociais ditados, quanto a cultura organizacional instaurada são de caráter perverso e que desconsideram a subjetividade do indivíduo, conforme discutido por Gonzaga Junior (2008), doutrinando-o para atingir objetivos empresariais.
Este cenário repercutiu em uma revolta pelos brasileiros em 1934, devido a imposição de padrões culturais diferentes aos trabalhadores ignorando sua própria cultura, desdobrando-se em atitudes agressivas como a destruição da empresa, como relógio-ponto, serraria, garagem etc, saqueamentos e incêndios. O grau de insatisfação era tamanho que a revolta iniciou-se, segundo aponta Razente (2012), devido a mudança no refeitório, onde os funcionários não mais seriam servidos, e sim deveria comer no formato self service, tão conhecido atualmente, porém que não fazia parte dos costumes da época. Nas palavras de Moog (1974):
De repente, no meio idílio, o primeiro imprevisto. O caboclo, aquela gente mansa e humilde, viram bichos. Começam por quebrar toda a cafeteria, arrasam tudo. Era um motim. Os funcionários da Ford Motor Company, com suas famílias, transidos de medo, correm para os cargueiros surtos no porto. Os caboclos, armados de varapaus, tais como os franceses na tomada da Bastilha, encaminharam-se para os redutos da elite rotativa e dirigente, bradando qualquer coisa ininteligível aos ouvidos de bordo. [...] Parecia que se tratava de um caso pessoal com o marinheiro Popeye. O que os caboclos bandaram era: Abaixo o espinafre! Chega de espinafre. [...] Quanto ao cornflakles, nem era bom falar. Eles queriam carne seca e de vez em quando uma feijoada (MOOG, 1974, p.21).
O surto coletivo relatado é passível de diversas leituras considerando os passos que levaram a desencadeá-lo, como os já citados: controle; disciplina; falta de singularidade e expressão; ausência de sentidos à atividade exercida; desvalorização da cultura dos trabalhadores, bem como imposição de outra cultura (americana) etc. No âmbito subjetivo, podemos recorrer ao arquétipo da Persona, conforme discutido por Benazzi e Bonfantti (2014), uma vez que o sujeito utilizava essa máscara para ocultar os elementos da sombra, de ordem pulsional e do desejo, reprimidos por não estarem próximos da Persona incorporada e que era aceita pelos proprietários. Como nos ensinam os mesmos autores, quanto menos confrontada a sombra, maior a possibilidade desses elementos se expressarem de forma negativa e infantilizada, uma vez que não foram devidamente significados. Dado o esgotamento cotidiano dos colaboradores, o surto é manifestado como forma de proteção à saúde psíquica, com a queda da Persona/máscara que, na total ausência de símbolos e investimento criativo, assim como a violência subjetiva a qual eram expostos os habitantes da Fordlândia, o motim foi uma possível saída ao sofrimento vivenciado, dadas as inexistentes condições de simbolização.
Segundo ensina Grandin (2009), não somente por este motivo a Fordlândia se muda para Belterra, fruto de seu desastre, pois foram ignoradas as condições climáticas e de solo da Amazônia para o plantio de seringueiras, o que elevou os custos com seringal, sem retorno esperado. Em 1945, vendeu-se tudo ao governo brasileiro, e a Fordlândia hoje se encontra entre mais uma das cidades abandonadas no mundo.
Embora a Fordlândia tenha sido projetada em 1927 e vendida em 1945, ainda hoje vivenciamos situações enlouquecedoras no âmbito laboral, sendo ou não reforçadas pela vigilância constante fora da organização, sendo marcada no caso da Fordlândia pelo fato de o controle estar vinculado diretamente a ela. Como vimos em Foucault (1987), tem-se desenvolvido formas cada vez mais sutis de controle, uma vez que a punição do corpo não mais é tão vantajosa (além das regras sociais e de direitos humanos), tendo em vista que o mesmo corpo antes punido hoje é necessário, e, se exposto a formas coercitivas de disciplina, torna-se manipulável e, com isso, extremamente útil.
A área da saúde mental nas empresas apresenta-se com grave carência de investimento e recursos, o que pode ser compreendido pelos processos históricos de sua consolidação enquanto campo de trabalho, embora não possamos desvalorizar o trabalho de diversos profissionais que investem nessa área, o que é fundamental. Segundo Mendes e Dias (1991), a enfermagem do trabalho, por exemplo, surgiu na Inglaterra com a Revolução Industrial, pois foi necessária uma intervenção a fim de manter os trabalhadores saudáveis minimamente para que se pudesse manter o processo de produção, surgindo em 1980 o primeiro serviço de medicina do trabalho, ou seja, entende-se que esses serviços eram movidos por interesses exclusivamente do proprietário.
Ainda segundo Mendes e Dias (1991), muitos movimentos se seguiram a partir daí, modificando as formas de intervenção e descentralizando o poder exclusivo do médico, principalmente após todo o trabalho executado pelos trabalhadores durante a II Guerra Mundial dentro das indústrias, levando a evolução de equipes inter e multidisciplinares que compreendiam a complexidade da saúde, surgindo a “Saúde Ocupacional”, tema de estudo e intervenção destas equipes. Contudo, observa-se que o maior progresso obtido está na legislação, e não em sua aplicação, pois o que se percebe é que as empresas, em sua grande maioria, seguem alguns processos previstos em lei com a única finalidade de não serem penalizadas por multas e outros processos legais.
No Brasil, conforme ensinam os mesmos autores, a emergência e consolidação do campo da saúde do trabalhador se deu no início dos anos 80, ou seja, é muito recente, e mesmo tendo obtido progressos importantes com a Constituição Federal de 1988, atualmente ainda padece da falta de cuidado voltada ao sujeito
Considerando esse cenário e retomando a uma das questões disparadoras desse trabalho, compreendemos que a concepção de saúde mental nas organizações ainda é muito pobre, tendo em vista que, ainda hoje, observamos movimentos similares ao de higiene mental, priorizando ações preventivas ou secundárias da saúde biológica, desconsiderando todos os prejuízos que as instituições desencadeiam no indivíduo. Um possível entendimento é de que a falta de atenção para os fatores que podem vir a gerar ou agravar um adoecimento, bem como a não intervenção destes, se dá pelo fato de que as organizações têm para si o objetivo de gerar e obter lucro, e, muitas vezes, cuidar da saúde e priorizar mudanças necessárias para o bem-estar do trabalhador encontram-se em segundo plano, sendo vistas como desnecessárias (tanto sua aplicação quanto investimento), além de perigosas para que se mantenham processos perversos de controle já instaurados para atingir o objetivo final, conforme os tópicos já discutidos nesta pesquisa. Desta forma, a empresa se preocupa em enquadrar trabalhadores em suas funções em prol da produtividade e lucratividade, não investindo em seu desenvolvimento, na grande maioria das vezes, exceto quando este movimento se assimila as formas sutis de controle.
Esta pesquisa teve por objetivo discutir a respeito da saúde mental do trabalhador, considerando algumas questões, a saber, o entendimento das empresas sobre a saúde, o objetivo principal ainda vigente das organizações, a docilização do corpo do sujeito (em prol deste objetivo), a perversidade organizacional, entre outros, considerando que tais elementos podem levar ou agravar certos adoecimentos. Sendo assim, foi eleito o cenário vivido na Fordlândia, a fim de realizar um paralelo com essa discussão, tendo em vista o impacto causado pela forma de organização estabelecida na cidade-empresa, que levou ao surto em massa dos trabalhadores, devido a diversas questões que entrelaçavam o dia-a-dia organizacional e o cotidiano do sujeito.
Como possível saída à probemática colocada neste estudo, podemos destacar as empresas com caráter democrático, que entendem “seus integrantes como seres humanos autodeterminados, sujeitos ativos e conscientes, e, portanto capazes de participar na transformação do mundo em que vivem” (GARCIA, 1988, p. 42 citado por GUTIERREZ, FREITAS e CATANI, 2004, p. 111). Esse modelo de organização autogerida (autogestão derivada de aprendizagem coletiva) se pauta na ética, a partir da construção de regras democráticas e consensuais, com a participação do trabalhador nas decisões coletivas, tornando-o ativo e pertencente a empresa e seus objetivos, o que destaca um papel político do sujeito implicado nas ações tomadas, e não imparcial a elas, o que só é possível a partir da mudança de mentalidade dos empregadores e conscientização para as questões humanas. Sendo assim, compreendemos que essa resposta vai em direção as relações de poder mais horizontais, estabelecendo relações mais saudáveis e que permitam a expressão do sujeito e a implicação de sua criatividade no meio laboral.
Contudo, sabe-se que, embora urgente, ainda temos um longo caminho a percorrer, uma vez que as organizações ainda padecem de ações pautadas exclusivamente em lucro, reflexo da sociedade em que vivemos, que apresenta resquícios igualmente perversos. Sendo assim, destaca-se a necessidade de continuarmos pesquisando sobre o assunto, oferecendo entendimento sobre os prejuízos relatados, assim como destacando as vantagens de se investir em movimentos contrários e saudáveis ao trabalhador, respeitando sua história de vida e o auxiliando no processo de individuação, obtendo futuros ganhos tanto para a empresa quanto para o trabalhador.
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1. Discente da Pós-Graduação em Psicologia Organizacional e do Trabalho; UNIARARAS, Araras - SP, Brasil. autor principal: tah.vitorino@hotmail.com
2. Orientador. UNIARARAS, Araras - SP, Brasil
3. Fordlândia foi um projeto agro-industrial criado pelo norte-americano Henry Ford, que a partir de um acordo com o governo federal, procedeu em 1928 com a instalação da Ford Motor Company na Amazônia, Brasil, passando a realizar o abastecimento de látex para confecção de pneus de seus automóveis, uma vez que o local escolhido oportunizava matéria-prima (solo fértil para plantio de seringueiras) e mão-de-obra barata para atingir tais fins.
4. Em 1927, a Companhia Ford Industrial do Brasil (CFIB) foi criada por Henry Ford para gerenciar o empreendimento de extração e abastecimento de látex na Amazônia, Brasil.