Espacios. Vol. 34 (10) 2013. Pág. 15 |
O ambiente tecnológico e a competitividade da agricultura familiar produtora de leite em Passo Fundo e Região (Brazil)The technological environment and competitiveness of family farms producing milk in Passo Fundo and Region (Brazil)Raquel Pereira de SOUZA 1 y Antônio Márcio BUAINAIN 2 Recibido: 22-08-2013 - Aprobado: 01-10-2013 |
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RESUMO: |
ABSTRACT: |
IntroduçãoNas últimas décadas o sistema agroalimentar tem passado por um intenso processo de reestruturação que reflete em parte mudanças tecnológicas, institucionais e de mercado que são específicas às várias cadeias agroindustriais. Observa-se uma forte concentração dos mercados agropecuários globais, um forte acirramento da concorrência e o estabelecimento de novas condições de competitividade, caracterizadas por uma maior sofisticação dos padrões de consumo, com implicações imediatas sobre os processos produtivos e qualidade da matéria-prima utilizada, pressão para tecnificação na produção agropecuária com o objetivo de ampliar a escala de produção e a qualidade da matéria-prima. Uma das consequências do processo de reestruturação na cadeia produtiva do leite é a mudança do perfil do produtor de leite, no sentido de aumento de escala e qualidade da matéria-prima, desfavoráveis aos produtores de leite da agricultura familiar brasileira, que em geral não são especializados, produzem em pequena escala, de forma fragmentada e nem sempre perto das unidades de processamento. Contudo, há um conjunto de aspectos que podem assegurar a competitividade da produção da agricultura familiar, mesmo na produção de commodities. E há evidências que comprovam a competitividade destes agricultores, pelo menos na produção de leite. Uma indicação é a concentração de investimentos industriais em regiões onde a produção de leite é basicamente realizada pela agricultura familiar (região Sul do Brasil). Segundo informações coletadas por Pigatto, Souza e Morais (2009), dos 27 investimentos que foram realizados pelo setor lácteo em aumento de capacidade produtiva no período de 2007 a 2010, 14 deles estão localizados no Sul do país, sendo 7 no Rio Grande do Sul, mais especificamente na região Noroeste do estado, onde estão localizadas as cidades de Carazinho, Palmeira das Missões, Ijuí e Passo Fundo, nas quais predomina a produção familiar. No entanto, como explicar a escolha dessa região por grandes empresas que estão realizando investimentos para aumentar a capacidade produtiva sem considerar que estas bacias leiteiras são formadas, preponderantemente, por agricultores familiares, se estes não fossem “competitivos”? Diante de um contexto de especialização e elevação de escala produtiva não é trivial identificar a competitividade de produtores familiares de leite, que enfrentam limitações de recursos produtivos, são apontados como avessos ao risco e conservadores na adoção de tecnologias, enfrentam maiores dificuldades para acessar mercados de insumos e têm restrições para ampliar a escala de produção. Portanto, torna-se relevante compreender as fontes da competitividade desses produtores familiares, principalmente, os aspectos relacionados à questão tecnológica necessário para atender as exigências do mercado de leite. Tendo isso em vista, o presente artigo busca investigar como o ambiente tecnológico tem sido determinante para o alcance da competitividade da agricultura familiar produtora de leite na região de Passo Fundo (Rio Grade do Sul - Brasil), diante das maiores exigências quantitativas e qualitativas que vem ocorrendo nessa atividade produtiva nas últimas décadas. 1. Novos padrões de competitividade na produção de leiteDestarte, o processo de reestruturação do setor lácteo brasileiro gerou, basicamente, dois tipos de impactos para os produtores de leite: 1) maior pressão para ampliação da escala de produção; 2) maior exigência em relação à qualidade do leite produzido. A pressão pela ampliação da escala de produção surge, principalmente, das empresas que industrializam o leite. O aumento da concorrência nesse segmento tem levado as empresas a manter, preferencialmente, em seu quadro de fornecimento os produtores com maior escala de produção, essencial para racionalizar a logística das empresas, reduzir os custos de captação e melhorar o gerenciamento da qualidade, dentre outros. As empresas têm ainda incentivado os produtores a adotarem a tecnologia de resfriamento de leite denominada de resfriador de expansão (ou resfriador a granel), que permite a adequada manutenção do binômio tempo/temperatura do leite (de forma a evitar a deterioração da matéria-prima). Além da manutenção da qualidade do leite, o uso dessa tecnologia permite coletar o leite a cada 48 horas, em substituição à coleta diária. Por si só a imposição do tanque já exigiria elevação de escala para patamares superiores ao viável para um grande número de produtores. Outro instrumento que as empresas têm utilizado para fomentar a ampliação da escala de produção é a bonificação por quantidade produzida, ou seja, quanto maior a produção, maior o preço pago pelo litro de leite. Algumas iniciativas com vistas a induzir os produtores de leite a melhorarem a qualidade da matéria-prima leite têm sido desenvolvidas. Em âmbito governamental a mais importante ação neste sentido foi a publicação da Instrução Normativa 51 de 2002 (IN – 51/2002) do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), que consiste num amplo conjunto de medidas sanitárias que devem ser observadas, desde a ordenha até o transporte da matéria-prima ao local de processamento (Brasil, 2002). As empresas têm ainda aplicado a política de bonificação por qualidade, ou seja, de acordo com a composição do leite. Assim, uma maior presença de componentes, tais como lactose, gordura ou proteína, agregariam um valor a mais ao preço recebido pelo produtor por litro de matéria-prima. Assim, a IN 51, juntamente com as políticas de bonificação por quantidade e por qualidade, têm sido criticada por contribuir para a promoção da exclusão de produtores de leite da agricultura familiar brasileira. Esses aspectos tem induzido os produtores da agricultura familiar a incorporarem tecnologias visando atender as novas demandas e assim permanecerem na atividade produtiva. 2. A competitividade e o ambiente tecnológicoNo presente artigo o termo competitividade compreende “(...) a capacidade de uma empresa, setor ou indústria de produzir mercadorias com padrões de qualidade que sejam específicos, que sejam requeridos por mercados determinados, de forma a utilizar recursos em níveis iguais ou inferiores aos que prevalecem em indústrias ou empresas (...) durante certo tempo” (Haguenauer, 1989, p.13). Utilizou-se como base analítica o modelo de análise da competitividade proposto por Souza (2011) voltado a compreensão da competitividade da agricultura familiar, e que está representado na Figura 1. Segundo esse esquema a competitividade das unidades dos agricultores familiares seria condicionadas por fatores interrelacionados que intervém em seis dimensões distintas. São elas: 1) o ambiente organizacional, 2) o ambiente institucional, 3) o ambiente tecnológico, 4) o ambiente competitivo (que envolve os mercados A e B da Figura 4) que a empresa se insere na cadeia produtiva; 5) as características edafoclimáticas e 6) a disponibilidade dos fatores de produção. Figura 1 - Marco de análise da competitividade na agricultura familiar. Os ambientes organizacional, institucional e tecnológico envolvem toda a cadeia produtiva na qual os agricultores familiares estão inseridos, apresentando-se como condicionantes gerais e ao mesmo tempo determinantes das estratégias e da competitividade dos produtores. O ambiente competitivo, identificado na Figura 1 como sendo compostos pelos mercados A e B afetariam somente as empresas localizadas nos elos que fazem parte desse mercado. Já as características edafoclimáticas e a disponibilidade de fatores de produção afetariam diretamente as estratégias das firmas, ou seja, a estratégia dos agricultores familiares. A partir da ação simultânea dessas seis dimensões os agricultores familiares edificam sua estratégia de ação. Esta, por sua vez, conduzirá (ou não) a uma posição de competitividade dos mesmos. Segundo Souza (2011) a materialização dessa estratégia se manifesta na composição e funcionamento dos principais sistemas produtivos utilizados, uma vez que estes refletiriam as escolhas dos produtores diante de seu objetivo de reprodução social da família e considerando a existência de um conjunto das relações internas e externas a propriedade, entre a propriedade agrícola e meio no qual está inserida. Dufumier (1996) conceitua sistemas de produção como sendo parte de um sistema agrário e uma combinação coerente no espaço e no tempo, de determinada quantidade de trabalho, seja familiar ou assalariada, de meios de produção (terra, máquinas, demais insumos) que permitem auferir diferentes produções agrícolas e/ou pecuárias. 2.1 Caracterizando o ambiente tecnológicoA relação entre inovação, tecnologia e competitividade é bem estabelecida na literatura (Tigre, 2006). As inovações permitem melhor uso dos recursos produtivos, que pode reduzir os custos de produção, elevar a produtividade geral dos fatores, melhorar a qualidade dos produtos e ou diferenciá-los dos demais concorrentes, permitindo um melhor posicionamento em relação à concorrência. A inovação não é somente motivada pelo desejo de estar à frente da concorrência, mas muito frequentemente pela necessidade de não ficar atrás e de adquirir conhecimento e capacitação suficiente para copiar e absorver o conhecimento e inovações de outros. Nesse sentido, o que estamos chamando de ambiente tecnológico é determinante para a competitividade das empresas. Para Rogers (1971, p.11) a inovação “é uma ideia, prática ou objeto que é percebido como novo por um indivíduo ou outra unidade de adoção (...). A percepção de novidade da ideia pelo individuo determina sua reação a ela. Se a ideia parece nova para o indivíduo, essa é uma inovação”. Uma vez internalizada pela empresa a inovação torna-se uma tecnologia. No presente trabalho compreende-se por ambiente tecnológico os elementos externos às unidades produtivas que influenciam, diretamente, o perfil de adoção de inovações tecnológicas pelos agricultores. Estes elementos estão relacionados com: a) as trajetórias tecnológicas e a existência de tecnologia apropriada , no caso, para a agricultura familiar, b) o caráter social do aprendizado e do conhecimento para os processos de inovação e difusão e c) os determinantes da adoção de tecnologias. Argumenta-se que esses três aspectos interfiram no nível tecnológico dos agricultores familiares e assim são determinantes para sua competitividade. Esses três aspectos estão fortemente vinculados ao “local”, à cultura local/regional, às instituições existentes e suas práticas, à densidade do tecido social, às experiências vividas pela comunidade, de sucesso e ou fracasso, enfim, à própria história local. Todas estas dimensões conformam o que estamos chamando de ambiente tecnológico, que pode ser mais ou menos propício para estimular e viabilizar as inovações, e que em muitos casos configuram Sistemas Locais de Inovação (SLI). a) As trajetórias tecnológicas e a existência de tecnologia apropriadaA inovação pode ser vista como resultante de uma interação dinâmica entre os produtores de tecnologia, os consumidores da tecnologia e o ambiente no qual estão inseridos. No caso da agricultura, embora se reconheça diferentes fontes de inovação, sustenta-se que na maioria das vezes as inovações têm origem nas indústrias à montante da agricultura (Vieira Filho, 2009; Possas et. al. 1996) Possas et. al. (1996) identificam 5 principais fontes de inovação na agricultura: 1) Fontes Privadas relacionadas às Empresas Industriais; 2) Fontes Institucionais Públicas; 3) Fontes Privadas relacionadas às Agroindústrias; 4) Fontes Privadas de Organização Coletiva sem Fins Lucrativos; 5) Fontes Privadas relacionadas à Oferta de Serviços. Além destes, as unidades de produção também são fontes de inovação, não apenas por meio do aprendizado e adaptação como também por meio da interação com as demais fontes que incorporam as unidades como participantes da P&D, testes e lançamentos de novas tecnologias. Vieira Filho (2009) aponta que os agricultores não são receptores passivos de inovações produzidas fora pelo setor à montante e/ou à jusante da agricultura. Tanto as firmas produtoras de bens e serviços para a agricultura como as consumidoras de bens agropecuários têm grande interesse em transformar seus produtos e serviços inovadores em inovações, e para tanto é necessário que os produtores as adotem e as incorporem em seus processos produtivos e práticas de gestão. Por isto é que na agricultura a adoção tem um status especial, o de que a decisão de adotar uma tecnologia é fundamental para o processo de difusão tecnológico e para o sucesso das firmas produtoras de bens e serviços nos quais vão embarcadas as tecnologias. Neste contexto, a troca de informações entre os produtores e o demais agentes da cadeia produtiva, principalmente do segmento a montante, é de grande relevância para a definição da trajetória tecnológica, para a adoção e ritmo de difusão da tecnologia. b) O caráter social do aprendizado e do conhecimento para os processos de inovação e difusãoO alcance da vantagem competitiva e dos ganhos produtivos do conhecimento tecnológico estão também relacionados a capacidade de gerenciamento do produtor no uso da nova tecnologia, sendo que essa capacidade depende, por sua vez, da experiência e do conhecimento do produtor. Lundvall (1992) argumenta que o aprendizado é um processo interativo e socialmente envolvido, portanto, deve ser compreendido tendo em vista seus contextos cultural, histórico e institucional e, dessa forma, sofre influencia do local (espaço) onde se desenvolve. O conhecimento tácito na agricultura familiar envolve o conhecimento passado de “pai para filho”, a cultura, as interações sociais vivenciadas, bastante enraizadas na comunidade onde se vive. Ademais, as competências são acumuladas com base no conhecimento e habilidades adquiridos anteriormente. Dessa forma, a trajetória tecnológica seguida pelos agricultores familiares tem um alto conteúdo de conhecimento tácito acumulado em várias gerações. A difusão, vista como “(...) um processo pelo qual uma inovação é comunicada através de certos canais ao longo do tempo entre os membros de um sistema social” (Rogers, 1971, p. 5) não tem lugar num entorno abstrato, mas num determinado contexto econômico, social e institucional. O estabelecimento de relacionamentos sistemáticos entre diferentes agentes acabam por favorecer a interação, o que amplia o intercâmbio de informações, possibilitando assim formas e fontes de aprendizado e de difusão. Nesse sentido, Lundvall (1992) argumentam que a proximidade envolvida nos sistemas de inovação, como o SLI, permite uma maior disponibilidade de recursos específicos, bem como, um maior relacionamento entre firmas e atores institucionais, o que facilita a utilização dos recursos por causa da homogeneidade cultural. Essa constatação torna-se ainda mais relevante quando se considera a realidade da agricultura familiar pelo fato da mesma estar, em geral, fortemente inserida em lógicas produtivas locais. Dessa forma, o processo de aprendizado do agricultor familiar e, portanto, seu conhecimento é fortemente determinado pelas interações a que estão submetidos no local. c) Os condicionantes para a adoção de tecnologiaA adoção de tecnologia se refere à decisão de qualquer indivíduo ou organização de fazer uso da inovação. Para Rogers (1971, p. 21) é "(...) o processo através do qual um indivíduo ou outra unidade tomadora de decisão passa do primeiro conhecimento de uma inovação para o sentido de formar uma atitude em direção à inovação, decidir se adota ou rejeita implementar a nova ideia e confirmar esta decisão”. Os condicionantes que determinam a adoção de inovações podem ser de diferentes naturezas: econômica, ambiental, social, psicológica e/ou cultural. Rogers apresenta os seguintes elementos, dentre outros, considerados na construção da percepção (aspectos subjetivo portanto) dos potenciais adotantes de inovações tecnológicas
Buainain et. al. (2002) identificam um conjunto de fatores objetivos que podem acelerar ou retardar o processo de adoção de tecnologias por parte dos agricultores. São eles: 1) Características socioeconômicas do produtor e sua família que se relacionam a experiência, tradição, capacidade de obter e processar informações, o que denota a importância da escolaridade e da formação profissional; 2) Grau de organização dos agricultores, à medida que a associação permitiria o alcance de uma escala mínima necessária para a adoção de determinada opção tecnológica torna-se importante para condicionar a adoção. Além disso, o associativismo permite uma maior pressão política, maior acesso a informação e troca de experiências; 3) Disponibilidade e acesso à informação permite maior conhecimento sobre o funcionamento da tecnologia e outras questões relacionadas à sua adoção. 4) Risco é um condicionante, já queo processo de avaliação para a adoção das tecnologias é influenciado pelas. Dessa forma, mecanismos institucionais, privados e outros arranjos institucionais ampliam os mecanismos de proteção, reduzindo a percepção de risco; 5) Disponibilidade de mão-de-obra, pois muitas tecnologias intensificam ou reduzem o uso de mão-de-obra, tornado a existência de oferta de trabalho na região importante para a decisão da adoção; 6) Fatores sistêmicos se referem aos aspectos legais (como normas sanitárias e fitossanitárias), as políticas econômicas (agrícolas, comerciais e cambiais) dentre outros. 7) Serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural condicionam, uma vez que são um veiculo importante de acesso à informação sobre os diferentes aspectos da tecnologia a ser adotada. Considerar somente os fatores subjetivos como somente os objetivos limitam a compreensão dos determinantes da adoção de tecnologias por parte dos agricultores familiares. Dessa forma, torna-se relevante considerar ambos na análise de como se conforma a decisão da adoção de tecnologias. 3. MetodologiaA metodologia de pesquisa utilizada neste trabalho é a do estudo de caso, realizado na região de Passo Fundo (que compreende-se os municípios de Não-Me-Toque, Passo Fundo, Mato Castelhano, Marau, Vila Maria e Casca, todos no estado do Rio Grande do Sul) conforme Figura 2. A seleção desses municípios se justifica pela importância como uma bacia leiteira dinâmica que atraiu importantes investimentos agroindustriais. As informações foram coletadas por meio de pesquisa documental, dados do Censo Agropecuário e da Pesquisa Pecuária Municipal de diferentes anos (ambos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e entrevistas. A natureza da pesquisa é essencialmente qualitativa, e teve como objetivo identificar, a partir do relato dos entrevistados, os fatores relacionados ao ambiente tecnológico percebidos como determinantes para explicar a sobrevivência e expansão da produção leiteira na região.
Figura 2 - Localização de Passo Fundo e Região. Ao todo foram entrevistadas, em março de 2010, 34 pessoas, sendo 19 produtores de leite da agricultura familiar e 15 informantes qualificados que atuavam em instituições envolvidas com o fenômeno pesquisado. No caso dos produtores a seleção dos entrevistados buscou incluir produtores da agricultura familiar que representassem os principais perfis produtivos (tamanho e tipo de sistema de produção desenvolvido) conhecidos na região, tendo como base as orientações do guia metodológico de diagnóstico de sistemas agrários. Para tanto foi construída uma amostra dirigida contendo os produtores mais representativos de cada sistema de produção (que envolviam a produção de leite) previamente identificado. Como aponta a metodologia de diagnóstico dos sistemas agrários "o que interessa num primeiro momento não é a representatividade estatística da zona estudada, mas sim abranger a diversidade de produtores e de sistemas de produção existentes (...) Por isso, é importante que sejam escolhidos estabelecimentos e sistemas de produção que revelem a diversidade e as tendências identificada" (Garcia Filho,1999). A definição dos principais sistemas de produção representativos deu-se a partir da pesquisa sobre sistemas de produção realizada por Fritz Filho (2009), bem como a partir do levantamento feito pelos próprios autores junto a informantes qualificados da região 4. Ambiente tecnológico: determinando a competitividadePasso Fundo e região encontram-se no chamado Noroeste Rio Grandense e atualmente, detém cerca de 2,5%, da parcela da população do estado do Rio Grande do Sul (Ibge, 2010). Pelo seu tamanho e dinamismo econômico, a cidade de Passo Fundo é tida como polo econômico da região. Entre as atividades econômicas, principais, de Passo Fundo, destacam-se, a indústria processadora de alimentos, a indústria de máquinas e implementos agrícolas, a construção civil e serviços de saúde de referência nacional. A produção de leite na região de Passo Fundo (RS) não é recente, no entanto, inicialmente não como atividade comercial, mas sim com o objetivo de subsistência das famílias. Somente nas últimas décadas é que a produção de leite vem ganhando cada vez mais espaço como atividade voltada para geração de renda na região. Segundo dados da Pesquisa Pecuária Municipal de 2009 (Ibge, 2009) a microrregião de Passo Fundo é a quinta maior bacia leiteira do Brasil. Na região cerca de 82% da produção de leite vem de propriedades da agricultura familiar e cerca de 90% dos produtores de leite pertencem a agricultura familiar (Ibge, 2006). 4.1 Análise do ambiente tecnológicoUm primeiro aspecto que chama a atenção é a histórica relação dos produtores daquela região com as tecnologias. Essa relação tem em seu bojo as políticas públicas de incentivo à produção de soja e trigo com base tecnológica moderna, que foram iniciadas na metade do século passado. Até 1940 a produção de trigo no estado manteve-se estagnada, atendendo basicamente o autoconsumo de quem produzia. A partir de então é posta em prática uma série de incentivos governamentais (Dal´moro e Rückert, 2004). Por volta de 1965, a dinâmica agroindustrial da região é intensificada com o aumento da lavoura empresarial da soja, estimulada por uma gama de incentivos fiscais e políticas de financiamentos públicos. Nesse momento consolida-se a existência do binômio trigo-soja voltado a comercialização em detrimento do enfraquecimento do policultivo. Como ambas as atividades atendiam tanto ao mercado interno quanto externo recebiam incentivos agrícolas facilitando o processo de adoção de técnicas mais avançadas (Mantelli, 2006). Essa relação histórica entre produtor e tecnologias foi ainda posteriormente fortalecida (década de 1980), com a disseminação da prática de Plantio Direto, que fez com que os produtores se abrissem à mudança tecnológica e aceitassem a incorporação de novas tecnologias. No caso do Plantio Direto, o desenvolvimento e disseminação desta forma de manejo pelos órgãos de extensão rural nos anos de 1980, como forma de combater a perda de solo decorrente de práticas agrícolas inadequadas na região, segundo os entrevistados, fez com que os produtores se vissem obrigados a adotar as tecnologias necessárias à realização daquele manejo, caso contrário teriam suas áreas corroídas pelas erosões. Assim, o que se pontua nesse sentido, é que os produtores da região, são abertos a novas ideias, novas tecnologias e essa mentalidade decorre de uma longa história de acesso as mesmas que foi deliberadamente incentivada pelo poder público seja na concessão de crédito subsidiado seja na disseminação de tecnologias e apoio dos órgãos de extensão oficiais na sua difusão e adoção. Nesse sentido, os produtores daquela região não veem as novas tecnologias com complexidade, desconfiança e aversão, mas como novas oportunidades de ampliar os ganhos e reduzir o trabalho. Essa relação antiga dos produtores com a tecnologia associada aos efeitos da revolução agrícola da década 1970 gerou um padrão produtivo moderno na região que já teria ocasionado a exclusão de muitos produtores. Ou seja, vem ocorrendo um processo de seleção que teve início nos anos de 1970 na agropecuária da região que fez com que permanecesse na atividade aqueles produtores que conseguiram acompanhar esse processo de inovação tecnológica (Mantelli, 2006). Segundo Souza Filho et. al. (2004) o modelo implantando pela revolução agrícola, que foi baseado na disseminação das tecnologias químicas, biológicas e mecânicas teve incidência dentro do público dos agricultores familiares apenas no Sul do Brasil. Um segundo aspecto relevante no ambiente tecnológico que tem contribuído para a competitividade da produção de leite na região é a existência de políticas públicas de crédito, as quais tem criado condições financeiras para os agricultores adotarem as principais tecnologias, tais como, o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) dentre outros. Assim, dos 19 produtores entrevistados, 10 deles acessaram o Pronaf na linha Mais Alimentos e 7 acessaram o Pronaf na linha Investimento nos últimos anos, financiando tecnologias vinculadas (direta ou indiretamente) a produção de leite. De forma geral, as principais tecnologias que tem sido utilizadas pelos produtores com o objetivo de ampliar a qualidade da matéria-prima são a ordenhadeira e os refriadores a granel. Dos 19 produtores entrevistados todos eles afirmaram utilizar ordenhadeira e 14 resfriadores a granel. A mudança tecnológica dos produtores de leite na região tem tido grande impulso com a Normativa 51, mas também as bonificações dadas pelas empresas para ampliação da qualidade e da quantidade, bem como, a falta de mão-de-obra. No caso da ordenhadeira dos 19 produtores que possuíam a tecnologia 15 deles responderam que passaram a utilizar com o objetivo de tornar mais rápido a ordenha, economizando mão-de-obra e tornando mais fácil o desenvolvimento do trabalho, enquanto 4 produtores responderam que o objetivo principal foi alcançar maiores níveis de higiene e qualidade do leite. No caso dos resfriadores a granel, dos 14 que possuíam a tecnologia a maioria deles (9 produtores) apontam a opção por adquiri-lo com o intuito principal de melhorar a qualidade do leite e 5 afirmaram que o fizeram com o objetivo de auferir ganhos maiores com a bonificação que as empresas pagam por litro para quem tem o equipamento. Nesse sentido, os produtores percebem que a adoção dessas tecnologias lhe proporciona vantagens e/ou redução da incerteza. Outro aspecto relevante para a adoção de novas tecnologias e práticas para alcançar melhores padrões de qualidade pelos produtores, segundo um dos entrevistados, decorre da percepção destes da importância da atividade leiteira importante para sua dinâmica econômica e social, que está calcada em vários fatores: a) a capacidade de absorver força de trabalho marginal; b) a geração de uma renda mensal para as famílias; c) possibilidade do uso de áreas não nobres da propriedade; d) o aproveitamento de sinergias existentes entre a pecuária de leite e outras atividades; e) o envolvimento histórico (vindo de várias gerações) com a atividade (Ferrari et. al., 2005). A adoção das tecnologias, principalmente, para agricultores familiares que enfrentam restrições de terras e de recursos, passa ainda pela adequação destas as suas necessidades e capacidades (de financiamento). Assim, os equipamentos (ordenhadeira e resfriadores a granel) voltados à produção de leite sofreram adaptação em suas dimensões para atender ao público da agricultura familiar que não possuem escala de produção como os produtores especializados para os quais estes equipamento foram idealizados. Muitas fábricas locais ou regionais e mesmo multinacionais passaram a produzir esses equipamentos sob encomenda e com dimensões mais adequadas a realidade dos produtores que encomendavam. Concomitantemente a esse processo de uma maior adequação das tecnologias à realidade da agricultura familiar da região, os investimentos em genética, alimentação, dentre outros acabaram, por sua vez, elevando a produtividade e, portanto, a escala de produção, ampliando assim as necessidades em termos de capacidade de resfriamento da matéria-prima. Houve, portanto, um ajustamento tecnológico tanto por parte das empresas que ofertam as mesmas, mas também por parte dos agricultores, demonstrando que tanto a demanda quanto a oferta se adequaram a realidade do mercado. A organização dos produtores também deve ser destacada como relevante para o acesso e adoção de tecnologias na região. Os entrevistados colocaram que a prática cooperativa/associativa é bastante disseminada na região, dado que a mesma é uma herança cultural dos colonos descendentes de imigrantes europeus. Nos países europeus o associativismo é uma forma clássica de enfrentar as adversidades climáticas e mercadológicas (Souza Filho et. al., 2004). De fato, essa adesão generalizada ao cooperativismo/associativismo é verificada na região. Todos os 19 produtores entrevistados afirmaram serem associados ao menos a uma cooperativa. Na região, além de haver um elevado de organização dos produtores, o mesmo possui um caráter fortemente reivindicativo, o que influencia positivamente para adoção tecnológica e maior eficiência dos produtores. Nesse sentido, a facilidade encontrada na região para organização dos produtores em grupos, associações, cooperativas comparativamente a outras regiões onde há dificuldade de organização dos mesmos, contribuiu ao longo do tempo para o acesso a políticas de crédito, para a adoção de tecnologias, constituição de infraestrutura gerando assim condições para o desenvolvimento da atividade de produção de leite se desse em bases competitivas. Como foi constatado, as mudanças tecnológicas e nas práticas produtivas são orientadas, principalmente: pela assistência técnicas das empresas/cooperativas e/ou pública que os mesmos mantêm relação (aspecto citado por 16 produtores), pelas conversas, visitas e trocas de experiências com outros produtores (aspecto citado por 8 produtores). Assim, a interação entre os diferentes atores envolvidos com a atividade leite na região, através da prestação de assistência técnica, vida comunitária, participação em organizações produtivas tem permitido a troca de informações e um aprendizado tecnológico dos produtores. É importante ressaltar ainda que existe um padrão acumulativo do aprendizado tecnológico na região. A maioria dos produtores relataram que aprenderam como produzir leite com seus país e utilizam ainda hoje muito do conhecimento repassado por esses. No entanto, a necessidade de melhorar e ampliar a produção tem levado os produtores a adotarem práticas e tecnologias mais eficientes que aquelas utilizadas no início da atividade. Isso demonstra claramente que práticas antigas, herdadas dos pais, são substituídas por novas práticas ou tecnologias, dada a necessidade de se adequar as novas condições do ambiente. Além disso, afirma-se que a existência de um pool de organizações (cooperativas, universidades, órgãos de extensão, poder público entre outros) que promovam atividades formativas para os produtores na região, que associada à adesão dos próprios produtores a essas atividades também tem contribuído para a competitividade da produção de leite. 5. ConclusõesConstatou- se, que a competitividade da produção leite da agricultura familiar na região de Passo Fundo está correlacionada com sua capacidade de inovação, condição necessária para melhor a qualidade da matéria-prima e elevar a produtividade. No entanto, nesse caso, não foi somente o produtor que se adequou à tecnologia disponível; Esta também foi se adequando à realidade dos agricultores familiares, à medida que estes passaram a representar demanda de fato por determinados tipos de equipamentos. Mas a capacidade de inovar desses produtores está relacionada também a histórica relação dos agricultores familiares da região com as inovações tecnológicas. Há algumas décadas os produtores daquela região têm sido incentivados, pelos atores locais e pelas políticas públicas a adotar inovações tecnológicas na produção agropecuária. Nesse sentido, vale ressaltar ainda que as políticas de financiamento de investimentos, quase sempre associados à aquisição de tecnologia, e de crédito de custeio, assim como a assistência técnica tiveram, e continuam tendo, fundamental importância para a construção da competitividade do leite produzido pela agricultura familiar da região. Estas políticas viabilizam a incorporação e o uso de inovações tecnológicas, contribuindo tanto para ampliar a escala de produção como para a melhoria na qualidade da matéria-prima. Por outro lado, pode se constatar ainda que, a deficiência tecnológica tem sido superada também através de mecanismos organizacionais, como por exemplo, a formação de cooperativas/associações, e outras formas associativas. É a partir destes que os produtores tem acesso a certas tecnologias, que usualmente, não teriam acesso em virtude dos custos destas e da falta de escala de produção. Por fim, vale ressaltar que, a prática tecnológica dos produtores na região está fortemente atrelada ao local. Isso porque, não há como negar que a adoção de tecnologias na região é fortemente influenciada pelas organizações ali existentes, tais como, cooperativas, redes de assistência técnica, sindicatos, universidade, centros de pesquisa, empresas, dentre outros. Todos esses atores tem envidado esforços no sentido do fortalecimento da produção de leite. Ademais, a existência de um intenso cooperativismo e associativismo localmente fortalece de sobremaneira a disposição a adoção de tecnologias por parte dos produtores. 6. BibliografiaBrasil (2002). Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n° 51, de 20 de setembro de 2002. Aprova os Regulamentos Técnicos de produção, identidade e qualidade do leite tipo... Diário Oficial da União, Brasília. Buainain, A. M et. al. (2002); Agricultura familiar e condicionantes da adoção de tecnologias agrícolas, en: Inovação nas tradições da agricultura familiar, Lima, D. M. A.; Wilkinson, J.(ed); Brasília; CNPq/Paralelo 15, 331-345p. Dal’moro, S. M; Rückert, A. A. (2004); A Agricultura no processo de desenvolvimento no Planalto Médio Rio-grandense, en: Estudos de geografia regional: o urbano, o rural e o rurbano na região de Passo Fundo; Silva, A. M. R. et. al. (ed); Passo Fundo, RS; UPF, 26-68 p. Dufumier, M. 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