Espacios. Vol. 36 (Nº 13) Año 2015. Pág. 1
Rudrigo Otávio Andrade ARAÚJO 1; Gesinaldo Ataíde CÂNDIDO 2
Recibido: 10/03/15 • Aprobado: 15/05/2015
RESUMO: |
ABSTRACT: |
O desenvolvimento sustentável caracteriza-se por uma mudança de prioridades por parte da sociedade, com a incorporação de uma nova ética centrada na consecução dos interesses coletivos, e da sua estrutura de produção e consumo como forma de inverter o quadro de degradação ambiental e miséria social resultante do crescimento econômico.
Notadamente, as tecnologias desempenham um papel central nesse processo, pois a resolução da problemática da pobreza, do desemprego, da exclusão social e do subdesenvolvimento não pode ser analisada sem levar em conta a dimensão tecnológica. Assim, dentre os muitos modelos tecnológicos disponíveis, a reversão desse quadro depende da incorporação de novos conceitos e valores no processo decisório.
O movimento da tecnologia social parte desse princípio para desenvolver tecnologias alternativas às convencionais que incorporem desde a sua concepção uma intencionalidade de inclusão social e de um desenvolvimento social, econômico e ambiental sustentável, devendo ser definida de acordo com o contexto, pela relação particular entre a tecnologia e a sociedade e o envolvimento dos atores interessados (Fonseca, 2010). Por outro lado, a inovação social é tida como um processo de mudança social voltada ao atendimento das necessidades sociais, à inclusão social e ao empoderamento dos indivíduos e comunidades potencial ou efetivamente sujeitos aos processos de exclusão social ou marginalização (André; Abreu, 2006).
Diversos estudos empíricos têm evidenciado indiretamente essa capacidade das tecnologias sociais para contribuir com o desenvolvimento sustentável nos espaços rurais brasileiros, seja através da mitigação das mudanças climáticas e da promoção do desenvolvimento humano (Ventura et al., 2012), da geração de emprego e renda (Catharin; Sachuk, 2011, Costa et al., 2014), da responsabilidade social (Bonilha; Sachuk, 2011) ou do atendimento de necessidades básicas da população (Rodrigues; Barbieri, 2008). Todavia, o papel da inovação social nesse processo vem sendo negligenciado por estudiosos e pesquisadores das temáticas do desenvolvimento rural sustentável e da tecnologia social. Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é apresentar um framework que permita observar o papel das Tecnologias Sociais (TS) e das Inovações Sociais (IS) nos processos de desenvolvimento sustentável dos territórios rurais brasileiros.
O trabalho se constitui num ensaio teórico que se apoia nas contribuições de Veiga et al. (2001), MDA (2003), Sepúlveda et al. (2003), Belmar e Loguércio (2006) e Sepúlveda (2008) para abordar o enfoque territorial como uma nova e atual estratégia empreendida na busca pelo desenvolvimento rural sustentável, enfatizando seus principais objetivos e características, assim como a imprescindibilidade de uma nova dinâmica socioeconômica para sua consecução. Com base nos trabalhos de André e Abreu (2006), Mulgan et al. (2006), Westley (2008), Howaldt e Schwars (2010), Neumeier (2012) e Cajaíba-Santana (2014) ressaltou-se a natureza imaterial da inovação social e o seu papel enquanto vetor de mudança social e de uma dinâmica social que favorece o desenvolvimento de tecnologias alternativas. A discussão em torno da temática da tecnologia social, por sua vez, está assentada nas contribuições de ITS (2004), Fonseca; Serafim (2009), Novaes; Dias (2009), Thomas (2009) e Freitas (2012) ressaltando o seu papel enquanto tecnologia alternativa à convencional com forte potencial para promover a inclusão tecnoprodutiva das parcelas mais pobres da população.
A partir dos recortes delineados, o trabalho foi dividido em seis seções, incluindo esta seção introdutória. Na segunda, terceira e quarta seções são abordados os fundamentos teóricos da pesquisa relacionados aos temas Desenvolvimento Rural Sustentável, Inovação Social e Tecnologia Social. Em seguida é explicitado o framework proposto e na sequência as considerações finais, onde constam novas inferências acerca do trabalho como um todo, além das contribuições e das limitações da pesquisa.
O conceito de Desenvolvimento Rural Sustentável (DRS) surge como tributário dos princípios instituidores do Desenvolvimento Sustentável (DS), sobretudo no que tange ao uso racional dos recursos naturais. Isso se deve não apenas pelo fato dos recursos naturais serem um elemento fundamental de qualquer estratégia de desenvolvimento, mas porque se constituem num dos ativos mais importantes do meio rural. O DRS, portanto, é orientado pela visão integral do DS (multidimensional e intertemporal) no tratamento dos problemas que afetam o meio rural; é parte do DS, mas ambos devem ver-se como aproximações complementares no tratamento de problemas como a deterioração dos recursos hídricos, a perda da biodiversidade, a desertificação, a luta contra a pobreza e a integração de grupos sociais excluídos (Sepúlveda, 2008).
O enfoque territorial representa uma estratégia empreendida na busca pelo DRS, pois constitui uma nova forma de entendê-lo e abordá-lo ao encarar seus obstáculos e desafios a partir da perspectiva do território, através de uma análise dinâmica e integral que inclui as distintas dimensões que atuam nele como a sociocultural, a econômica, a ambiental e a político-institucional (Belmar; Loguercio, 2006). No Brasil, esse enfoque insurge em resposta à insuficiência das políticas públicas que, implementadas nas últimas décadas e voltadas à promoção do desenvolvimento rural, não foram efetivas no objetivo de generalizar melhorias na qualidade de vida e nas oportunidades de prosperidade das populações que habitam o interior do país, ou por serem setoriais (MDA, 2003) ou por basearem-se na dicotomia entre o rural e o urbano (Veiga et al., 2001) ou, ainda, pela combinação de ambos.
Os pequenos e médios centros urbanos da maioria dos municípios brasileiros gravitam em torno do trabalho, da produção, da cultura e dos demais recursos rurais, de modo que seus espaços rurais e urbanos são interdependentes. Além disso, possuem a mesma matriz sociocultural, econômica e político-institucional, razão pela qual devem ser articulados e integrados para que se criem soluções que articulem as diversas faces da mesma realidade e sejam definitivas para os seus problemas. Nessa perspectiva, os territórios rurais passam a representar mais do que uma simples base física, na medida em que têm vida própria, possuem um tecido social e uma teia complexa de relações com raízes históricas, políticas e de identidades diversas que vão muito além de seus atributos naturais (MDA, 2003).
Sepúlveda et al. (2003) definem território como um construto social historicamente construído, que lhe confere um tecido social único, dotado de uma determinada base de recursos naturais, certos modos de produção, consumo e intercâmbio, e uma rede de instituições e formas de organização que se encarregam de dar-lhe coesão ao resto dos elementos. Nesta perspectiva, a noção de território sugere, mais do que uma aproximação espacial entre o campo e a cidade, uma aproximação funcional entre ambas as categorias, onde as zonas urbanas e rurais se constituem em espaços integrados que compartilham e intercambiam grupos populacionais, complexos produtivos, serviços, recursos naturais e instituições. Essa relação funcional avulta a necessidade de que o desenvolvimento rural sustentável seja pensado numa perspectiva sistêmica e integral, que considere tanto fatores endógenos quanto exógenos relacionados ao desenvolvimento dos territórios.
Uma iniciativa de destaque nesse sentido é denominada Desenvolvimento Rural Sustentável com Enfoque Territorial (DRSET). Proposta pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), essa iniciativa foi concebida como um processo que visa à transformação da dinâmica de desenvolvimento do território mediante uma distribuição ordenada das atividades produtivas, em conformidade com seu potencial de recursos naturais e humanos, pondo em marcha no território políticas econômicas, sociais, ambientais e culturais sustentadas em processos descentralizados e participativos. Essas características reforçam a adoção de um tratamento sistêmico e integral da realidade pelo DRSET, considerando, sobretudo, a multidimensionalidade e intertemporalidade dos processos de desenvolvimento. Por conseguinte, um sistema territorial é representado por quatro dimensões do desenvolvimento sustentável, sendo o espaço de interação entre elas aquele no qual se dá o desenvolvimento rural sustentável (Sepúlveda, 2008). Essas dimensões e seus respectivos objetivos principais e conceitos chave podem ser visualizadas no quadro abaixo:
Quadro 1. Dimensões, objetivos e conceitos chave do Desenvolvimento Rural Sustentável com Enfoque Territorial
Dimensão |
Objetivos principais |
Conceitos chave |
Sociocultural |
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Econômica |
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Ambiental |
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Político-institucional |
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Fonte: Elaborado pelos autores com base em Sepúlveda (2008, p. 12-22)
Do exposto, é possível concluir que a proposta do enfoque territorial é a promoção de um novo estilo de desenvolvimento capaz de gerar transformações que melhorem as condições de vida das populações rurais. Para tanto, mostra-se imprescindível a participação social, a formação alianças entre os setores público e privado e o desenvolvimento de sistemas produtivos que sejam amigáveis com o meio ambiente, além da incorporação explícita do desenvolvimento rural nos planos de desenvolvimento nacional, promovendo a harmonização entre as políticas e inversões dos diversos setores e a sinergia entre estes e os atores sociais envolvidos. Trata-se, portanto, de uma proposta cuja concretização depende de um amplo processo de mudança social baseada na incorporação de novos valores e a adoção de novos comportamentos pela sociedade. É neste contexto que a inovação social adquire papel fundamental na geração de mudanças capazes de melhorar de forma mais abrangente o desenvolvimento.
O estudo da inovação iniciou-se no campo da economia no início do século passado, notadamente nos estudos de Schumpeter (1934), que a concebeu inicialmente como o lançamento pioneiro de bens e serviços inéditos ou aperfeiçoados no mercado. A inovação, nessa perspectiva, envolve a apropriação de ideias materializadas em invenções ou por descoberta de coisas novas existentes na natureza, capazes de modificar de forma mais ou menos drástica a base de conhecimentos utilizada na produção. Para o autor, o conceito de inovação tem evoluído separadamente em diferentes tradições científicas.
Ogburn (1969), citado por Cajaíba-Santana (2014), foi o primeiro a propor uma distinção teórica entre a invenção técnica e a social ao afirmar que o uso do termo invenção não se aplica apenas às invenções técnicas em nosso contexto, mas em vez disso compreende invenções sociais, como a invenção de um ritual religioso, um alfabeto, o dinheiro, o sufrágio universal, as leis e o Estado moderno, por exemplo. Assim, a inovação tem sido presente na história da humanidade como uma manifestação de seu poder criativo e dos esforços empreendidos para desenvolver respostas para suas necessidades e, consequentemente, melhorar sua qualidade de vida. A capacidade de mudar, de reinventar e reinventar-se, portanto, é um pré-requisito indispensável para a evolução das sociedades.
A ideia de inovação social surge no cerne dos problemas ambientais e sociais na medida em que advém da crescente complexidade nos processos de exclusão e desigualdade social que, em última análise, são responsáveis pela erosão dos recursos naturais. É comum o uso do termo associado às iniciativas do terceiro setor direcionadas ao combate à exclusão social, com pesquisas empíricas especialmente direcionadas aos cuidados com a saúde, à ação social, à alimentação, à imigração e à integração ao mercado de trabalho.
Uma ideia bastante difundida na literatura é que a inovação social é um processo que se desenvolve fora do mercado, sem a intervenção direta do Estado, visando, prioritariamente, à inclusão social. Como consequência, a principal diferença entre as inovações sociais e as inovações tecnológicas reside no resultado pretendido, pois enquanto os fatores determinantes para a inovação tecnológica estão associados à criação de valor econômico, conforme definido por Schumpeter desde o início do século passado, a inovação social traz à tona a mudança social que não pode ser construída com base em práticas estabelecidas. Ainda que alguns resultados possam se sobrepor, a finalidade pretendida por ambos os tipos de inovação é fundamentalmente diferente.
Nesta perspectiva André e Abreu (2006) apontam que a inovação social passou a ser entendida como uma resposta nova e socialmente reconhecida que visa e gera mudança social, ligando simultaneamente três atributos: (i) satisfação de necessidades humanas não satisfeitas por via do mercado; (ii) promoção da inclusão social; e (iii) capacitação de agentes ou atores sujeitos, potencial ou efetivamente, a processos de exclusão/marginalização social, desencadeando, por essa via, uma mudança, mais ou menos intensa, das relações de poder. Segundo as autoras, uma vez admitida a ideia de que a inovação social não só visa, mas também gera mudança social, contribuindo para a alteração das relações de poder, excluem-se do campo de atuação do conceito os efeitos dos processos de inovação tecnológica ou organizacional. Portanto, distintamente das inovações tecnológicas, as inovações sociais são orientadas para as práticas sociais e o social não se limita apenas às práticas de comportamento ou à relação humana envolvida no processo de inovação e difusão, mas assume um entendimento mais amplo com base na criação de um bem comum maior (Howaldt; Schwars, 2010).
Zapf (1989), citado por Neumeier (2012), já defendia que as inovações sociais eram sinônimas de novas práticas sociais, especialmente novas formas de organização e novas formas de regulação, novos estilos de vida que mudam a direção da mudança social, resolvem problemas melhor do que antigas práticas e, portanto, valem a pena serem imitados e institucionalizados. Nesse sentido, três aspectos importantes da inovação social são destacados: (i) novidade especial na percepção subjetiva dos indivíduos envolvidos; (ii) uma concentração de mudanças de atitude (em contraste com a inovação técnica); e (iii) a aplicação prática que está ligada com uma certa superioridade em comparação com os métodos tradicionais, de modo que a imitação do novo método ou solução pareça fazer sentido.
Outra importante característica da inovação social é a imaterialidade ontológica do fenômeno; seus resultados materiais são apenas um resultado suplementar e não se concentram em necessidades, mas na construção de ativos. Essa percepção é compartilhada por Mulgan et al. (2006), Westley (2008) e Cajaíba-Santana (2014) ao mencionar que a inovação social é, fundamentalmente, uma mudança social, devendo ser esta a principal característica posta em evidência. Segundo os autores, a inovação social atende as necessidades sociais prementes na medida em que mudam profundamente a rotinas básicas, recursos e fluxos de autoridade ou crenças do sistema social em que ocorrem, ou seja, representam efetivamente uma mudança social.
Os sistemas sociais são meios organizados de recursos, crenças e procedimentos unidos e regulados pela interação ou interdependência para realizar um conjunto de funções específicas e, em função de seus elementos múltiplos e interativos, são complexos e sua sobrevivência depende de sua capacidade de adaptarem-se às necessidades que emergem dos subsistemas – indivíduos ou organizações. Podem variar em tamanho, podendo ser pequenos como uma família ou envolverem todo o globo, no entanto, o que define um sistema social não é o seu tamanho, mas a sua cultura (crenças, valores, artefatos e símbolos), sua estrutura política e econômica (o padrão de distribuição de poder e recursos) e suas interações sociais (leis, procedimentos, rotinas e hábitos que governam a interação social e a torna praticável) (Westley, 2008). A combinação destes três elementos constitui as "instituições".
Ao tratar da ambiência propícia ao surgimento da inovação social, André e Abreu (2006) salientam a ideia da plasticidade do meio – lugar ou espaço-rede – resultante da conjugação de três condições: (i) a diversidade, que assegura a abertura ao exterior e a entrada de ideias, atitudes e práticas novas; (ii) a tolerância, que permite o risco, possibilitando, dessa forma, a emergência de inovação e; (iii) a participação, que promove o debate e o envolvimento dos atores. Assim, distintamente da inovação técnica, as inovação social não pode ser diretamente planejada e produzida; ela só pode ser estimulada através da criação de um ambiente propício para o surgimento de inovações. No entanto, é necessário considerar que é esse mesmo ambiente criativo, inovador e participativo que gera as condições necessárias para que inovações técnicas alternativas como as Tecnologias Sociais (TS) sejam desenvolvidas.
Dentre as diversas concepções assumidas pelo termo "tecnologia social" desde que emergiu no meio acadêmico (Henderson, 1901), a que nos interessa para efeito deste trabalho é aquela segundo a qual a Tecnologia Social (TS) é uma tecnologia alternativa à tecnologia convencional ou capitalista, cujo objetivo explícito é responder à problemática de desenvolvimento comunitário, de geração de serviços e de alternativas tecnoprodutivas em cenários socioeconômicos caracterizados por situações de extrema pobreza (Thomas, 2009).
Considerada em oposição à tecnologia convencional, a TS se caracteriza por ser adaptada a pequenos produtores e consumidores de baixo poder econômico; não promover o tipo de controle capitalista, segmentar, hierarquizar e dominar os trabalhadores; ser orientada para a satisfação das necessidades humanas; incentivar o potencial e a criatividade do produtor direto e dos usuários; ser capaz de viabilizar economicamente empreendimentos como cooperativas populares, assentamentos de reforma agrária, a agricultura familiar e pequenas empresas; além de ser ambientalmente amigável. Além disso, a TS estaria mais imbricada às realidades das comunidades locais, gerando respostas mais adequadas aos problemas inerentes a um determinado contexto (Novaes; Dias, 2009).
No âmbito da construção de um arcabouço teórico para a TS, o Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social (CBRTS) sistematizou as primeiras reflexões acerca do tema em quatro eixos (ITS, 2004). O primeiro eixo é composto por quatro princípios da TS, os quais são concebidos como proposições que nos servem de base e que, dessa forma, permeiam as ideias relacionadas à TS, quais sejam:
O segundo eixo refere-se ao próprio conceito de TS, estabelecido como um "conjunto de técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida" (ITS, 2004, p. 26). A conjugação dos princípios e do conceito formulado reforça uma das características mais importantes da TS que é o seu potencial de consolidação de processos de aprofundamento da democracia, na medida em que tem como fundamento a geração coletiva do conhecimento e a participação dos usuários no seu desenvolvimento, objetivando a construção de um novo estilo de desenvolvimento mais inclusivo e participativo (Fonseca; Serafim, 2009).
No terceiro eixo estão consignados os parâmetros que são definidos como elementos centrais para atribuir às experiências o caráter de Tecnologia Social, os quais podem ser consolidados em três focos ou preocupações distintas e dependentes que são propósito, pessoas e processo (Freitas, 2012). Relacionado ao propósito estão os parâmetros "quanto à sua razão de ser" e "quanto à sustentabilidade", dizendo respeito ao fim da TS de solucionar problemas e demandas sociais concretas vividas e percebidas pela comunidade mediante ações que visem a um desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável.
Por fim, o quarto eixo compreende as implicações que do conceito formulado decorrem, cujo desdobramento lógico é o entendimento de que a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) devem ser de vasto conhecimento da sociedade e amplamente demandada por esta e a TS emerge como instrumento de indução de um novo modelo de desenvolvimento científico e tecnológico que possibilite a inclusão de toda a sociedade no acesso e produção do conhecimento, levando-se em conta que a inovação surge a partir da participação social.
As TS ocupam um espaço estratégico no fortalecimento do elo entre a sociedade e os centros de produção de CT&I, pois, ao promoverem a participação dos diversos atores sociais na construção de soluções efetivas para os problemas sociais e econômicos da população, configuram-se num importante eixo em torno do qual gravitam novas possibilidades de relacionamento entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, aproximando os problemas de sua solução e promovendo o empoderamento da população na medida em que possibilita a apropriação do conhecimento por parte desta. Destaca-se, dessa forma, que o processo de construção social da tecnologia é ponto central para o conceito de TS, o que se evidencia tanto nos princípios quanto no conceito, nos parâmetros e nas implicações.
A partir das considerações realizadas é possível concluir pela aproximação conceitual e analítica entre Inovação Social (IS) e Tecnologia Social (TS) em diversos aspectos, pois ambas possuem objetivos comuns de inclusão social e resolução de problemas sociais; desenvolvem-se fora do mercado; estão associadas às iniciativas do terceiro setor; são frutos de construção coletiva; visam e geram transformação social e; visam à sustentabilidade econômica, social e ambiental.
Adicionalmente, os aspectos inerentes à IS, citados por Neumeier (2012), também se fazem presentes no contexto da TS, especialmente quando colocadas em contraposição às Tecnologias Convencionais (TC), pois: 1) a TS, em virtude de seus propósitos de inclusão social e melhoria da qualidade de vida das pessoas, representa uma novidade em relação à TC com reais possibilidades de transformação social; 2) para que seja eficaz, a TS não prescinde da incorporação de determinados valores por parte dos atores que dela participam, tais como solidariedade, cooperação, participação, cidadania e democracia, causando uma mudança de comportamento generalizada e; 3) no contexto dos excluídos, a aplicação prática das TS gera resultados mais satisfatórios que a TC e, por essa razão, gera uma percepção coletiva de que é uma prática que vale a pena ser copiada.
Quanto à iniciativa para sua geração, tanto a TS quanto a IS pode ser iniciada por uma ampla gama de atores, incluindo ONGs, grupos comunitários, instituições, governos, empresas, acadêmicos, filantropos ou combinações destes grupos (Biggs et al., 2010). Entretanto, distintamente da TS, a IS não pode ser diretamente planejada e produzida. Isso se deve precipuamente à natureza imaterial da IS, a qual não poderia em nenhuma hipótese abarcar a materialidade das inovações técnicas desenvolvidas no contexto da TS, sendo estas apenas um resultado suplementar da mudança social produzida por aquelas. Portanto, trata-se em verdade de dois fenômenos interdependentes e complementares que dentro de uma dinâmica de evolução sociotécnica se legitimam reciprocamente. Ou seja, a IS enquanto mudança social produzida no interior de um meio inovador e criativo produz a ambiência necessária para que tecnologias alternativas (no caso, as TS) sejam desenvolvidas e socialmente legitimadas e, no caminho inverso, estas novas tecnologias induzem uma nova e legítima mudança social, a qual seria improvável com a utilização de tecnologias convencionais. Assim, IS e TS coevoluem e se constituem mutuamente, refutando as visões reducionistas do determinismo social e tecnológico, ao tempo em que geram uma ambiência socioeconômica capaz de induzir o desenvolvimento sustentável dos territórios rurais. A partir dessa perspectiva foi possível a formação do framework exposto na figura 1 abaixo.
Figura 1. Framework proposto
Fonte: Elaborado pelos autores
O framework proposto evidencia que novas ideias materializadas nas ações dos diversos atores têm o poder de mudar as instituições. Do ponto de vista institucional, a legitimidade dá validade às ações que modificam os sistemas sociais e, por conseguinte, geram uma inovação social que legitima o desenvolvimento de uma nova tecnologia social, dando inicio ao processo de evolução sociotécnica, cujo princípio básico é o condicionamento da sociedade pela tecnologia e vice-versa, onde ambas necessariamente devem compartilhar dos mesmos objetivos e valores.
Através da mudança social gerada pela IS valores como participação, cidadania, democracia, solidariedade, equidade, justiça social e responsabilidade ambiental são incorporados à sociedade, gerando uma ambiência social favorável ao DRSET. Por outro lado, os propósitos comuns de inclusão social, resolução dos problemas, demandas e necessidades da sociedade, melhoria das condições de vida da população, proteção e conservação dos recursos naturais e de promoção de um novo modelo de desenvolvimento social, econômico e ambiental sustentável dependem da materialização dessa mudança social em produtos, processos, práticas, técnicas ou metodologias que incorporem esses novos valores ao tempo em que dinamizam a economia do território, sendo este o papel das tecnologias sociais. Em síntese, o framework proposto busca evidenciar a complementaridade e interdependência dos fenômenos inovação social e tecnologia social, e a sua interação (evolução sociotécnica) como elemento transversal e multidimensional que gera a dinâmica socioeconômica necessária à indução do desenvolvimento sustentável nos territórios rurais brasileiros.
A proposição de um framework para analisar a relação entre as Inovações Sociais (IS) e Tecnologias Sociais (TS) no contexto do Desenvolvimento Rural Sustentável com Enfoque Territorial (DRSET) proporcionou relevantes contribuições teóricas e práticas. No campo teórico, ampliam-se sensivelmente as discussões em torno do marco analítico e conceitual da TS na medida em que se propõe uma nova perspectiva analítica que leva em consideração a sua complementaridade e interdependência em relação à IS, devendo esta ser interpretada como um fenômeno que precede àquela. No que concerne ao DRSET, o trabalho insere na discussão teórica um olhar inovador que o concebe como resultado do processo de evolução sociotécnica decorrente da interação entre inovação social e tecnologia social, perspectiva esta não considerada por Sepúlveda (2008) ao tratar do tema. No campo prático, a correta compreensão desses fenômenos e suas interações pode contribuir significativamente para o aperfeiçoamento das práticas dos diversos atores sociais e institucionais que desenvolvem atividades relacionadas ao planejamento, desenvolvimento, aplicação e difusão de tecnologias sociais ao tempo em que auxilia os técnicos e gestores públicos na formulação, monitoramento e avaliação das políticas de desenvolvimento rural baseadas nesse tipo de tecnologia. No entanto, em se tratando de um ensaio teórico, o presente trabalho apresenta como principal limitação a ausência de aplicação empírica para confirmação das relações ora apontadas, o que será objeto de estudos subsequentes.
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Este trabalho é parte integrante de um trabalho de tese de doutorado que está sendo desenvolvido junto ao Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Brasil.
1. Doutorando do Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Brasil. E-mail: rudrigootavio@yahoo.com
2. Professor Titular da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Brasil. E-mail: gacandido@uol.com.br