Espacios. Vol. 36 (Nº 18) Año 2015. Pág. 3

O empreendedorismo sob um enfoque sistêmico da organização

Entrepreneurship under an organization's systemic approach

Roberto Kern GOMES 1; Waldoir Valentim GOMES Jr. 2; Édis Mafra LAPOLLI 3; Gertrudes Aparecida DANDOLINI 4

Recibido: 02/06/15 • Aprobado: 18/07/2015


Contenido

1. Introdução

2. Referencial teórico

3. Procedimentos metodológicos

4. Apresentação e discussão dos resultados

5. Considerações finais

Referências


RESUMO:

A visão reducionista de que as organizações têm um funcionamento mecanicista e previsível parece ter ficado para trás a partir da segunda metade do século XX. A crescente necessidade de interação entre os diversos atores de uma organização, a fim de enfrentar o ambiente complexo da concorrência global, fez emergir uma nova visão de mundo baseada justamente na complexidade do comportamento humano nas organizações. O que impera neste novo ambiente parece ser a visão sistêmica de mundo, que melhor se adéqua aos complexos problemas enfrentados pelas organizações. Analogamente, parece ser a visão sistêmica a principal característica do profissional empreendedor, seja aquele que abre seu negócio próprio, seja aquele que empreende em uma organização existente. Assim, o objetivo deste artigo é estudar o fenômeno do empreendedorismo sob o enforque sistêmico da organização, tentando explicar quais os benefícios que essa característica do empreendedor pode trazer para a organização. Para atingir este objetivo, foi feita uma pesquisa bibliográfica em livros, artigos, teses e dissertações. Tal pesquisa descreveu um pequeno histórico sobre as visões de mundo cartesiana e sistêmica, a teoria geral dos sistemas, sua relação com as organizações e, finalmente, a sua íntima ligação com o empreendedorismo. Como resultado, foi possível constatar que a visão sistêmica, característica fundamental dos empreendedores, é condição sine quá non para enfrentar os desafios do novo milênio e afeta diversas áreas do conhecimento e da própria existência humana.
Palavras-chave: Teoria Geral dos Sistemas. Visão Sistêmica. Empreendedorismo.

ABSTRACT:

The reductionist view that organizations have a mechanistic and predictable operation seems to have been left behind from the second half of the twentieth century. The growing need for interaction between the various actors of an organization in order to face the complex environment of global competition, did emerge a new world view based precisely on the complexity of human behavior in organizations. What prevails in this new environment seems to be a systemic worldview that best fits to the complex problems faced by organizations. Similarly, a systemic view is the main feature of the entrepreneurial professional, is he who opens his own business, is that conducted for an existing organization. So, the purpose of this article is to study the phenomenon of entrepreneurship under the systemic hang the organization, trying to explain what benefits this characteristic of the entrepreneur can bring to the organization. To achieve this goal, a literature search was made, using books, articles, theses and dissertations. Such research described a brief history about the Cartesian and systemic worldviews, the general systems theory, their relationship with organizations and, finally, its close connection with entrepreneurship. As a result, it was found that the systemic view, a fundamental characteristic of entrepreneurs, is a sine qua non condition to face the challenges of the new millennium and affects different areas of knowledge and human existence.
Keywords: General Systems Theory. Systemic vision. Entrepreneurship.

1. Introdução

O fato de que as organizações empresariais funcionam de maneira análoga a organismos vivos não é recente. Todavia, percebe-se que a partir de meados do século XX há uma mudança na visão de mundo predominante acerca desses sistemas. Enquanto o que imperava até então era uma visão positivista, Newtoniana e Cartesiana, paradigma sob o qual os organizamos vivos e sociais viviam sob uma lei mecanicista, o que passa a existir é uma visão sistêmica de mundo, em que o que importa é a inter-relação entre as partes e não mais a sua unicidade. Em lugar de uma visão reducionista e simplificada, surge a visão holística e complexa (CAPRA, 2011; SENGE, 2004).

Essa nova visão de mundo parece mais adequada ao modelo atual de sociedade e à complexidade de suas relações com o ambiente. Essa complexidade é inerente aos sistemas vivos e sociais e o pensamento sistêmico é justamente sensível à sutileza da interconectividade que dá a esses sistemas vivos o seu caráter único e os difere dos sistemas mecanicistas (SENGE, 2004).

Nesse sentido, Senge (2004, p. 99) afirma que "hoje, o pensamento sistêmico é mais necessário do que nunca, pois nos tornamos cada vez mais desamparados diante de tanta complexidade".

Neste contexto, o que se pretende com esse artigo é apresentar as relações entre essa nova visão sistêmica do mundo com o fenômeno do empreendedorismo, tendo em vista que a visão sistêmica é uma das principais características do empreendedor e condição para entender o mundo a sua volta, a concorrência e seus clientes. É, pois, condição para sua sobrevivência, já que o empreendedor é um ser social, produto do meio em que vive (DORNELAS, 2005; DOLABELA, 2008).  

Para atingir este objetivo, foi realizada uma pesquisa bibliográfica com o propósito de encontrar evidências dessa relação, além de traçar um histórico sobre o surgimento da visão sistêmica de mundo, à luz da teoria geral dos sistemas.

Assim, o artigo está disposto da seguinte maneira: no capítulo 1 temos a introdução, com a contextualização da temática; no capítulo 2 apresentam-se os procedimentos metodológicos usados na pesquisa; no capítulo 3 introduz-se o referencial teórico, com menções às visões de mundo cartesiana e sistêmica, à teoria geral dos sistemas, às organizações vistas como sistemas e, finalmente, ao empreendedorismo; no capítulo 4 faz-se uma discussão acerca do que foi encontrado na literatura pesquisada e no capítulo 5 apresentam-se as conclusões dos autores.

2. Referencial teórico

2.1 A visão de mundo: cartesiana versus sistêmica

Durante mais de 300 anos a visão cartesiana de mundo (reducionista e modelo para o método científico desenvolvido nos últimos séculos) foi coroada de êxitos, especialmente na biologia. Todavia, tal visão também limitou as direções da pesquisa científica. Isso se deveu ao fato de que os cientistas acreditavam que os organismos vivos nada mais eram do que simples máquinas. Sob essa visão reducionista, a adesão na medicina, da falácia de que o "corpo humano funcionaria como o mecanismo de um relógio impediu os médicos de compreender muitas das mais importantes enfermidades da atualidade" (CAPRA, 2011, p. 57).

Essa visão de mundo era oriunda da ambição de Descartes que, usando seu método do pensamento analítico, tentou apresentar uma descrição precisa de todos os fenômenos naturais em um único sistema de princípios mecânicos, com certeza matemática e absoluta (CAPRA, 2011).

Com a teoria da Relatividade, os conceitos de tempo e espaço, que são fundamentais para a descrição dos fenômenos naturais, sofreram uma modificação radical. Isso acarretou uma mudança de todos os conceitos usados em física para descrever a natureza. Na física moderna, a massa deixou de estar associada a uma substância material. Assim, os conceitos de força e matéria, tão fundamentalmente diferentes na física newtoniana, são agora unificados (CAPRA, 2011).

Neste contexto, as teorias básicas na física moderna transcenderam os principais aspectos da visão cartesiana de mundo e da física newtoniana. Sob este novo paradigma, segundo Capra (2011, p. 86), "a imagem do universo como uma máquina foi substituída por uma visão dele como um todo dinâmico e indivisível, cujas partes são essencialmente inter-relacionadas". Tal modelo, holístico ou sistêmico, vê o todo como indissociável; o estudo das partes não mais permite conhecer o funcionamento do organismo, sendo necessário nascimento de um novo olhar sobre os fenômenos físicos, naturais e sociais. Surge a visão sistêmica de mundo!

2.2.  A teoria geral dos sistemas

A teoria geral dos sistemas é entendida como uma nova maneira de se pesquisar, estudar e compreender o mundo, suas especificidades e suas relações – enfim, uma nova visão de mundo.

Para perceber essa nova visão, é importante entender que a transição se deu a partir da "especialização", que também deu sua colaboração às ciências, possibilitando entrar no âmago de cada uma delas ou de suas disciplinas. Dessa visão reducionista da realidade, do isolamento, da análise como fim em si mesma e cada vez mais atomística, chegou-se à era da síntese, do global, do macro, da agregação, da busca do comum, das interfaces, da complementaridade nas várias áreas do conhecimento, enfim, dos sistemas (BORGES, 2000).

Um sistema é, assim, tudo aquilo que possui mais de uma parte, desde que elas sejam interdependentes e que essa interdependência conduza a algum resultado preestabelecido. Tal definição é abrangente a ponto de identificar como sistema uma máquina, um ser humano ou uma organização, o que nos conduz imediatamente a um mundo de sistemas, ou, segundo a afirmação de Bertalanffy, à conclusão de que os sistemas estão em toda parte (PIZZA JÚNIOR, 1986).

Neste contexto, é importante destacar que a Teoria Geral dos Sistemas teve origem justamente nos estudos desenvolvidos pelo austríaco Ludwig Von Bertalanffy (1901-1972), biólogo, radicado no Canadá, professor da Universidade de Alberta, em Edmonton. Seus estudos representavam a mudança do paradigma mecanicista, baseado na visão newtoniana/cartesiana para o paradigma sistêmico, que se importava mais com o relacionamento complexo entre as partes do que com as unidades específicas. Tal visão rapidamente se espalhou para diversas áreas das ciências, influenciando, inclusive, as organizações (VALE, 2012).

A partir daí a Teoria Geral dos Sistemas tem sido associada a vários estudos, que vão desde sua ligação com os arranjos produtivos locais, estratégia e produção (AQUINO; BRESCIANI, 2005), com a geografia (VALE, 2012) até estudos relacionados às organizações (MOTTA, 1971; KATZ & KAHN, 1974), o empreendedorismo (DIAS, 2006) e o Turismo (BARROS et al., 2008), dentre outros.

Acerca das organizações, enquanto sistemas sociais, Motta (1971) afirma que todo o sistema social deve ser estudado em termos do que chama de imperativos funcionais. Para o autor, "todo e qualquer sistema deve ser estudado em termos de manutenção, atingimento de metas, adaptabilidade e integração" (MOTTA,1971, p. 20).

Como vimos, a Teoria Geral dos Sistemas tem uma forte relação com diversas áreas. Todavia, como o foco desse artigo é o empreendedorismo, o foco será nesta relação, começando com a visão da organização como um sistema.

2.3. A organização como um sistema

Segundo Motta (1971), os pioneiros no esforço de desenvolver uma análise organizacional sistêmica foram E.L. Trist, e A.K. Rice, do Instituto de Relações Humanas de Tavistock, na Inglaterra. O Autor relata que os estudiosos concentraram suas pesquisas nas minas de carvão do seu país e na indústria têxtil da Índia.

Motta (1971) afirma ainda que os estudos de Trist apontam para a existência de dois subsistemas em uma organização, quais sejam, o técnico e o social. O primeiro é responsável pela eficiência potencial da organização e o segundo pelas relações sociais daqueles encarregados pela execução da tarefa, que transformam eficiência potencial em eficiência real.

Por outro lado, Motta (1971) lembra que Rice tinha uma visão relacionada às transações da organização com seu ambiente. Assim, para Rice "qualquer empresa, considerada como um sistema aberto, pode ser definida por suas importações e exportações, isto é, pela manifestação de suas relações com o meio ambiente" (MOTTA, 1971, p. 21).

Acerca da organização como sistema, também é importante frisar a posição de Rezende (2003, p. 36), para quem a empresa é:

um sistema, tendo em vista sua complexidade de atividades, funcionamento de processos, envolvimento de pessoas, entidades externas e a grandiosidade de manipulação de diversas informações. A empresa e suas relações formam o maior de todos os Sistemas de Informação, juntamente a suas funções empresariais, meio ambiente interno e externo.

Esta visão de que as empresas são sistemas é compartilhada por Pizza Junior (1986), para quem as organizações são um sistema social tão complexo que o seu funcionamento implica identificar "partes" de interdependência que são outras organizações, instituições, máquinas e seres humanos. Além disso, para o autor, a organização não é vista apenas como um grupamento de departamentos em que técnicas especializadas resolvem problemas específicos sem aparente ou real compatibilização com os objetivos finais do sistema, mas sim como um organismo complexo com total interação com a razão de sua existência, qual seja a sua missão.

Falando também da organização como um sistema aberto, Peter Senge afirma que "o pensamento sistêmico é uma disciplina para ver o todo. É um quadro referencial para ver inter-relacionamentos, em vez de eventos; para ver padrões de mudança em vez de fotos instantâneas" (SENGE, 2004, p. 99).

Neste contexto, percebe-se uma sintonia entre a visão dos dois autores, pois esta é justamente a opinião de Motta (1971, p. 24), para quem, de acordo com abordagem sistêmica,

a organização é vista em termos de comportamentos inter-relacionados. Há uma tendência muito grande a enfatizar mais os papéis que as pessoas desempenham do que as próprias pessoas, entendendo papel como um conjunto de atividades associadas a um ponto específico do espaço organizacional, a que se pode chamar de cargo.

Todavia, vale destacar o modelo que apresenta a organização como um sistema aberto, demonstrado por Katz & Kahn (1974), em sua obra intitulada Psicologia Social das Organizações. Para os autores, as organizações sociais caracterizam-se como sistemas abertos, pois elas realizam transações com o meio ao qual estão inseridas.

Ainda segundo os mesmos autores, os sistemas abertos se caracterizam pela importação e exportação de energia, processamento, ciclos de eventos, entropia negativa, feedback, homeostase, diferenciação e equifinalidade. Tais características são descritas a seguir:

Importação e Exportação: é fluxo de entrada e saída de materiais, como matéria prima e informações;

Transformação: é processamento dos insumos em produtos finais;

Entropia negativa: os sistemas abertos necessitam da aquisição de entropia negativa para sobreviver; inputs são maiores que outputs no processo de transformação;

Feedback: é a informação produzida pelo próprio sistema e que retorna a ele como um novo input;

Homeostase: é um estado de equilíbrio caracterizado mais pela dinamicidade do que pela estaticidade, pois os inputs de energia, para deter a entropia, agem para manter um equilíbrio no intercâmbio de energia, para que os sistemas sobrevivam.

Diferenciação: em vez de aspectos difusos e globais, com certa padronização, há a substituição por funções mais especializadas, hierarquizadas e altamente diferenciadas.

Princípio da equifinalidade: diz que um sistema pode atingir um estado final igual com origem em condições inicias distintas e por meio de diversas formas e meios de desenvolvimento (KATZ & KAHN, 1974);

2.4. A Visão sistêmica e o empreendedorismo

Como já foi mencionado, as organizações são atualmente vistas como sistemas abertos, interagindo e trocando informações com o ambiente. Esta afirmação é corroborada por Oliveira (2004), para quem existe a necessidade de que a empresa seja vista como um sistema, com unidades centrais e unidades periféricas (subsistemas) que fazem a ligação entre a administração e as áreas de execução.

Neste sentido, o empreendedor também deve ter consciência de que as organizações não vivem de maneira isolada, de modo que, para entendê-las, precisa ter o que se chama de visão sistêmica.

Essa relação de integração das partes para interagir com o todo tem início, na perspectiva do empreendedorismo, com os estudos de Schumpeter na primeira metade do século XX, para entender o papel do empreendedor e o seu desempenho como protagonista econômico. Assim os estudos sob o tema empreendedorismo trazem em sua essência a ação utilizada pelos empreendedores para descobrir, ou mesmo projetar, possíveis cenários que possam potencializar a concretização de seus objetivos.

Ainda acerca da integração entre as partes, Panosso Neto (2005) destaca que um sistema é mais do que a simples soma de suas partes e que, caso um dos elementos da cadeia seja deficiente, isso causa a incapacidade de interação com os outros, impossibilitando sua função específica, resultando em um sistema totalmente deficiente.

Assim, Steward (1998)  faz referência à mudança de mentalidade do empreendedor para entender e, ao mesmo tempo, agir diante da transformação de contexto provocado pela concorrência empresarial. Ele apresenta dois elementos fundamentais para manter a competitividade, quais sejam a informação e o conhecimento. Esta nova postura retrata a necessidade do pensamento complexo e sistêmico para lidar com causas e efeitos decorrentes dos desequilíbrios no âmbito da organização, independente de serem de natureza interna ou externa.

O Pensamento Sistêmico, assim, propicia ao empreendedor alcançar competências para atingir competitividade. No estudo apresentado por Gomes Jr. (2013), a respeito das competências como gerador de valor intangível, fica evidenciado que tal elemento nasce nas pessoas para então, se bem aproveitado, atingir a organização como um todo.

Ainda acerca da visão sistêmica como uma competência empreendedora, Lapolli (2010) aborda, entre outros aspectos, a capacidade de perceber falhas de competências no ambiente organizacional a partir das percepções dos pares (indivíduos) e dos seus relacionamentos. Uma ferramenta de gestão para o posicionamento estratégico da empresa que, sob a ótica do saber perceber e agir, desenvolve novas competências para manter o posicionamento no mercado segundo os interesses do planejamento estratégico.

Neste sentido, o empreendedorismo se apropria das competências do indivíduo para formar a Competência Empreendedora a ser utilizada nas organizações.

Outro fator que deve ser foco do empreendedor é a relação entre a organização e o ambiente ao qual está inserida. Neste sentido, as organizações aprendem com a interação com o ambiente externo e com os relacionamentos internos, sejam estes entre indivíduos ou equipes, favorecendo a construção de uma cultura empreendedora.

Essas relações estabelecem uma nova forma de relacionamento, em que as relações entre os indivíduos e a empresa terão maior liberdade para promoverem uma nova ordem em um mercado complexo e dinâmico (MELO; COSTA; CERICATO, 2005)..

Percebe-se também a visão sistêmica no empreendedorismo quando [23], em seus estudos, abordam o tema Gestão Empreendedora da Inovação, mais precisamente a importância da cultura para inovação, termos estes que cooperam em simbiose com o empreendedorismo no âmbito organizacional. Destacam que "na perspectiva do empreendedorismo, a inovação se consolida como resultado de um processo, onde a inquietude para compreender juntamente com a criatividade e a percepção de valor constituem uma cadeia" (CHAGAS ET AL, 2015, p. 168). Não é, portanto, possível ser criativo sem ter visão sistêmica.

Assim, a inovação é fundamental nessa nova ordem, que é fruto das observações apresentadas por Schumpeter em 1942, quando aborda que o processo de "destruição criativa" promove as empresas inovadoras tendo em vista sua capacidade de responder às novas demandas do mercado e à perspectiva de fechamento das empresas sem capacidade para acompanhar as essas mudanças.

Beveridge (1981), por sua vez, destaca que a principal característica de um sistema é a interação harmônica entre os componentes que o constituem, avançando para formação de uma rede de elementos interdependentes para construção de um todo. Apesar do pensamento de Schumpeter apresentar uma ruptura, encontra amparo em Beveridge (1981) quando se percebe que atender novas demandas é colocar-se em harmonia com um novo contexto do ambiente, um novo sistema.

Esta nova ordem de equilíbrio se manifesta através de um fenômeno conhecido por auto-organização. Oliveira e Minayo (2001, p. 142) esclarecem melhor o termo, pois, para os autores:

A ruptura com o determinismo é o primeiro e mais importante diferencial que uma nova teoria da vida vem inaugurar, através do conceito de auto-organização. Este supõe que a ordenação presente nos processos vitais emerge espontaneamente de uma desordem inicial.

Deste modo, podemos entender o empreendedor como um agente social que percebe o sistema onde está inserido com uma visão que lhe é particular e, definitivamente, não determinística e sim sistêmica. Suas ações são diferenciadas frente a outros indivíduos por conta de características intrínsecas. Bueno e Lapolli (2001, p. 35) percebem estas características, apresentando o empreendedor como:

O inovador, o estrategista, o criador de novos métodos para penetrar ou criar novas possibilidades. Ele tem a personalidade criativa e de fácil adaptação com o desconhecido e tem a capacidade de transformar probabilidade em possibilidade e discórdia em concórdia, perdas em ganhos, caos em harmonia.

Neste sentido, autores como Fayolle e Basso (2010, p. 320) também destacam aspectos relevantes sobre o empreendedorismo que, como um sistema, possui inter-relações de várias partes:

A fim de implementar com sucesso a sua orientação empreendedora, acreditamos que as empresas devem entender o que o empreendedorismo implica. Neste sentido, o empreendedorismo pode ser individual ou coletivo, e dizem respeito a três áreas simultaneamente ou em sequência: estado de espírito, comportamento e situações.

O espírito empreendedor faz referência à cultura empreendedora; o comportamento aponta na direção de assumir riscos, buscar oportunidades, iniciativa e responsabilidade; por último, as situações, fazem alusão ao meio em que se está inserido, levando em conta incertezas, riscos e criação de valor. Assim, percebe-se que a visão sistêmica é fundamental para entender o empreendedor e o fenômeno do empreendedorismo (FAYOLLE; BASSO, 2010).

Autores como Schumpeter (1982); Pinchot (1989); Bueno e Lapolli (2001); Dornelas (2005) têm contribuído sistematicamente, cada um com sua perspectiva, com estudos sobre o empreendedorismo. Corroboram na perspectiva de que o empreendedor é um estrategista, alguém que, de certa forma, prospecta cenários e procura alternativas para atender seus anseios.

A capacidade de sistematizar está relacionada às vivências e às percepções do individuo no contexto onde atua, seja do ponto de vista individual, para atingir seus propósitos, ou mesmo em grupo, para atender os anseios de um coletivo. Cabe às organizações saberem identificar suas limitações e potencialidades do ponto de vista organizacional e individual para manterem-se competitivas.

Identificar potencialidades na organização é uma forma de sistematizar competências frente a novos desafios. Nesta perspectiva o perfil empreendedor pode ser usado como uma ferramenta de gestão da organização para identificar suas capacidades de realização diante dos contextos que se apresentem. Assim, Bueno e Lapolli (2001) contribuem com os sinais distintivos dos empreendedores, quais sejam: velocidade, polivalência, visão, capacidade de realização e capacidade de relacionamento interpessoal, que aqui estão destacados.

Velocidade: se caracteriza pela prontidão, a atenção, o planejamento, o espírito de liderança e a capacidade de tomar decisões urgentes em situações emergenciais. Ainda exige um raciocínio rápido sobre o enfrentamento de problemas e uma consequente capacidade de expressar bem as ideias de forma oral ou escrita;

Polivalência: apresenta aptidões internas tais como a fácil adaptação a grupos e ambientes, flexibilidade nas ideias e ações e competência de realizar várias tarefas em diversos contextos ao mesmo tempo.

Visão: estabelece sob a formação e a experiência em situações reais e em teorias que proporcionam, geralmente, capacidade de compreensão, análise, avaliação e ação sobre as situações da vida e do trabalho, culminando em cenários e o caminho para atingi-los.

Capacidade de Realização:: geralmente é percebida como consequência do planejamento preciso dos empreendimentos a partir de conhecimentos, análises, estudos de erros e avaliações acerca dos caminhos tortuosos a serem seguidos por eventualidades e possibilidades de retomada das rotas adequadas. É marcante neste sinal distintivo, a condição de sempre superar obstáculos para nunca deixar de realizar as atividades necessárias;

Capacidade de Relacionamento Interpessoal: define-se como a aptidão de equilíbrio emocional próprio e de interferência no equilíbrio emocional dos outros e das organizações. Capacidade de harmonizar grupos e de persuadir. Compreensão acerca das ações e reações pessoais e dos outros diante de situações difíceis, concorrências ou rivalidades.

Finalmente, à luz do que se apresentou até aqui, pode-se inferir que a visão sistêmica e o empreendedorismo se complementam para a organização alcançar posição de destaque. Isso ocorre, pois a visão sistêmica trata da maneira de enxergar a organização e o que tem ao seu redor. Já o empreendedorismo busca as ações relativas ao perfil empreendedor no exercício de práticas no ambiente de trabalho e na construção de recursos estratégicos, a fim de constituir metas e traçar estratégias para alcançar os resultados desejáveis.

3. Procedimentos metodológicos

Com relação aos objetivos, esta pesquisa é exploratória e descritiva, pois tal estudo necessitou um conhecimento prévio sobre a realidade do assunto, mas não utilizou procedimentos e técnicas estatísticas rígidas no desenvolvimento do estudo (GIL, 1999; SEVERINO, 2000).

Pode ser ainda considerada uma pesquisa qualitativa, pois é a mais adequada em estudos da natureza do presente artigo, devido ao que Creswell (2010) chama de viés interpretativo, o que significa que os pesquisadores fazem uma interpretação do que enxergam, ouvem ou entendem. Ainda de acordo com Creswell (2010), para a análise de fenômenos das ciências sociais, a pesquisa qualitativa mostra-se mais adequada enquanto método, uma vez que aborda uma visão sistêmica do fenômeno que se está estudando.

Finalmente, acerca dos procedimentos técnicos do estudo, foi desenvolvida uma revisão bibliográfica, pois se procura explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas em documentos, buscando conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema (SEVERINO, 2000).

4. Apresentação e discussão dos resultados

Este capítulo tem o objetivo de tentar sintetizar o que foi encontrado da literatura acerca do tema proposto, qual seja, o entendimento sobre o enfoque sistêmico, o fenômeno do empreendedorismo e os benefícios da visão sistêmica para o empreendedor.

O que se percebe ao estudar os textos de Capra (2011), Senge (2004), Borges (2000), dentre outros, é que de fato a visão sistêmica de mundo tomou o lugar da antiga visão cartesiana e mecanicista, representando uma quebra de paradigma. Tal visão de mundo se alastrou por diversas áreas do conhecimento, modificando a maneira como as pessoas veem os vários problemas da existência humana e, principalmente, suas soluções para esses problemas. Essa supremacia se deve ao fato de que a visão do mundo e das coisas como partes interligadas, ou seja, como um sistema, parece a mais adequada para se lidar com a complexidade do atual contexto da sociedade e das relações entre as empresas, pessoas e, por que não, dos próprios sistemas.

Nesse contexto, no ambiente competitivo em que emerge o empreendedorismo, parece ser também a visão sistêmica a forma mais adequada de se analisar e avaliar o novo contexto organizacional. Tal característica é tida como fundamental ao empreendedor, segundo os diversos autores que escrevem acerca do tema DORNELAS, 2005; DOLABELA, 2008; DIAS, 2006).

Percebeu-se também que a Teoria Geral dos Sistemas ainda explica, em grande parte, o fenômeno do empreendedorismo na medida em que, como dito anteriormente e segundo [Rezende (2003, p. 36), "uma empresa e suas relações formam o maior de todos os Sistemas de Informação, juntamente a suas funções empresariais, meio ambiente interno e externo".

Devido a essas trocas com o ambiente, há uma enorme complexidade em uma empresa, pois ela é um organismo propriamente complexo com total interação com a razão de sua existência (PIZZA JUNIOR, 1986).

Neste sentido, também foi verificado que o empreendedor deve entender que as organizações não vivem isoladas do contexto em que estão inseridas e da sociedade a que pertencem. Assim, para entendê-las, ele precisa ter o que se chama de visão sistêmica.

Finalmente, os autores estudados concluem que a visão sistêmica e o empreendedorismo se complementam para que a empresa resultante da ação do empreendedor alcance seus objetivos e metas, além de desenvolver as estratégias para alcançar os resultados desejáveis.

5. Considerações finais

O objetivo deste artigo foi estudar o fenômeno do empreendedorismo sob o enforque sistêmico da organização, tentando explicar quais os benefícios que essa característica do empreendedor pode trazer para a organização.

Como principal resultado, foi possível constatar que a visão sistêmica, característica fundamental dos empreendedores é condição sine quá non para enfrentar os desafios do novo milênio. Além disso, percebeu-se que essa nova visão de mundo transcende a organização e afeta diversas áreas do conhecimento e da própria existência humana.

Assim, torna-se inviável querer entender o fenômeno do empreendedorismo sob o paradigma mecanicista. A visão de que o universo "funciona como um relógio" sob as leis da física newtoniana não é suficiente para entender a complexidade do mundo. O empreendedor tem que enxergar sempre a frente do seu tempo e tentar antecipar-se aos acontecimentos. Para isso, precisa ter o que se chama de visão holística da sua empresa e de todos os stakholders que atuam com ela. Isto nada mais é do que a visão sistêmica, ou seja, enxergar o ambiente como um todo interligado e com relação de interdependência.

Neste contexto, como benefícios dessa fundamental característica dos empreendedores, que é a visão sistêmica, pode-se citar a facilidade de se adaptar às constantes mudanças para se adequar às rápidas transformações de cenários, face ao ambiente cada vez mais inconstante.

A visão sistêmica pode ser vista também sob o aspecto do indivíduo empreendedor e da organização empreendedora. Acerca do empreendedor, pode-se afirmar que a visão sistêmica sobre o próprio indivíduo resulta no conhecimento de todas as oportunidades que estão disponíveis e em como fazer para alcançá-las de maneira inteligente e estratégica. Além disso, no ambiente organizacional em que estiver inserido, enquanto intraempreendedor, poderá se utilizar da sua visão sistêmica melhor entender e se adaptar aos processos de trabalho e metas organizacionais, o que o auxiliará para agir na direção dos anseios e necessidades dos seus clientes internos e externos.

Finalmente, acerca das organizações empreendedoras que possuem a visão sistêmica, é consistente afirmar que elas podem se fazer valer tal visão de mundo na busca de colaboradores ideais para as suas necessidades. Essa visão, por exemplo, pode alertar os futuros líderes e executivos dos imprevistos que possam acarretar resultados negativos para a empresa.

Referências

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1. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima – Trindade, Florianópolis – SC, 88.040-900 E-mail: robertokerngomes@gmail.com
2. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima – Trindade, Florianópolis – SC, 88.040-900 E-mail: waldoir@gmail.com
3. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima – Trindade, Florianópolis – SC, 88.040-900 E-mail: edismafra@gmail.com

4. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima – Trindade, Florianópolis – SC, 88.040-900 E-mail: ggtude@gmail.com


 

Vol. 36 (Nº 18) Año 2015

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