Espacios. Vol. 36 (Nº 11) Año 2015. Pág. 6

O estado e a transformação do território nas áreas de cerrado, a partir de 1970

The state and the transformation of the territory in cerrado areas, from 1970

Marlus Silva dos SANTOS 1; Janes Socorro da LUZ 2

Recibido: 17/02/15 • Aprobado: 15/04/2015


Contenido

1. Considerações Iniciais

2. A dinâmica territorial nas áreas de Cerrado a partir de 1970

3. A articulação do território: continuidade e descontinuidade

4. Considerações Finais

5. Referências


RESUMO:
O artigo analisa as transformações do território nas áreas de Cerrado, que antes eram vistas como um sertão longínquo e impróprio para a prática da agropecuária moderna. Mas, a ação do Estado contribuiu para alterar esta configuração territorial e imprimir uma dinâmica articulada aos interesses, internos e externos, do mercado. Esse processo inseriu técnicas e insumos modernos em locais de produção agrícola familiar, voltada para a subsistência. Nesse processo, a concentração fundiária ampliou, bem como a diversificação e o crescimento econômico, sobretudo pela projeção das atividades ligadas ao agronegócio, especialmente, no segmento agroindustrial a partir da década de 1970.
Palavras-chave: Território. Agropecuária Moderna. Agronegócio.

ABSTRACT:
The article analyzes the transformation of the territory in the areas of Cerrado, previously seen as a distant hinterland and unfit for the practice of modern agriculture. But state action helped to change this territorial configuration and print a dynamic articulated the interests, internal and external market . This process entered techniques and modern inputs in family agricultural production sites , aimed at subsistence . In this process , land concentration increased , and the diversification and economic growth , particularly by the projection of activities related to agribusiness , especially in agribusiness segment from the 1970s .
Keywords: Territory. Modern agriculture. Agribusiness.

1. Considerações Iniciais

Este trabalho objetiva analisar e discutir  o processo de inserção do Cerrado no cenário agropecuário nacional.  Considera que até pouco tempo, as áreas do Cerrado eram vistas como um sertão longínquo e inóspito, praticamente abandonadas "à própria sorte.", (OLIVEIRA E HESPANHOL, 2012 p. 04).  De modo geral, no território cerratense predominava,  por um lado, o sistema de produção alimentar  de base familiar e voltado para a subsistência. Esse sistema utilizava as áreas mais férteis para produzir grãos e, ao mesmo tempo, desenvolvia a pecuária extensiva. Por outro lado, havia também a grande propriedade onde se criava gado e se produzia para atender às necessidades básicas de manutenção da família rural.

Aos poucos o território cerratense foi sendo apropriado e anexado ao sistema produção que atendia aos interesses do mercado.  Nesse cenário, a atuação do Estado no processo de reordenamento das áreas do Cerrado passa a ser fundamental, quer no campo técnico-científico e implantação dos sistemas de infraestrutura, quer no fornecimento de créditos para a produção e criação de programas de desenvolvimento.  Pois, a partir da década de 1970, as relações de poder que o  Estado estabeleceu entre os diversos agentes políticos e econômicos se interpuseram para que esse território se transformasse de modo acelerado.

Entre as transformações que se destacam no território do Cerrado identificamos as questões ligadas ao desenvolvimento e introdução de técnicas modernas de produção agropecuária. Esse processo contribui para o desenvolvimento regional e influencia na diversificação e especialização produtiva que as áreas de Cerrado vivenciam na atualidade.  Por sinal, essa diversificação é responsável pelo desenvolvimento e projeção das atividades ligadas ao agronegócio, especialmente, o segmento agroindustrial. 

Com isso, o processo de expansão em direção às áreas de fronteiras no território cerratense promove um movimento que funciona nos dois sentidos, sua dinâmica, por um lado altera papéis tradicionais e, por outro cria novas atribuições.   Inclusive, Soja (1993) destaca que essas relações ocorrem em diferentes níveis e escalas e se alteram sem afetar, necessariamente a estrutura subentendida. Dessa maneira, produz-se o que Santos (1997b) denomina de coesão organizacional um novo sentido para região, que para Soja (1993, p. 143), "são pessoas, classes, formações sociais, coletividades espaciais, partes ativas e reativas da paisagem geográfica do capitalismo". 

E, se antes as áreas de Cerrado eram consideradas pouco produtivas, hoje, com a introdução das técnicas de correção do solo, adubação, irrigação e emprego de máquinas, a exploração econômica tornou-se significativa.  Entretanto, as inovações técnicas conduzem para uma maior dependência das áreas agrícolas em relação aos centros de difusão de tecnologia e de gestão.                

2. A dinâmica territorial nas áreas de Cerrado a partir de 1970

De acordo com  Ab'Saber (2003),  o Cerrado está localizado na porção central do território brasileiro com m predomínio de chapadões e depressões,  formas que não oferecem grandes problemas  para a mecanização agrícola.  Onde encontramos diferentes formações vegetais, desde veredas à matas ciliares, Cerrados abertos e cerradões, entre outras, (Figura 1).  Marcado pela sazonalidade do clima, no qual se destacam duas estações bem definidas, uma seca e outra chuvosa, apresentando uma rica rede hidrográfica que abastece as principais bacias hidrográficas do país.

Figura 01 - Brasil: Fisionomias do Bioma Cerrado no Estado de Goiás – 2007

 

Fonte:  Luz (2009)

Essas características naturais contribuíram para a apropriação do território para a produção agropecuária moderna. Em especial, após a década de 1970, quando a modernização das estruturas produtivas do setor agrícola ganhou força. 

A utilização das áreas de Cerrado como cenário para promover o processo de mecanização e expansão da agropecuária tem ligação direta com a visão de apropriação e expansão do território. De acordo com Martins (2009), essa expansão não é só um movimento pioneiro empreendedor que envolve um grupo de agentes que atuam direta e indiretamente nesse processo que atinge, por exemplo, "[...] pequenos agricultores que praticam uma agricultura de roça e no limite do mercado." (MARTINS, 2009, p. 135). Pois, tal movimento modifica sistematicamente as relações estabelecidas ali até a chegada da expansão, que "[...] constitui o ambiente oposto ao das regiões esvaziadas de população, rotineira, tradicionalista e morta.", (IDEM, 2009, p. 136).

A partir da associação entre os interesses estatais e capitalistas, conforme já destacamos, se estabeleceram as condições necessárias para estruturar o território, principalmente nas últimas décadas do século XX.  Um processo que se desenvolve por meio da implantação das redes técnicas e de infraestrutura ou sistemas de engenharia, fundamentais para a diversificação das atividades econômicas e para tornar mais complexas as relações sociais, cada vez mais centradas nas cidades, porém, indissociáveis do campo.  Nesse processo, torna-se relevante o papel do Estado e, respectivamente, das estratégias traçadas, objetivando o uso do território.  Para Santos e Silveira (2001, p. 21) "o uso do território pode ser definido pela implantação de infraestruturas [...] também pelo dinamismo da economia e da sociedade".  E, sobre a progressiva transformação do território nacional os autores acrescentam:

A história do território brasileiro é, a um só tempo, una e diversa, pois é também a soma e a síntese das histórias de suas regiões. Para entendê-la no seu processo e sua realidade atual, um esforço de periodização é essencial. [...] O trabalho se  complica porque o espaço acumula defasagens e superposições de divisões do trabalho – sociais e territoriais. (IDEM, 2001, p. 23).

Nesse sentido, a ação sistematizada e metódica do Estado é fundamental na explicação do processo de constituição nas áreas de Cerrado da região Centro-Oeste.  Pois, inerente ao movimento de articulação econômica do País, sempre esteve presente a atuação do Estado e seu discurso pela integração nacional.   Por sinal, com relação à macrorregião Centro-Oeste,  Steinberger (2003) considera que a mesma sintetiza essa dinâmica de produção do espaço brasileiro.  Para a autora, qualificam essa especificidade regional a posição geográfica centralizada e  a localização estratégica  que a conecta com as demais regiões brasileiras.  Uma característica fundamental para os interesses estatais de integração territorial do País.  E, também acrescenta:

Paralelamente, a marca síntese é conferida ao Centro-Oeste pelas características adquiridas a partir de simultâneos movimentos centrípetos e centrífugos, resultantes de políticas e programas estatais dirigidos a promover a interiorização do desenvolvimento do país por meio de um modelo agrário de capitalismo de fronteira, (STEINBERGER, 2003, p. 611).

O Estado, dessa maneira, é chamado a participar, generosamente, no processo criação dessas novas realidades, desempenhando diferentes papéis, como por exemplo: no estabelecimento de mediações; na normatização e regulação das relações; na planificação de ações e estratégias de desenvolvimento; além, do investimento e financiamento das atividades produtivas e sistemas de engenharia.  

Dessa maneira, pode-se exemplificar a atuação do Estado, em três momentos distintos: o primeiro, durante o Governo Vargas nas décadas de 1930 e 1940, quando se estabelecem as bases para a interiorização do povoamento com o projeto Marcha para o Oeste, implantando as colônias de Dourados no Mato Grosso e, principalmente, Ceres em Goiás [3]; o segundo, com o Governo de Juscelino Kubitschek  nas décadas de 1950 e 1960, com o desenvolvimento do Plano de Metas e a construção de Brasília; o terceiro momento, por sua vez, desenvolve-se a partir do anterior e atinge os dias atuais, envolvendo a fase militar e de abertura política.  O último momento se caracteriza, também, pela complexidade do cenário político e econômico nacional e pela intensificação do planejamento estatal. Para Steinberger (2003, p.616):

A ação estatal na macrorregião Centro-Oeste foi tão marcante que, não só a degradação ambiental e a progressiva perda da biodiversidade, como o próprio dinamismo da economia regional, podem ser atribuídas à maciça presença do Estado Nacional, que se iniciou na década de 1930 com os programa e projetos, públicos e privados de colonização, integração e interiorização da economia.

Nas últimas décadas do século XX, entre as iniciativas tomadas pelo Estado em relação ao Centro-Oeste a que mais repercutiu foi a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO) em 1967, com o objetivo principal de promover a coordenação e desenvolvimento regional, que de forma paralela respaldava os objetivos expressos pelos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs). 

Com as mudanças políticas que ocorreram no País com a abertura política, em 1989, instituiu-se o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), com recursos gerenciados, no Centro-Oeste, pelo Banco do Brasil, objetivando o financiamento do desenvolvimento regional e,  no ano seguinte houve a extinção da SUDECO.  Depois, em 1996, através da Secretaria Especial de Políticas Regionais do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO/SEPRE), foi criado o Programa Estratégico de Desenvolvimento do Oeste (PEDCO), abrangendo o Centro-Oeste e a franja amazônica (Tocantins, Rondônia e Acre).   Esse programa, segundo Cardoso (1998), Silva (2002) e Steinberger (2003),  previa a continuidade do FCO e a estruturação dos eixos moldais de desenvolvimento para ampliar a capacidade de escoar a produção e reduzir os, respectivos, custos, influenciando no desenvolvimento agroindustrial.

Em 2004, o Governo Federal recria a SUDECO, agora, Superintendência de Desenvolvimento Sustentável do Centro-Oeste (SUDECO), mas, somente em 2011, a SUDECO foi regulamentada por meio decreto presidencial nº 7.471, de 4 de maio de 2011. A SUDECO passou a atuar com maior autonomia financeira e capacidade de estabelecer diretrizes para a aplicação do FCO,  também de gerir os demais instrumentos: o Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste (FDCO); além dos incentivos e benefícios fiscais.  Só no triênio 2011-2013, a SUDECO repassou, entre convênios e termos de cooperação, o montante de mais de 150 milhões para os setores público e privado, conforme o Relatório de Gestão 2013 da SUDECO (2014).

Para  Diniz (1999, p. 177):

Ademais, é preciso lembrar que a eficácia da ação estatal não depende apenas da capacidade de tomar decisões com presteza, mas,  da adequação das políticas de implementação, o que por sua vez, requer estratégias que deem viabilidade política às propostas e aos programas governamentais.

Nesse sentido, a ação do Estado na implantação das redes de infraestrutura de transporte, comunicação e energia, torna-se um dado imprescindível, pois, esses elementos viabilizam as condições técnicas que permitem a ampliação do processo de apropriação e (re)produção.  Também, a disponibilidade de vias de transportes eficientes reduz os custos de produção e incentiva os investimentos que garantem a diversificação das atividades produtivas.   Porém, nem sempre o modal mais adequado é o dinamizado pelas ações estatais, como foi no caso brasileiro com a opção pelo transporte rodoviário.  Inclusive, ocorreu uma expansão  considerável na rede rodoviária do Centro-Oeste, em 1964 existiam 56. 213 km de rodovias na região, um número que subiu para 205.474 km em 2014, segundo dados do Ministério dos Transportes (2014). E, na atualidade, segundo Castilho (2007, p. 41):

Os investimentos em infraestruturas no território brasileiro, incluindo energia elétrica, telecomunicações, abastecimento de água, saneamento básico e transportes, através de privatizações, concessões de serviços públicos a empresas privadas e parcerias público-privadas, estão se tornando, gradativamente, um grande negócio para poucas empresas.

A crescente expansão das redes de transporte e energia ocorreram de modo concomitante com o crescimento demográfico da região e do processo de urbanização vivenciado nas áreas de Cerrado.  De acordo com dados censitários do IBGE, em 1970, a região Centro-Oeste concentrava 4,9% da população brasileira, sendo que em 2010 esse percentual alcançou 7,4%.  E, nas áreas de Cerrado  o percentual em 2010 foi de 24,51%  do total da população brasileira,  (IBGE, 2010).  No que tange ao processo de urbanização, em 1970 a população urbana do país correspondia a 55,9% da total e chegou a 84,4% em 2010, enquanto no Centro-Oeste os percentuais passaram no mesmo período de 48,1% para 88,8%, superando o percentual nacional, conforme dados censitários do IBGE (2010).

A rede urbana nas áreas de Cerrado,  de acordo com Soares e Bessa (1999, p. 32) "é determinada pelo dinamismo das atividades econômicas (processo de industrialização, fronteira agrícola e agigantamento do setor terciário) e pela localização dos centros de poder federal e estadual".  E acrescenta também:

A evolução da rede urbano nos Cerrados apresenta-se bastante difusa, pois ainda não se acentuaram as relações entre as cidades da própria região. Porém alguns centros encontram-se ligados diretamente à rede nacional. (SOARES e BESSA, 1999, p. 32).

Cohn (2009), ao discutir a questão das relações de poder e a produção de uma Estado de base nacional, reafirma o papel do Estado centralizador que influencia na apropriação do território e nas relações de poder que se subestabelecem com o crescimento, tanto econômico como demográfico. Então ao analisarmos tal fato é possível verificar que tal situação é ancorada  na economia e na política econômica do Estado.  Isso faz com que as áreas de Cerrado, na condição de território, sejam apropriadas pelos interesses e decisão dos que exercem o poder.  Nesse sentido, o Estado que se configura "é um Estado nacional que nos leva a nos sentirmos no direito a essa exigência", (COHN, 2009  p. 67).  O autor ressalva ainda,

Os processos de desenvolvimento econômico são também em ultima instância lutas de poder. São interesses de poder nacional sempre postos em questão, são os interesses últimos e decisivos que a política econômica de uma nação deve servir. (p. 69)

Por sua vez, para Giddens (2001, p. 42), o Estado é um elemento que " possui sentidos de linguagem comum, mas a ambiguidade não é particularmente preocupante para uma teoria social".  Assim, ele destaca que este Estado envolve todo um aparato imbricado e subordinado a um governo que exerce relações de poder. E, segundo Giddens (2001, p. 33), "Poder em um sentido bastante generalizado, significa a capacidade transformadora, a capacidade de intervir em um determinado cenário de eventos de forma a alterá-la".   Esse Estado passa então a interferir no cotidiano de uma determinada sociedade, em diversos âmbitos ou escalas.

Para Giddens (2001) o papel principal do Estado é ser órgão de pensamento social e que todo pensamento social surge do Estado. Ao comparar a análise desse autor com o discutido por Cohn (2009) é possível afirmar que o Estado apresenta três características: a existência de um suporte administrativo regular e capacitado; serve de sustentação do controle dos meios de violência; e, manutenção do monopólio dentro de uma determinada área territorial.

Frente ao Estado de Giddens, conforme a análise realizada por Cohn (2009 p. 73), "o Estado apenas atinge seu desenvolvimento pleno nos tempos modernos". É nesse cenário que verificamos a posição do Estado brasileiro,  no que tange a "apropriação" do território onde estão imbricadas as áreas de Cerrado. Dessa forma, as relações advindas desse processo observadas aqui são de poder.  O Estado, nessa perspectiva,  exerce o poder de forma soberana sobre seu território, onde se estabelecem as relações de poder. Aspecto que ressalva Arendt:

O "Poder", corresponde a habilidade humana de não apenas agir em unísono, em comum acordo. O Poder jamais é propriedade de um individuo e existe enquanto o grupo se mantiver unido. Quando dizemos que alguém "está no poder", estamos nos referindo ao fato de encontrar-se esta pessoa investida de poder, por um certo numero de pessoas para atuar em seu nome[...] (ARENDT, 1985, p.24 apud SOUZA, 2008, grifo do autor).

Ao tratar do processo de ocupação do território, Moraes (2002, p. 61) destaca que "Estado e território, dois conceitos profundamente entrelaçados no mundo moderno, em que o Estado é de imediato definido como  um Estado dotado de  um território".  E, acrescenta que "A construção política dessa Jurisdição pressupõe um domínio territorial  efetivo sobre uma  porção  de superfície terrestre[...]", (MORAES, 2002 p. 61).  O que podemos constatar e que nessa perspectiva o Estado e território são vistos de forma indissociável.

3. A articulação do território: continuidade e descontinuidade

Ao longo da constituição do território nas áreas de Cerrado é perceptível sua crescente e irrevogável apropriação em conexão com o avanço técnico-científico e informacional.  Pois, em um ritmo cada vez mais acelerado novas formas, estruturas, processos e funções passaram a compor o seu espaço, repercutindo de forma indissociável na dinâmica urbana e rural.  E, dessa forma, expressam uma realidade historicamente determinada sobre uma base territorial.

Dessa maneira, na relação estabelecida entre o centro e a periferia, cada parcela do território aos poucos se especializa e, conforme se aprofundam os vínculos, mais complexas se tornam os papéis e funções desempenhados e as relações [4] efetivada, bem como a divisão do trabalho estabelecida. Pois, como afirma Smith (1988, p. 152) "a divisão do trabalho na sociedade é a base histórica da diferenciação espacial de níveis e condições de desenvolvimento". 

Schneider e Tartaruga (2004), ao discutirem sobre as relações dinâmicas constituídas no território, destacam que o mesmo se estrutura de forma tanto descontínua como contínua. Acrescentam ainda:

[...] os territórios podem ser contínuos ou descontínuos. Os territórios contínuos são aqueles que possuem contigüidade espacial, os mais usuais, enquanto, os territórios descontínuos, os que não possuem uma contigüidade espacial[...] os territórios contínuos poderiam ser caracterizados por superfícies e os descontínuos, por pontos. Nos territórios descontínuos, em verdade, são apresentados espaços em diferentes escalas ou níveis de análise. Isto é, um território contínuo é um conjunto de pontos em rede numa escala determinada, no qual cada ponto representa um território contínuo, com forma e estrutura próprias e numa escala de menor dimensão. (SCHNEIDER E TARTARUGA, 2004,  p. 8).

Com base no proposto por esses autores, é possível perceber que os territórios são dinâmicos e se apresentam em diversas escalas. Ao pensarmos na integração do Cerrado como área de expansão e mecanização da agropecuária, observamos que essa faixa territorial é uma parte contínua do país no que se refere a espaço territorial.  Porém, também, engloba atividades que se distribuem de forma descontínua, entretanto, que se articulam por meio das redes, relações econômicas e empresariais.

Ainda nessa perspectiva, devemos compreender que o território é o espaço usado e apropriado, (SANTOS e SILVEIRA, 2001). O território é criado e recriado, pois a  sociedade que integra esse território sempre está em construção, e este é usado por esta sociedade mutável tornando-se da mesma forma palco de mudanças constantes. Portanto, o território é dinâmico e, essa dinâmica, atinge interesses corporativos.

Por sua vez, Hasbaert e Limonad (1999, p. 09) "No território, o espaço material, concreto torna-se uma mediação da construção das relações de poder." E, assim, torna-se perceptível, conforme Costa (2006),  um cenário no qual o Estado e os agentes como, por exemplo, as corporações, exibem conflitos advindos das relações entre capital/trabalho. Para tanto, exercem o seu poder,  utilizando de forma direta os recursos existentes nas áreas do Cerrado, ou  indiretamente  em função do processo constante de globalização [5].  A globalização "é atualmente um dos termos mais frequentemente usados e mais poderosos em nossas imaginações geográficas e sociais.", (MASSEY, 2008, p. 125). 

Portanto, se antes o território do Cerrado era impróprio para as práticas modernas de agricultura e pecuária, hoje, ele foi apropriado e passou a fazer parte de um contexto integrado às exigências do mercado globalizado. Para que isso ocorresse foram desenvolvidas técnicas de intrumentalização desse solo e poder produzir de forma igual ou maior que nas regiões onde essas práticas já estavam consolidadas, (Grifo nosso).

Ainda ao tratar do território, Moraes (2002), na perspectiva histórica, o visualiza  na perspectiva de mudança constante, pois para o autor,  sem Estado  não há território.  Aspecto com o qual concorda Heidrich (2013, p. 3),  ao destacar a " [...] a ocorrência do completo desenvolvimento das relações que estabelecem a condição territorial, exige uma manifestação generalizada de um poder". E, acrescenta também:

[...] o território é antes de tudo uma relação que envolve apropriação, domínio, identidade, pertencimento, demarcação, separação. E, se apenas parte destas características estão presentes, creio que podemos considerar a ocorrência do seu princípio, ou seja, do princípio da territorialidade. (HEINDRICH, 2013, p. 3)

E, nessa perspectiva, no mundo moderno, o território é condição sine in qua non de Estado,  e esse é dotado de certa dimensão que compreende a detenção o poder.  No caso do Brasil,  esse Estado se caracteriza mais por apresentar um lado voltado para o  senso comum,  marcado por sua ligação com as relações de poder que exerce.  Mas, o Brasil de acordo com Marcon e Pasinato (2012), é um Estado de concepção burguesa:

[...] a experiência brasileira difere de outros países nos quais a burguesia emergente entra em luta com monarquias, aristocracias e nobrezas até chegar ao poder. No Brasil ocorrem mais ajustes do que processos revolucionários. Decorrem disso várias implicações, entre as quais, a natureza conservadora da transição e a desconsideração por direitos humanos e sociais universais que foram bandeiras importantes da burguesia, especialmente na França. A burguesia no Brasil busca de todas as formas neutralizar os avanços e conquistas sociais e políticas. As transformações que ocorrem desde o final do século XIX são fundamentais para uma compreensão crítica do papel do Estado e da sua função pública (MARCON e PASINATO 2012, p. 5).

O que podemos constatar com essa afirmação é que no Brasil todas as diretrizes tomadas pelo poder central têm como foco beneficiar a burguesia  industrial e, junto a essa, os grandes latifundiários, que fazem parte da burguesia, e empresas responsáveis por alavancar o processo de modernização da agropecuária.

Ou seja, este território não é constituído somente do que compreende seu domínio, sendo assim, as relações de poder por parte do Estado foram preponderantes na questão da apropriação das áreas de Cerrado.  Assim, no processo de apropriação do território cerratense não foram consideradas as nuances da população que  vive nessas áreas. 

Nesse prisma,  até mesmo uma construção política e econômica, pois este é de construção econômica, cada vez mais voltada para as necessidades de um mundo globalizado, e  em virtude disso, se passa a construir  uma infraestrutura e um mercado considerável, o que também não deixa de ser uma concepção jurídica desse Estado território, que tem que ser reconhecida perante o restante do mundo e também uma concepção ideológica com bases psicológicas.

4. Considerações Finais

O que se verificou no Brasil, principalmente após a década de 1970, foi a transformação do território cerratense que se mantinha por uma agricultura de base familiar e de subsistência, para um cenário no qual a modernização das estruturas técnicas e produtivas  trouxe contigo a mudança sistemática da região, onde agora a produção seria voltada para o mercado externo, transformando a dinâmica local e as condições  de vida de seus habitantes.

O território apropriado, então, passou a atender aos interesses do mercado, exigindo o reordenamento do território  das áreas do Cerrado para adequá-lo aos novos tempos.  E, as relações que vieram por meio desse reordenamento, fizeram com que, em busca de uma produção cada vez mais técnica e mecanizada, as práticas de agropecuárias fossem, gradativamente, substituídas por novas, direcionando os trabalhadores para outras localidades, no caso, as cidades. Essas se tornaram polo receptor desse trabalhador rural que agora trabalha no campo, mas, que vive na cidade.

Assim, acontece nas  áreas Cerrado é um processo de modernização de ordem conservadora, ou seja, o que modernizou foram as técnicas e  o manejo, porém  as estruturas  fundiárias e sociais mantiveram as características que qualificam o referido processo como excludente, repleto de contradições e  conflitos. Apesar de o processo contribuir para o crescimento regional e influenciar na diversificação e especialização produtiva que as áreas de Cerrado na atualidade.  Por sinal, essa diversificação é responsável pelo desenvolvimento e projeção das atividades ligadas ao agronegócio, especialmente, o segmento agroindustrial. 

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STEINBERGER, M. (2003); O significado da Região Centro-Oeste na espacialidade do desenvolvimento brasileiro: uma análise geopolítica In BRANDÃO, C. A. (org.) Regiões e cidades, cidades nas regiões: o desafio urbano-regional. São Paulo: Editora UNESP:ANPUR.


1Graduado em História pela UEG, Especialista em Docência no Ensino Superior pela Faculdade Apogeu, Mestrando em Ciências Sociais e Humanidades pelo Programa de Mestrado – Territórios e Expressões Culturais do Cerrado – TECCER, Professor da Faculdade Montes Belos – FMB. marlustmpr@hotmail.com

2 Doutora em Geografia, discente do Pós Doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia, sob orientação da Dra. Beatriz Ribeiro Soares. Docente da Universidade Estadual de Goiás e Programa TECCER. jnsluz@hotmail.com

3 Outra ação associada ao período Vargas é a Construção de Goiânia na década de 1930, com importantes repercussões na estruturação do território goiano.

4 Conforme Rafestin (1993) existem relações bilaterais e multilaterais: no primeiro caso, existem dois atores principais o demandante, quem compra o trabalho, e o ofertante, quem vende ou oferece, com isso as relações são restritas e imediatas, envolvendo os atores principais e as organizações que estabelecem as regras e normas; no segundo caso,  " a relação nasce em um dado lugar e para um dado lugar, num dado momento e por uma duração determinada ou indeterminada" (IDEM, 1993, p. 33).  Nesse último sentido, as relações são constituídas por diferentes elementos: os atores e suas políticas, intenções e finalidades; as estratégias empregadas; os códigos; além, dos  elementos temporais e espaciais.
5 Muitos historiadores afirmam que este processo teve início nos séculos XV e XVI com a grandes navegações e descobertas marítimas. Neste contexto histórico, o homem europeu entrou em contato com povos de outros continentes, e estabelecendo relações comerciais e culturais. Porém, a globalização efetivou-se no final do século XX, logo após a queda do socialismo no leste europeu e na União Soviética. O neoliberalismo, que ganhou força na década de 1970, impulsionou o processo de globalização econômica.



Vol. 36 (Nº 11) Año 2015
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