Espacios. Vol. 35 (Nº 11) Año 2014. Pág. 14
Thiago FRANCO 1; Ana Carolina Pessoa TEMER 2;
Recibido: 14/07/14 • Aprobado: 22/08/14
Multimediações: perspectivas da televisão
RESUMO: |
ABSTRACT: |
Uma pergunta sem resposta exata. Mas fazer esse questionamento nos ajuda entender que a comunicação compõe a organização do arranjo social. Para esse artigo, das diversas definições existentes, a comunicação pode ser entendida como uma estratégia de negociação ou interações de sentido negociado.
As ciências humanas, sociais e sociais aplicadas não têm uma pretensão para a exatidão. Um sinal é a grande quantidade de tentativas distintas de responder tal questão. Além disso, devem ser levadas em consideração as mudanças tecnológicas que vem influenciando na forma de comunicar.
O objetivo é investigar o sentido de comunicação especificamente no que se entende como 'Teoria das Mediações', argumento debatido desde o século XX. Pretende-se ao mesmo tempo mostrar como tal abordagem vem se renovando pra explicar fenômenos relacionados à comunicação, que se apresentam nesse começo de século XXI.
A metodologia se concentra em uma investigação bibliográfica dos autores Jesús Martín-Barbero, Guillermo Orozco e por último Carlos Scolari. Todos apresentam particularidades e pontos de vista que agregam valores importantes para o estudo das mediações, a partir de particularidades que de certa forma coexistem no mesmo ambiente.
É bem verdade que há outros pesquisadores atuantes na mesma perspectiva, como Nestor Canclini e Manuel Martin Serrano, mas parece ser os três que se dedicam em ampliar as mediações com foco nas tecnologias. Orozco (2012, p.20) lembra, por exemplo, que Martin Serrano aborda somente as grandes mediações (cognitivas e estruturais), aludindo à capacidade dos meios e das mídias se colocarem de forma ideológica e tecnicamente entre sistema social e sujeitos sociais.
Martín-Barbero é integrante da uma tradição latino-americana, na qual a ideia de hegemonia gramsciana se faz sempre presente. Ele elabora uma perspectiva das mediações, voltada para o processo de recepção, no qual a cultura e a comunicação são integrantes primordiais para essa abordagem. O teórico pensa a comunicação a partir da cultura e a recepção a partir da comunicação. Para definir o valor comunicação em Martín-Barbero, se faz necessário entender o contexto da mediação. É importante dizer que a definição de mediação tem vários significados, para diversos autores. Em Martín-Barbero, a ideia é se mostra complexa. Mas, este trabalho entende que a leitura de Orozco (1997) explica bem o termo, ao analisar as mediações de Martín-Barbero.
Martín-Barbero (1986) define as mediações como: o lugar desde onde se dá o sentido das comunicações. O mundo do trabalho, o da política, a produção cultural, são então fontes de mediação dos processos comunicativos. Mas, existem outras muitas mediações. A etnia, o gênero, as identidades da audiência, as instituições sociais as quais pertence e os movimentos e organizações cidadãs, nas quais participa, são também mediações que vão conformando os resultados de suas interações com os meios. Os mesmos meios e suas características intrínsecas, determinação políticas e economias, suas lógicas de produção e transmissão, seus layouts e estilos, são uma mediação. Assim como as mesmas audiências, sempre situadas, tanto como membros de uma cultura e de varias comunidades de interpretação, como em tantos indivíduos com um desenvolvimento específico, repertórios, esquemas mentais e roteiros para sua atuação social.[3] (OROZCO, 1997, p.28, tradução nossa)
Contudo, a partir do prefácio da 5º edição "Dos meios às mediações" aparece um gráfico que Martín-Barbero (2009, p.16) apresenta melhor essa ideia. Trata-se de um mapa das mediações.
Figura 1 – Mapa das Mediações
Fonte: Adaptado de Martín-Barbero (2009, p.16)
Martín-Barbero (2009, p.16) explica que o esquema move-se nos eixos diacrônico e sincrônico. O diacrônico é aquele que mantém o deslocamento entre as matrizes culturais (MC) e formatos industriais (FI). Já o sincrônico é o movimento entre as lógicas de produção (LP) e as competências de recepção, ou consumo (CR).
Desse gráfico, momentaneamente, nos vale ressaltar que: o movimento MC / FI agencia formatos hegemônicos de comunicação coletiva; a sociabilidade cria um contexto de relações cotidianas, espaço da práxis comunicativa, resultado dos usos coletivos da comunicação; dentro da perspectiva da LP dever ser levado em consideração a estrutura empresarial, a competência comunicativa (basicamente é a conquista de públicos consumidores), e a competitividade tecnológica.
Quando se fala em tecnicidade, Martín-Barbero (2009, p.18-19) se preocupa em exigir que não se confunda comunicação com técnica, ou com os meios, pois isso implicaria em um resultado deformador. O filósofo acredita que em determinada época, a comunicação ganhou importâncias descabidas.
A importância crucial que os processos de comunicação começaram a adquirir na última terça parte do século XX teve uma expressão inflada e não obstante certeira em "tudo é comunicação", que veio significar, muito além do nascimento de outro "ismo", a obscura percepção de que algumas das contradições capitais de nossa sociedade passam hoje por esse novo eixo em torno do qual giram não só gigantescas inversões, mas também algumas decisões políticas e culturais estratégicas. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p.123)
E acredita que o 'tudo é comunicação' se ancorou na perspectiva informacional e logo achou seu sentido "comunicação, não é mais que informação" (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 124).
Em outro ponto, Martín-Barbero relembra que a informação começou a ganhar autonomia desde muito cedo e é notável a partir dos primeiros jornais. O capital criou uma necessidade de circulação de informação. Dessa forma, a informação passou a se "converter em objeto de cálculo econômico, em atividade econômica autônoma", (MARTÍN-BARBERO, 2004, p.77).
Assim, ainda na primeira metade do século XX, surge um paradigma informacional que tenta dar conta das respostas que a comunicação exige.
Tudo isso avalizado pela 'seriedade' da matemática e da engenharia, capazes de oferecer, com a cibernética, um modelo amplo e globalizante. Que a teoria da informação conseguiu dar conta da organização-transmissão-armazenamento da informação, e que isso supôs a invenção de um modelo a partir do qual pensar de maneira fecunda problemas que vão da biologia e engenharia à medicina, isto é inegável. Mas daí a pensar que o modelo informacional é capaz de dar conta dos processos sociais de comunicação há um abismo. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 124)
Para ele, o paradigma não se sustenta. Há um mapa de sentidos, no qual se pode dizer que a informação é a parte mais manipulável do processo de comunicação. Quem detém o poder manipula a informação ao seu favor. A imprensa, por exemplo, manipula seu produto (informação) da maneira que agrada as instituições das quais pertence. Obedecem, sim, as leis da credibilidade, mas é inegável "que hoje temos é uma imprensa publicitária", (MATÍN-BARBERO, 2004, p.80).
É fato que Martín-Barbero entende os fenômenos do novo século também por intermédio da informação. Ele entende que o que acontece na atual 'sociedade da informação' é a forma de relação entre processos simbólicos e as formas de distribuição dos bens e serviços.
Mas está evidente que informação é algo distinto do que se investiga aqui. O conceito de comunicação fica mais claro quando se explica as relações sociais.
A sociabilidade dá nome à trama de relações cotidianas que tecem os homens ao se juntar, e nas quais se ancoram os processos primários de interpelação e constituição do sujeito e identidades. Isto é o que constitui o sentido de comunicação como questão de fins e não só de meios, enquanto mundo da vida que se insere, e desde onde opera, a práxis comunicativa. No comunicar, mobilizam-se e se expressam dimensões básicas do ser social: tanto aquelas desde as quais as coletividades se constrói e permanece, tecendo as negociações cotidianas com o poder, como aquelas outras nas quais eclode a luta pra minar a ordem. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 231)
Em outras palavras, as interações de sentido negociado é o que constituem a comunicação em Martín-Barbero. Perspectiva que ganha importância no processo de mediação, na interação face a face, na recepção, na sociabilidade praticada na família, no bairro, em outras instituições sociais, e ainda, no engendrar das tecnologias, dos meios como produtores, reprodutores e alimentadores de sentidos.
Um ponto interessante dessa passagem é o uso das expressões: práxis comunicativa e mundo da vida. Não existe coincidência nas cartografias do suporte barberiano. Apesar de criticar, o filósofo o tempo inteiro busca sua ancoragem em Habermas. Por esse motivo, no sentido de pensar a comunicação, Marcondes Filho (2008) os coloca de um mesmo lado.
Entretanto, Martín-Barbero (2004) revela uma visão que parece ter coerência, em relação ao processo do poder. A partir de Gramsci, essa relação entende o poder de duas formas tencionais: pela repressão/força e pela hegemonia. Essa última acontece pela cumplicidade, sedução e fascinação. Por esse motivo pensar a sociedade atual, apenas pelo consenso e pela ausência de tecnologias, é quase impossível.
O pesquisador lembra ainda, que existem determinadas ritualidades remetidas ao nexo simbólico, que sustenta toda a comunicação e é o que resiste no processo de reconstrução simbólica. É dessa maneira que "ao mesmo tempo repetição e inovação, âncora na memória e no horizonte aberto. É o que no intercambio há de forma e de ritmo", (MARTÍN-BABERO, 2004, p. 231)
Outro ponto importante que ele levanta é o da institucionalidade, que vai desde o Estado regulamentar a comunicação como serviço público até o mercado converter a liberdade de expressão em produtos direcionados para o comércio. Aqui cabe o debate da comunicação como direito/dever e porta de acesso para a cidadania.
Martín-Barbero propõe abrir a comunicação por intermédio de uma ação participativa, mas leva em consideração sempre a máxima da ideia de tecnologia, hegemonia, operando pelos três elementos: cumplicidade, sedução e fascinação. Afinal, em meios tradicionais analógicos "não é qualquer um que tem direito de falar, nem todos podem falar de tudo" (MARTÍN-BARBERO, 2004, p.71).
Guillermo Orozco é um dos autores que vão transformar as mediações em algo empírico, executável metodologicamente. Para construir os próximos raciocínios se faz necessário destacar três conceitos chaves: o primeiro é a televidencia; outro é o entendimento de scripts; e por último as 'multimediações'.
Orozco (1998, p. 170) também entende a televisão como um ambiente que não é neutro e sim uma instituição. Mais do que isso é uma tripla dimensão: instituição, meio e tecnologia. Logo esse fator desencadeia diversos tipos de interação e isso é um dos argumentos que vai levar o pesquisador a falar de multimediações.
Televidencia é o processo de ver televisão, mas não é simplesmente ser audiência da TV. Orozco (1996, p.112) lembra que os processos de televidencia constituem uma área de conflito que envolve aspectos culturais, políticos, econômicos, de mediações e é nessa perspectiva que instituições distintas e hegemônicas disputam a opinião pública.
Assumir o telespectador como sujeito – e não só como objeto – frente à TV supõe, em primeiro lugar, entendê-lo como um ente em situação e, portanto, condicionado individual e coletivamente, que 'se vai constituindo' como tal de muitas maneiras e se vai também diferenciando como resultado da sua particular interação com a TV e, sobretudo, das diferentes mediações que entram em jogo no processo de recepção. (OROZCO, 2005, p. 28-29)
A televidencia é uma espécie de contrato. Ideia que Orozco (2010, p. 23) toma emprestado de Eliseo Verón para direcionar a televisão, que ele chama de 'Contrato de televidencia'. Assim podemos dizer que existem várias formas de ler a televisão e não necessariamente as leituras ocorrem durante o ato de ver TV. O telespectador pode continuar as interações antes, durante, depois e em ambiente diferentes das transmissões.
É nessa perspectiva que surge a ideia de script. Segundo Orozco (2005, p.32) os scripts são sequências importantes para a sobrevivência cultural que se aprendem na interação social desde muito cedo, ainda durante a idade na qual o bebê interage com os que o rodeiam e isso continua ao longo da vida.
Orozco (2005, p.33) leva para o lado cognitivo/educacional. Os scripts que servem como guias estão presentes nas mais diversas de instituições, nas quais não restringe a vivencia do telespectador a televisão. O cidadão se faz nas mais diversas instituições, que determinam regras diferentes em cada ambiente: na presença da família, do bairro, escola, da TV entre outros.
Assim Orozco (2005, p.29-36) defende a existência de mais de uma mediação:
O que Orozco faz é desdobrar a teoria das mediações culturais, de Martín-Barbero, mas numa perspectiva da televisão analógica e linear. Ele explica melhor como as mediações se ocorrem de acordo com as diversas formas de ver televisão.
Dessa forma existe um deslocamento da questão problema da comunicação. Orozco (2005, p.28), diz que durante várias décadas, uma pergunta entre os pesquisadores da comunicação é predominante: O que a TV faz com o telespectador? A resposta obedece ao modelo 'Efeitos dos Meios', tanto para potencializar os efeitos positivos, como para expor seu impacto negativo. Em outro momento surgiu o interesse em saber: o que faz o telespectador com a TV? Esse questionamento, já obedece ao modelo de pesquisa de 'Usos e Gratificações'.
Contudo, o autor propõe a pesquisa focada em outro deslocamento, no qual a pergunta se apresenta da seguinte forma: como se realiza a interação entre as diversas instituições envolvidas no processo de comunicação? Essa é a pergunta chave, "o ponto de partida para as análises da recepção na pesquisa sobre a TV" (OROZCO, 2005, p.28).
O fato é que com as mudanças e as ampliações tecnológicas a TV não se manteve isolada nesse processo. Assim, o pesquisador redimensiona o pensamento sobre TV e começa a usar a palavra 'tela' para designar uma nova mediação. Ele afirma que "as hipermediações seriam estas novas mediações que as tecnologias estão introduzindo não apenas na dimensão tecnológica, mas em todas, dentro da interatividade crescente dos novos dispositivos e as suas interfaces".[4] (OROZCO, 2010, p.21, tradução nossa).
Guillermo Orozco faz essa afirmação baseado em outro teórico da comunicação. Trata-se de Carlos Scolari, um pesquisador da semiótica, mas que adota grande parte dos estudos culturais ingleses e latinos. Interessante essa mistura. Scolari é argentino e isso pode ser mais uma prova de como os latinos gostam de tecer caminhos diversos. Ele mora na Espanha desde a década de 1990 e atualmente compõe o corpo de docentes da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona [5].
Se o panorama no mundo anglo-saxão aparecia tempestuoso, na América Latina se anunciava ventos com probabilidade de temporal. Segundo Orozco Gómez, os estudos latino-americanos dos anos noventa se distinguiam por seu mediacentrismo marcado. Investigava-se demais a televisão e muito pouco os novos dispositivos digitais. (SCOLARI, 2008, p.57, tradução nossa) [6]
Scolari (2008) faz referência à demora no interesse dos latino-americanos sobre o estudo das interfaces e das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Enquanto no final dos anos de 1990, nos EUA, se publicava 20 livros dia sobre a internet e o futuro das novas tecnologias, os latinos ainda se ocupavam com os estudos dos meios em linha.
Scolari (2008) faz todo um apanhado sobre as principais escolas que influenciam a comunicação no mundo ocidental. A partir disso mostra a diversidade de posições teóricas, a dificuldade de comunicação entre os fundamentos, e como algumas dessas perspectivas passam do estudo em linha, para o em rede. Ora se apresenta teorias já totalmente focadas no mundo virtual, ora se apresenta a coexistência de teorias que trafegam entre o analógico e o digital. Parece tentar uma apresentação da convergência teórica de acordo com o surgimento das TICs. Dessa forma, o principal esforço é definir o que se entende por hipermediações, conceito que começa com as mediações culturais de Martín-Barbero e passa pelas multimediações de Orozco. O quadro abaixo relaciona as principais diferenças entre as mediações culturais e a proposta de hipermediações.
Quadro 1: Principais diferenças das mediações
Mediação |
Hipermediação |
Características do processo |
|
Suportes analógicos |
Suportes digitais |
Estruturas textuais lineares |
Estruturas textuais reticulares |
Consumidor ativo |
Usuário colaborador |
Baixa interatividade com a interface |
Alta interatividade com a interface |
Modelo de difusão 'um a muitos', fundado no broadcasting (rádio, televisão e imprensa) |
Modelo de difusão 'muitos a muitos', fundado por colaboração (wikis, blogs, etc.) |
Confluência/tensão entre massivo e popular |
Confluência/tensão entre o reticular/colaborativo e o massivo |
Monomedialidade |
Multimedialidade |
Características de investigação |
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Estuda-se telenovela, o teatro popular, produtos informativos, os grafites, entre outros. |
Estuda-se a confluência de linguagens e apropriação de novos sistemas semióticos |
Um olhar desde o popular (se investiga o processo de construção do massivo desde as transformações das culturas subalternas) |
Um olhar desde o participativo (se investiga a convergência dos meios e de apropriação de novas lógicas colaborativas) |
Espaço político territorial (constituição deslocada do nacional-moderno) |
Espaço político virtual (constituição deslocada do global pós-moderno) |
Fonte: Adaptado de Scolari (2008, p.116)
Obviamente a tabela pode cair em reduções perigosas. O próprio autor a usa para fins didáticos, mas explica tópico por tópico. Um problema aparente é a o posicionamento do 'usuário colaborador', que não deixa de ser consumidor. Em outro ponto, Scolari (2008, p.99) resgata a figura do 'prosumidor', uma mistura entre produtor e consumidor. O usuário, a partir das TICs passa de espectador pra alguém que participa ativamente do processo.
De acordo com Scolari (2008, p.254) os usuários passam a usar as interfaces não apenas como meros dispositivos, mas como ambiente para a negociação das interações. Definição típica de comunicação das mediações culturais, no entanto, agora obedecendo às imposições no âmbito da cibercultura.
O quadro 1 conota essas imposições. Conota, pois dizer que o sentido exato está todo contido seria um risco, um reducionismo. Essa mudança de perspectiva ocorre, pois "as tecnologias não só transformam o mundo, mas também influenciam na percepção que os sujeitos têm desse mundo" [7] (SCOLARI, 2008, p. 273, tradução nossa).
Se antes Orozco (1994) falava sobre autonomia relativa das audiências, nas quais sobravam poucos espaços na mídia tradicional para se participar (as interações ocorriam no âmbito das instituições tradicionais), atualmente é comum encontrar textos de Orozco (2010) expondo às diversas formas de participar utilizando telas distintas.
Interessante, pois o sentido de interação ganha destaque no processo comunicacional. Orozco (2012, p.41-42) diz que a interação atual com diversos dispositivos não é apenas a maneira de comunicar-se, informar-se ou divertir-se, mas é o próprio meio de sobrevivência. No entanto 'um meio' que está relacionado ao entretenimento. O ato de comunicar é entretenimento por redes sociais, consumindo tecnologias e hardwares, entre outros.
Se comunicar como forma preferida de se entreter permite a sobrevivência contemporânea, então o que existe para explorar é o 'entretenimento humano', a diversão e suas mediações mercantis que a determinam e boa medida, em quanto o mercado vai implantando suas regras e condições no sistema lúdico/mediático/informático de hoje e para o futuro [8]. (OROZCO, 2012, p.41, tradução nossa)
Orozco (2012, p.45), tenta não perder de vista a questão cultural e política obedecendo à tradição barberiana. Note que desde o mapa das mediações a comunicação, cultura e política ocupam o espaço central. Ele lembra que tanto a comunicação, como a tecnologia e a cultura coexistem em relação à mensagem. Na verdade, o pesquisador convida a pensar sobre além do 'meio é a mensagem'. Existem relações bem mais complexas de cunho cultural que interferem na apropriação da mensagem e apenas uma visão crítica poderia perceber isso.
Tanto Orozco (2012) como Scolari (2008) não desmerecem McLuhan, ao contrário, é referência obrigatória e eles recuperam mais autores clássicos. Alguns [9] até afirmam que McLuhan é o profeta de revolução digital. Dessa forma "hoje não podemos deixar de ler McLuhan e Enzensberger desde o digital. É mais, em certa maneira poderia se dizer que estamos condenados a reler todas a teorias de comunicação de massa a partir do digital" (SCOLARI, 2008, p.155).
Hans Magnus Enzensberger é filósofo e poeta alemão, que na década de 1970 elaborou uma 'teoria socialista dos meios de comunicação'. Scolari (2008, p.145) intitula o capítulo, no qual aborda tal teoria como "As utopias digitais" e mostra uma série de autores que fizeram previsões de décadas anteriores e que hoje são referências bibliográficas.
É surpreendente Scolari (2008) colocar Enzensberg e McLuhan lado a lado. No mesmo livro que elabora sua teoria, Enzensberger faz críticas severas a McLuhan.
Incapaz de qualquer elaboração teórica, McLuhan não resume seu material em um termo, mas no denominador comum de um ensinamento reacionário da salvação. Contudo, o que ele não inventou, mas foi o primeiro a realizar de forma explícita, foi uma mística das mídias, na qual todos os problemas políticos evaporam como névoa – aquela névoa azul com que ela ilude seus discípulos. (ENZENSBERGER, 2003, p.81)
Scolari (2008, p.150-155) não cita e não entra no posicionamento do filósofo alemão. O seu esforço é destacar o que Enzensberger (2003) contribuiu para a teoria da comunicação. Entre elas pode-se destacar: a percepção que os meios já estavam conectados entre si; a diferença entre emissor e receptor como própria divisão social; a dificuldade dos emissores terem controle total sobre a comunicação; propõe uma rede de comunicadores, o que dificultaria o controle centralizado; o conceito de 'fatores de interferência', que Scolari (2008, p.151) interpreta como a definição de vírus; a partir do ativismo político e de políticas públicas sugere meios igualitários e em rede, nos quais qualquer pessoa pode ter acesso.
A relação conectada entre os meios sugere o nosso próximo e último tópico, no qual está relacionado à convergência. Dentro dessa perspectiva se nota mais um tipo de mediação: a transmediação. É importante destacar que o conceito de convergência não se trata de monopólio ou propriedade cruzada de uma empresa de comunicação.
Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídias, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e o comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca da experiência que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando. (JENKINS, 2009, p.29)
Assim, de acordo com Henry Jenkins a convergência não apresenta o fim das mídias tradicionais. O que existe é "sempre um processo e não um ponto final" (JENKINS, 2009, p43). O que antes existia apenas de forma analógica passa atuar em digital e em rede num processo de coexistência que incluem e transformam as formas de produção e de consumo.
Há 11 anos Jenkins (2003) publica um artigo na Technological Review, de acordo com a teoria da convergência, no qual explica como as ficções podem ser construídas de forma transmedia, para fortalecer personagens. Ele diz que a forma ideal da transmedia storytelling (narrativa transmedia), é a história expandida através de televisão, cinema, romances, quadrinhos, e seu mundo pode ser explorado e experimentado ainda através de jogos. Dessa forma você não precisa ter visto um filme para desfrutar do jogo e vice-versa.
Orozco (2010, p.18) obedecendo a leitura de Jenkins (2009) tenta fazer uma divisão e estabelece as seguintes formas:
Primeiro ele entende que a 'trasmedialidade' é a característica, na qual um produto midiático elaborado inicialmente para ser um produto 'transmedia' assume ao transitar por diversas plataformas. É uma novela pensada para a televisão que transita no celular ou no You Tube;
Em seguida apresenta o conceito 'transmediação' que é a definição "conhecida como transmedia storytelling" (OROZCO, 2010, p. 18), mas pensado pelo caminho do prosumidor, voltado para a relação da televisão e TICs. Ou seja, é a nova tendência que inclui uma série interações de fãs em relação a toda ficção televisiva e o ato de contar histórias. São as narrativas criadas, reinterpretadas, resignificadas e reproduzidas por esses fãs. Dessa forma, eles podem pensar e compartilhar suas próprias construções e até mesmo antecipar desenlaces que estariam previstos, nos produtos televisivos.
Já Scolari (2013, p.25) entende a transmedia storytelling como uma adaptação de uma linguagem a outra, um mundo narrativo que abarcam meios e linguagem, e dessa forma supera a narrativa pensada inicialmente ao criar outros personagens. Assim, a dispersão textual é o fio condutor que forma uma complexa rede de personagens e situações.
No ano passado, Jenkins (2013) escreve outro artigo fazendo uma releitura do termo e o publica na revista francesa Terminal. Ele expõe em boa parte do texto interpretações e novas posições sobre o conceito de transmedia storytelling e em dos tópicos intitulado 'Aqui está a minha própria definição', o pesquisador tenta reposicionar a teoria diante de tantas interpretações:
A transmedia storytelling representa um processo, no qual os elementos de uma ficção são dispersos sistematicamente através de múltiplas plataformas mediáticas com o objetivo de criar uma experiência de divertimento unificado e coordenado. Idealmente, cada meio traz sua própria contribuição para o desenvolvimento da história. [10] (JENKINS, 2013, p.13, tradução nossa)
Para finalizar a atualização, Jenkins (2013, p.13-17) coloca três condições que devem ser observadas toda vez que se fala em narrativas transmedia: intertextualidade radical; multimodalidade; e a participação do consumidor.
Intertextualidade radical resumidamente é a possibilidade de produtor surgir no interior de um só meio e ao mesmo tempo pode igualmente se desenvolver através de séries distintas ou mesmo através de formatos diferentes. A intertextualidade radical é o processo de dispersão e tem lugar essencial na transmedia storytelling.
A multimodalidade é um conceito que Jenkins (2013) toma emprestado de Gunther Kress, um teórico semiótico. Ele descreve como o encontro de diferentes meios de comunicação influencia a sua relação comunicativa e diz que uma das tarefas da abordagem semiótica da multimodalidade é descrever os desafios e as limitações inerentes em qualquer modo. O discurso, por exemplo, pode usar a materialidade do som; escrever o conteúdo das imagens. Mas há coisas que podem ser feitas com som e que não podem ser feitas com o material gráfico. Está relacionado aos vários modos de se comunicar. Dessa forma a análise se amplia para explorar como as histórias são contadas em várias plataformas de mídia, pensando o conceito multimodalidade como fluxo transmidiático.
Por último pode ser destacado engajamento das empresas para a produção das narrativas e ao mesmo tempo do consumidor para decifrar a complexidade de cada uma delas, pois uma das "chaves da transmedia e o engajamento é criar uma relação com os fãs, através do oferecimento frequente de oportunidades para os fãs participar do desenvolvimento das histórias" [11] (JENKINS, 2013, p.17, tradução nossa)
Esse artigo tratou a comunicação a partir de dois eixos: a perspectiva da mediação (mediações) e a questão da tecnologia, colocando em debate como essas ferramentas começaram a ganhar uma importância proporcional às mudanças de comportamento dos consumidores e das instituições de comunicação.
A análise aponta como o conceito de mediações vai se moldando ao longo do tempo e sendo reinterpretado, numa tentativa de se manter a essência fundamental que é relação da comunicação com cultura e a política.
Ao mesmo tempo pode ser percebido o esforço de uma teoria se manter atuante, Neste sentido foram analisados os conceitos de Multimediações, Transmediações e Hipermediações, representam o esforço dos estudiosos das mediações em manter a coesão teórica e a aplicabilidade da teoria, mas, sobretudo, como interferências nas formas de pensar a comunicação sem perder o espaço de disputa sobre a comunicação. A percepção é de que estes conceitos e seus usos reafirmam mais ainda como campo e continuam a estabelecer um estado de relação de força entre os agentes e/ou as instituições.
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1 Mestrando do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás, email: thiagofranco730@gmail.com
2. Pós Doutoranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro e professora do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás, email: anacarolina.temer@gmail.com
3. Martín-Barbero (1986) ha definido a las mediaciones como «el lugar desde donde se otorga el sentido a la comunicación». El mundo del trabajo, el de la política, la producción cultural, son entonces fuentes de mediación de los procesos comunicativos. Pero, además de éstas, hay otras muchas mediaciones. La etnia, el género, las identidades de la audiencia, las instituciones sociales a las que pertenece y los movimientos y organizaciones ciudadanas en las que participa, son también mediaciones que van conformando el resultado de sus interacciones con los medios. Los mismos medios y sus características intrínsecas, determinaciones políticas y económicas, sus lógicas de producción y transmisión, sus lealtades y estilos, son una mediación. Así como lo son las mismas audiencias, siempre situadas, tanto como miembros de una cultura y de varias comunidades de interpretación, como en tanto individuos con un desarrollo específico, repertorios, esquemas mentales y guiones para su actuación social. (OROZCO, 1997, p.28)
4. Las hipermediaciones, serían esas nuevas mediaciones que las tecnologías están introduciendo no solo en la dimensión tecnológica sino en todas, dentro de la interactividad creciente de los nuevos dispositivos y sus interfaces. (OROZCO, 2012, p.21)
5. Informação disponível em: < http://www.upf.edu/decom/es/directori/scolari.html >. Acesso em: 13 de jun. 2014.
6. Si el panorama en el mundo anglosajón aparecía tormentoso, en America Latina se anunciaban vientos con probabilidad de chaparrones. Según Orozco Gómez, los estudios latinoamericanos de los años noventa se distinguían por su marcado mediacentrismo. Se investigaba demasiado a la televisión y muy poco a los nuevos dispositivos digitales. (SCOLARI, 2008, p. 57)
7. Las tecnologías no sólo transforman al mundo sino que también influyen en la percepción que los sujetos tienen de ese mundo. (SCOLARI, 2008, p.274).
8. Si comunicarse como forma preferida de entretenerse permite la sobrevivencia contemporánea, lo que hay que explorar entonces es la "entretención humana", la diversión y sus mediaciones mercantiles que la determinan en buena medida, en tanto el mercado va implantando sus reglas y condiciones en el sistema lúdico/mediático/informático de hoy y para el del futuro. (OROZCO, 2012, p. 41).
9. JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009, p.37.
10. Le transmedia storytelling représente un processus dans lequel les éléments d'une fiction sont dispersés systématiquement à travers de multiples plateformes médiatiques dans le but de créer une expérience de divertissement unifiée et coordonnée. Idéalement, chaque médium apporte sa propre contribution pour le développement de l'histoire. (JENKINS, 2013, p.14)
11. Une des clés du transmédia est que l'engagement crée une relation avec les fans, souvent à travers la mise en place d'opportunités pour les fans de participer au développement de l'histoire . (JENKINS, 2013, p.17)