Espacios. Vol. 33 (9) 2012. Pág. 14


Elementos do Trabalho Voluntário: motivos e expectativas na Pastoral da Criança*

Elements of volunteering: motives and expectations in the Pastoral

Washington José de Souza 1, Thiago Ferreira Dias 2, Laysce R. Moura 3 y Abdon S. R. Cunha 4

Recibido: 07-02-2012 - Aprobado: 23-04-2012


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RESUMO:
A pesquisa teve como objeto de estudo a Pastoral da Criança, organização não-governamental que agrega o maior volume de trabalho voluntário no Brasil. O trabalho voluntário tem crescido significativamente, desempenhando importante papel na sociedade, o que justifica traçar seus contornos, principalmente quanto aos motivos (adesão, filiação, desligamento), expectativas e dificuldades enfrentadas por voluntários. Utilizou-se como estratégia de investigação, metodologia qualitativa fundada na entrevista em grupo. A pesquisa foi realizada junto à população de voluntários da Pastoral da Criança dos bairros de Ponta Negra (Zona Sul), Gramoré (Zona Norte), Planalto (Zona Leste) e Lagoa Nova (Zona Oeste) na capital do Rio Grande do Norte. Valores de abnegação e afetividade predominam, caracterizando o trabalho voluntário como regido, principalmente, por altruísmo. O objetivo final dos voluntários é promover o bem-estar do próximo, da comunidade e da sociedade, menos interessados, portanto, em benefícios e progressos próprios.
Palavras-Chave: Pastoral da Criança, motivos do trabalho voluntário, entrevista em grupo.

 

ABSTRACT:
The research had as its object of study the Pastoral, a nongovernmental organization that combines the largest volume of voluntary work in Brazil. The volunteer work has grown significantly, playing an important role in society, justifying trace its outlines, especially on the grounds (membership, affiliation, shutdown), expectations and difficulties faced by volunteers. Was used as a research strategy, methodology based on qualitative group interview. The survey was conducted among the population of volunteers of the Pastoral districts of Ponta Negra (South Zone), Gramor (North Zone), Plateau (East) and New Pond (West Zone) in the capital of Rio Grande do Norte. Values of selflessness and affection predominates, featuring the work as a volunteer governed mainly by altruism. The ultimate goal of the volunteers is to promote the welfare of others, community and society, less concerned, therefore, benefits and progress themselves.
Keywords: Pastoral, reasons for volunteering, group interview.


1. Introdução

A idéia da criação da Pastoral da Criança nasceu em 1982, durante reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre paz mundial, quando o então diretor executivo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), James Grant, sugeriu ao Cardeal Dom Paulo Evaristo que a igreja criasse um projeto com o objetivo de combater a mortalidade infantil.

O Cardeal propôs à sua irmã, Dra. Zilda Arns Neumann, que elaborasse o projeto. Assim, em 1983 a Pastoral da Criança foi criada como projeto piloto numa paróquia no interior do Paraná. O resultado alcançado um ano depois foi surpreendente e possibilitou que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) apoiasse o projeto. Apesar de ser organismo de ação social da CNBB, a organização nasceu e se mantém aberta a todas as pessoas e credos, ou seja, tem caráter ecumênico.

A Pastoral da Criança é uma organização que atua em todo o território nacional. Sua abrangência é tamanha que alcança comunidades onde o Estado não consegue chegar. Hoje possui prestígio internacional e serve de exemplo para mais de quinze nações, sob incentivo da ONU. 

O objetivo principal é desenvolver integralmente a criança (da concepção aos seis anos de idade) e, por conseqüência, suas famílias e comunidades. Atua no combate à mortalidade infantil, à desnutrição, à violência doméstica e à marginalidade social, fortalecendo o tecido social e a integração familiar e comunitária. Suas ações são voltadas, principalmente, para a prevenção, fornecendo informações em saúde, nutrição e cidadania, com linguagem simples e acessível às populações vulneráveis.

Uma de suas maiores singularidades é o fato de agregar elevado volume de trabalho voluntário no Brasil. A Pastoral conta com um corpo de voluntários superior aos 250.000 e atende 1,9 milhão de crianças de zero a seis anos, em 42.020 comunidades de 4.063 municípios (Idéia Social, 2007). Esses números, por si, indicam a relevância da Organização na promoção do desenvolvimento infantil no país e, por isso, é ambiente privilegiado para o estudo de motivos relacionados à atividade voluntária.

O crescimento de organizações solidárias e sociais é reflexo dos problemas enfrentados pela sociedade, especialmente, devido à crise de financiamento do Estado e ao simultâneo acirramento de relações de mercado. Em um contexto caracterizado por desigualdades, precarização do trabalho, desemprego, dentre outros fenômenos, o desenvolvimento das organizações sociais destina-se à redução de mazelas criadas pelo sistema vigente.

Uma das peculiaridades dessas novas formas organizacionais é o tipo de vínculo que se estabelece entre indivíduo e atividade. Literatura no tema (Mccurley, Lynch, 1998; Mostyn, 1983) indica que a filiação ao trabalho voluntário é explicada por um conjunto particular de valores, dentre os quais, o altruísmo, o interesse individual em contribuir e a sociabilidade, além de razões religiosas e sentimentos de culpa, de obrigação ou de responsabilidade.

Com base nesse entendimento, o presente artigo delineia motivos do trabalho voluntário na Pastoral da Criança, tomando como base experiências de voluntários de Ponta Negra (Zona Sul), Gramoré (Zona Norte), Planalto (Zona Leste) e Lagoa Nova (Zona Oeste) na capital do Rio Grande do Norte. Apesar dos quatro grupos pertencerem à mesma organização, pesquisa anterior (Fernandes, 2006) demonstra que comunidades com características diferentes, conduzem a particulares motivos do trabalho voluntário, uma vez considerados contextos e processos diversos de socialização dos voluntários e de assistidos.

O bairro Ponta Negra, até início da década de 1990, era caracterizado predominantemente como residencial, também servindo como local de trabalho de pescadores e espaço de lazer. Após esse período o turismo começou a crescer, mudando as características do bairro. Atualmente, concentra também estabelecimentos turísticos e moradores de classe alta e média. Todavia, a vila de antigos pescadores abriga população de renda baixa.

Gramoré é uma localidade do bairro Pajuçara. A atual ocupação do bairro começou em 1987 com a construção de conjuntos populares. Em 1990, um novo parcelamento do solo foi realizado para abrigar casas de baixo custo destinadas à população de baixa renda.

O bairro Planalto teve início em 1964. A área sofreu parcelamento ao longo do tempo, originando loteamentos que foram vendidos essencialmente a uma população de baixo poder aquisitivo. Sua oficialização como bairro de Natal se deu 1998. É um bairro habitacional onde, até hoje, predomina população de baixa renda.

O bairro de Lagoa Nova começou a se desenvolver no início da década de 1960. Fatos como a instalação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do Centro Administrativo no bairro deram impulso ao desenvolvimento. É um dos maiores e dos mais nobres da cidade. Nele, encontram-se residências e comércios de elevados padrões.

Para tratar do trabalho voluntário nesses diversos espaços geo-econômicos, o presente texto está assim estruturado: apresentação do quadro teórico referente ao tema do estudo (motivos do trabalho voluntário), procedimentos metodológicos adotados na pesquisa, de natureza qualitativa, análise e interpretação dos dados e conclusão.

2. Características e Motivos do Trabalho Voluntário

O voluntariado vem assumindo relevante papel social nos dias atuais especialmente em virtude do fato de que organizações não-governamentais (ONG) dependem dele para a efetividade das suas ações e alcance de objetivos. Não é difícil encontrar pessoas que foram, que são ou que pretendem ser voluntários, dedicando um tempo livre a alguma causa social. Nos Estados Unidos da América o volume das ações voluntárias alcança 50% da população (Wilson, Pimm, 1996 apud Ferreira, Proença, Proença, 2008), embora na Espanha represente apenas 5% (Beerli, Díaz, Martín, 2004 apud Ferreira, Proença, Proença, 2008). Em Portugal, Franco, Sokolowski, Hairel e Salamon, (2005 apud Ferreira, Proença, Proença, 2008) mostram que as organizações da sociedade civil (onde se incluem as Organizações Não-Governamentais, ONG) envolvem um quarto de um milhão de trabalhadores, dos quais, cerca de 70% em posições remuneradas e o restante, 30%, como voluntários.

No Brasil, o trabalho voluntário é regulamentado pela Lei 9.608, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em fevereiro de 1998. De acordo com a Lei, independentemente do motivo que leva uma pessoa ao serviço, para ser caracterizado como voluntário o trabalho deve ocorrer por vontade própria, sem remuneração, prestado por um indivíduo isoladamente e para uma organização sem fins lucrativos, com objetivos públicos (Carvalho, Souza, 2007). Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 42 milhões de pessoas participavam de alguma atividade de cunho social em 2002 no Brasil (Espaço Cidadania, 2009).

No cerne do trabalho voluntário encontra-se o homem que disponibiliza tempo e competências no intuito de mudar a realidade. De acordo com Kotler (1975), os voluntários querem apenas que o seu trabalho seja apreciado. Para Dhome (2001) voluntário é a pessoa “que doa o seu trabalho, suas potencialidades e talentos em uma função que a desafia e gratifica em prol da realização de uma ação de natureza social”. Uma outra definição, ampla, apresentada pela Fundação ABRINQ, é a seguinte:

Voluntário é o ator social e agente de transformação, que presta serviço não remunerado em benefício da comunidade. Doando seu tempo e conhecimentos, realiza um trabalho gerado pela energia de seu impulso solidário, e atende não só as necessidades do próximo, como também aos imperativos de uma causa. O voluntário atende também suas próprias motivações pessoais, sejam elas de caráter religioso, cultural, filosófico ou emocional (Domeneghetti, 2001).

Este conceito mais amplo traz razões para o exercício do trabalho voluntário na perspectiva do exercício da cidadania e da responsabilidade social como imperativos que permeiam a ação do voluntariado, diferentemente da visão tradicional do puro assistencialismo. Traz, ainda, a idéia de motivações pessoais dos voluntários em termos de motivos religiosos, culturais, filosóficos e emocionais. É este o caminho que segue o presente texto, revelando motivações que conduzem voluntários a doarem tempo à ação social. A motivação é um processo psicológico complexo que resulta da interação entre o indivíduo e o ambiente que o rodeia (Latham, Pinder, 2005 apud Carvalho, Souza, 2007). Assim, em principio, quanto melhor uma organização conhece as motivações dos seus participantes, mais poderá efetuar ações que respondam a necessidades e expectativas. Quais são, então, as motivações dos voluntários? Porque oferecem e desenvolvem trabalhos gratuitamente numa sociedade em que o trabalho é, majoritariamente, mercadoria (objeto de venda e compra)?

Buscando responder a indagações dessa natureza, Ferreira, Proença e Proença (2008) realizaram pesquisa em artigos que revelavam motivações do trabalho voluntário. Tendo em vista que o presente artigo traz uma abordagem qualitativa de tal fenômeno, é pertinente sintetizar os achados registrados pelos autores.  

Quadro 1 - Estudos Qualitativos sobre Motivação do Voluntariado

Autor/ano

País

Tipo de ONG ou público investigado

Motivações encontradas

Cavalier (2006)

EUA

Adolescentes

Valores; Aspectos sociais; Carreira profissional.

Wittek (2004)

EUA

Arte (museu)

Partilhar a cultura chinesa; Para pertencer a um clube.

Caissie e Halpenny (2003)

Canadá

Meio Ambiente

Divertimento; Contatar com pessoas que tem os mesmos interesses e novas experiências; Aprender novos desafios; Viajar; Atividades extras; Contato com a natureza; Altruísmo.

Figueiredo (2006)

Brasil

Idosos

Ser útil a comunidade; Poder continuar a exercer sua profissão; Solidariedade.

Holmberg e Söderlung (2005)

Suécia

Cruz Vermelha

Ajudar os outros; Ser bem aceito na comunidade.

Yeung (2004)

Finlândia

Igreja Evangélica

Bem estar pessoal; Ajudar os outros; Religião.

Fonte: Adaptado a partir de Ferreira, Proença e Proença, 2008.

O altruísmo pode-se depreender do quadro, aparece nos resultados de todas as pesquisas retratadas pelos autores. Todavia, podem existir motivações distintas por trás de motivações aparentemente altruístas, isto é, algum viés de caráter egoísta a exemplo dos benefícios e aprendizagens que o trabalho voluntário traz para a carreira profissional.

Ainda sobre as motivações do voluntariado, de forma objetiva, McCurley e Lynch (1998) classificam os motivos em três categorias:

  • altruísta – ajudar aos outros, obrigação de retribuir por algo recebido, dever cívico, convicção religiosa, fazer uma diferença no mundo, crença na causa;
  • interesse próprio - adquirir experiência, desenvolver novas habilidades, constituir amizades, causar boa impressão a alguém, sentir-se importante e útil, exibir capacidade de liderança, experimentar novos estilos de vida e culturas, prazer e alegria;
  • familiar - aproximar a família, servir de exemplo, benefício e retorno próprio, retribuir algo recebido por membro da família.

Para Mostyn (1983) há cinco categorias de organizações voluntárias: altruístas; para ajudar pessoas em situação de aflição; para fornecer ajuda aos menos afortunados; para melhorar a sociedade; por interesse próprio. De comum nessas discussões, é evidente o entendimento de que a decisão para o trabalho voluntário varia entre motivos altruístas e interesses próprios, o que conduz à possibilidade de uma hierarquia.

Foi com base nesse entendimento que Souza, Medeiros e Fernandes (2006) traçaram uma Hierarquia do Trabalho Voluntário, delimitada, em cada nível, pela distinção do valor da ação e por atitudes de sujeitos. Numa Hierarquia de 5A's são contemplados os seguintes níveis:

Nível I - Altruísta: retrata a percepção subjetiva de auto-sacrifício por parte do voluntário, envolvendo risco, insalubridade e periculosidade, sob a perspectiva da consciência de espécie ou de questionamento em torno das condições gerais de vida de seres humanos. Nesse caso, há uma consciência societal;

Nível II - Afetivo: reúne motivos relativos ao sentimento de auxílio a sujeitos e comunidades em situações de exceção, via fornecimento de apoio direto aos menos aptos e prósperos tais como idosos, crianças, desabilitados e pacientes em hospitais, estando o voluntário interessado no resgate da cidadania, numa perspectiva local;

Nível III - Amigável: contempla motivos vinculados à avaliação subjetiva de contribuição para o bem-estar social, e de desafortunados em particular, sob uma perspectiva amistosa, em que o voluntário se sente compartilhando algo próprio com alguém em dado espaço organizacional;

Nível IV - Ajustado: reúne motivos de uma forma específica de aprimoramento social não centrada em temas cruciais ou aflitivos, mas que, de alguma forma, transmite ao voluntário a sensação de estar, simultaneamente, promovendo a si próprio e a vida do receptor sob uma interação grupal;

Nível V - Ajuizado: congrega motivos centrados na sensação de privilégios, de status e de proteção, estando o voluntário interessado na construção e projeção da auto-imagem ou na promoção pessoal junto a indivíduos e coletividades. Trata-se de um posicionamento centrado no eu, portanto, egoísta em essência.

Os motivos variam desde graus mais elevados, centrados no altruísmo, a um inferior, com viés egoísta. Os níveis da escala, todavia, não servem para qualificar o valor do trabalho voluntário, mas, sim, tão somente para caracterizar os diversos perfis de sujeitos que por ele transitam. Trata-se, portanto, de um exercício focado no comportamento organizacional, destinado à retroalimentação de processos de gestão da ação voluntária, envolvendo as fases de recrutamento, seleção, treinamento e desenvolvimento organizacional.

É esta proposta de hierarquia do trabalho voluntário que direcionou a pesquisa empírica na Pastoral da Criança, cujos resultados são aqui apresentados.

3. Procedimentos Metodológicos

Trata-se de pesquisa qualitativa que explora aspectos específicos de motivos que explicam o trabalho voluntário. Neste tipo de abordagem, o universo que se trabalha é o dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (Minayo, 2003).

A técnica utilizada para coleta de dados foi a entrevista em grupo. Patton, citado por Flick (2002, p.124), define a entrevista de grupo como “uma entrevista com um pequeno número de pessoas sobre um tópico específico. Via de regra, os grupos são formados por seis a oito pessoas que participam da entrevista por um período de trinta minutos a duas horas”. As principais vantagens são: baixo custo, economia de tempo, riqueza de dados e possibilidade de interação entre os entrevistados.

A escolha dessa técnica deve-se, principalmente, ao fato de que em pesquisas anteriores, ficou nítida a dificuldade dos informantes em se expressar por meio da escrita. A expressão oral, portanto, possibilita uma melhor compreensão do contexto estudado. Além disso, o diálogo entre os voluntários torna possível um espaço de discussão que permite a construção de conhecimentos em vias de consolidação.

A pesquisa foi realizada junto à população de voluntários da Pastoral da Criança dos bairros de Ponta Negra, Gramoré, Planalto e Lagoa Nova na capital do Rio Grande do Norte. O primeiro, situado em área nobre, na Zona Sul, o segundo, em região periférica, na Zona Norte, caracterizada por habitações populares. O terceiro se localiza em zona periférica, também, e, o último, em área de alto padrão. O interesse em estudar essas quatro comunidades surgiu por se saber que os líderes (voluntários) possuem realidades econômicas e educacionais diferentes, particularidades confirmadas na investigação, o que influencia no modo como interpretam o trabalho que realizam. Assim, informações substanciais emergiram, evidenciando que adversidades específicas dos voluntários, e, também, do público assistido, influenciam no resultado trabalho. 

Os informantes dos bairros de áreas nobres (Ponta Negra e Lagoa Nova) são exteriores à situação em que os assistidos vivem, e, portanto, têm realidade social e econômica distanciada do público assistido. Em raciocínio similar, os informantes dos bairros periféricos (Planalto e Gramoré) convivem com situações similares às dos assistidos e habitam regiões próximas. Tais fenômenos, é factível defender, influencia o modo como os voluntários interpretam e se relacionam com os problemas que enfrentam.

Os grupos de Ponta Negra e de Gramoré foram compostos por oito participantes com características homogêneas (faixa etária e estudantes). Os grupos do Planalto e de Lagoa Nova foram compostos por seis participantes também com características homogêneas (faixa etária e donas de casa). Os encontros ocorreram na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), entre o ano de 2007 e 2008, mediados por quatro moderadores - dois em cada sala – com dinâmicas simultâneas num primeiro momento.

A coleta de dados foi feita primeiramente com os líderes do bairro de Ponta Negra e Gramoré e, em etapa posterior, com os líderes do Planalto e de Lagoa Nova, reunindo estudantes e donas-de-casa, respectivamente.

Cada encontro para coleta de dados teve duração de três horas e foi composto por três dinâmicas grupais, com intervalo de vinte minutos entre a segunda e a terceira. As duas primeiras foram realizadas com os grupos separadamente. A terceira foi realizada com a participação dos dois grupos em uma mesma sala, tanto no caso dos estudantes quanto no das donas-de-casa.

A primeira foi a “dinâmica do conhecimento” que teve o objetivo de ‘quebrar o gelo’ e traçar o perfil dos informantes. Foi solicitado que os voluntários preenchessem um questionário com dados referentes à escolaridade (e se estava estudando), idade, estado civil e renda familiar. Nesta atividade cada um desenhou, numa folha, a própria mão e escreveu, no centro, o nome; no dedo polegar, o tempo de atividade voluntária na Pastoral da Criança; no dedo indicador uma qualidade; no dedo anelar algo que mais gosta; no dedo médio um sonho e, no dedo mínimo, uma frase. Em seguida, cada um se apresentou fornecendo as informações.

A segunda foi a “dinâmica do diálogo” que teve o objetivo de traçar expectativas e motivos de adesão, filiação e desligamento. Foram constituídas duplas para a discussão de quatro pontos: motivo da entrada na Pastoral da Criança; o que espera o líder obter com o trabalho voluntário; o que o motiva a permanecer; e o que o conduziria ao desligamento. Em seguida, as duplas se apresentaram com papéis invertidos, ou seja, um se passou pelo outro na hora da exposição como estratégia para descontrair e, ao mesmo tempo, facilitar o diálogo.

A terceira foi a “dinâmica do conselho”, cujo objetivo foi a troca de experiências e de realidades entre as duas comunidades: Gramoré e Ponta Negra (no caso dos estudantes) e Lagoa Nova e Planalto  (no caso das donas-de-casa). Nesta etapa, os grupos foram reunidos. Em uma folha de papel os líderes descreveram o maior desafio ou dificuldade enfrentada no exercício do trabalho voluntário na Pastoral da Criança. Em seguida, as informações prestadas foram invertidas, ou seja, os de Ponta Negra receberam desafios/dificuldades enfrentados por voluntários de Gramoré e vice-versa. O mesmo procedimento ocorreu no momento da reunião com os dois grupos de donas-de-casa. Cada participante, na seqüência, deu um conselho para resolver o problema enfrentado pelo voluntário da outra comunidade.

4. Análise dos Resultados

Os resultados estão expostos em dois blocos: entrevista em grupo com jovens estudantes e entrevista em grupo com donas-de-casa.

4.1. Resultado da Entrevista em Grupo com Estudantes

A “dinâmica do conhecimento”, aplicada a voluntários de Ponta Negra e de Gramoré, evidenciou diferenças de motivos para o trabalho voluntário.

Os informantes de Ponta Negra encontram-se na faixa etária de 20 a 23 anos, a maioria com 20 anos. No que se refere ao gênero e ao estado civil, mais da metade é mulher e todos são solteiros. A renda familiar situa-se entre cinco a oito salários mínimos, ficando clara a boa situação financeira quando se compara àqueles de Gramoré. Todos são alunos de graduação e não exercem atividade com vínculo empregatício. Quanto ao tempo de atuação na Pastoral, mais da metade trabalha como voluntário na Pastoral da Criança entre 2 a 3 anos.

Os informantes de Gramoré encontram-se na faixa etária de 16 a 22 anos, a metade com 16 anos. No que se refere ao gênero e ao estado civil, mais da metade é mulher e a maioria solteira. A renda familiar é de até dois salários mínimos e apenas uma pessoa declarou renda familiar de cinco a oito salários mínimos. Assim, verifica-se uma situação financeira vulnerável quando comparada ao grupo anterior. Em relação à escolaridade, um quarto concluiu o nível médio e a outra parte o nível fundamental. Alguns exercem atividade com vínculo empregatício. Quanto ao tempo de atuação na Pastoral, os voluntários dedicam-se ao trabalho em um contínuo de tempo de 2 a 12 meses.

Conforme dito anteriormente, existem diferenças nos perfis dos voluntariados nos dois bairros. As pessoas da Pastoral com atuação em Ponta Negra possuem renda mais elevada e, portanto são menos vulneráveis em termos socioeconômicos. Desta forma, o maior tempo de permanência dos voluntários pode ser justificado por essa condição, ainda que tal entendimento necessite de comprovação já que este resultado advém de uma averiguação qualitativa, não generalizável. O fato de alguns informantes de Gramoré trabalharem, e não apenas estudarem, mostra que esse é um fator a ser considerado quando se pretende explorar os motivos para o trabalho voluntário. 

A “dinâmica do diálogo” evidenciou os contornos dos motivos dos voluntários na Pastoral da Criança que serão expostos a seguir e foram analisadas à luz da Hierarquia do Trabalho Voluntário. Com o objetivo de traçar os motivos de adesão dos voluntários foi formulada a questão por que entrou na Pastoral da Criança?

Ao se analisar as respostas de Ponta Negra, percebe-se que os motivos de adesão variam entre o Altruísta (Nível I), o Amigavél (Nível III) e o Ajuizado (Nível V).  Os informantes entraram na Pastoral da Criança para por em prática o aprendizado religioso, para ajudar o próximo, por incentivo dos amigos, para se inserir na igreja, por se identificarem com crianças e por curiosidade. O maior número de respostas se concentrou no Nível I e III, demonstrando que ingressam para realizar trabalho voluntário, não apenas por valores de solidariedade e abnegação, mas, também, para se inserir em grupos sociais em que a amizade entre os pares é importante e não apenas o trabalho em si.

Em Gramoré, os motivos de adesão tiveram uma variação maior do Altruísta (Nível I) ao Ajustado (Nível IV). Um fato relevante é que metade apresentou mais de um motivo e estes tinham valores distintos, a exemplo de ajudar crianças e a Pastoral - incentivo da mãe; ajudar as pessoas - por gostar de crianças; pelo exemplo familiar (tradição) - por gostar de crianças; pelo sorriso das crianças - por achar legal. Parte se concentrou em valores de abnegação, como ajudar a melhorar a vida das crianças. Apesar de alguns aderirem ao trabalho voluntário por diferentes motivos, a maioria das respostas se concentra no Nível I – altruísta regido por valores de abnegação.

Portanto, as incidências ocorrem devido a elementos de natureza humana e individual. O valor atribuído percorre um continuum que vai desde abnegação até ambição (menor freqüência). Isto demonstra que os motivos de engajamento possuem características que partem da promoção pessoal a causas humanitárias. Quando se faz a comparação dos dois bairros, percebe-se que em Gramoré o valor de abnegação se apresenta mais presente nas respostas. Em Ponta Negra, além desse, o de amizade também é representativo.

Com o intuito de coletar as expectativas dos voluntários em relação ao trabalho realizado, foi formulada a pergunta o que você espera obter com o seu trabalho voluntário na Pastoral da Criança? Em Ponta Negra, as respostas se concentraram predominantemente no Nível I da Hierarquia (altruísta), sob valores de abnegação. Os motivos foram: mudar/melhorar a vida das crianças e pôr em pratica os ensinamentos de Jesus. Apenas uma resposta se relacionava ao Nível II – afetivo, motivo: conscientizar as crianças de seu papel na sociedade, ou seja, contribuir com a promoção da cidadania.

Em Gramoré, as respostas também se concentraram no topo da hierarquia, Nível I. Os motivos citados foram: melhorar a vida e alegria das crianças. Porém, uma ressalva deve ser feita. Três apresentaram motivos com vertentes diferentes, tais como: melhorar a vida das crianças – realização pessoal; dever cumprido – alegria das crianças. Apenas um motivo se enquadrou no Nível III, amigável: servir de exemplo para a criança seguir o mesmo caminho de ser líder na Pastoral. Assim, as respostas indicam que algumas pessoas são guiadas por valores de altruísmo e egoísmo ao mesmo tempo, o que demanda a necessidade de se explorar, em estudo quantitativo com número maior de voluntários, a dimensão predominante.

Em síntese, nos espaços informantes há elevado grau de expectativas quando se compara com o real potencial de desenvolvimento que pode ser imputado ao papel da Pastoral. Se, por um lado, esse resultado pode promover a permanência do voluntário – em virtude da crença em poder superar mazelas, injustiças e desigualdades que encontram no meio social – por outro lado, pode contribuir – o que é mais factível acreditar – para o desligamento, no instante em que o voluntário passa a se sentir impotente na resolução dos problemas que enfrenta cotidianamente no trabalho. Porém, os participantes da pesquisa de Ponta Negra não consideram esse fator como motivo de desligamento, apesar de perceberem a ineficiência governamental.

Com o objetivo de traçar os motivos de permanência foi feita a seguinte indagação: o que motiva você a permanecer na Pastoral da Criança? Em Ponta Negra, os motivos se concentraram no Nível I e II, altruísta e afetivo. Os informantes permanecem na Pastoral para ajudar as pessoas, por causa do sorriso/felicidade das crianças, devido a importância do papel exercido para mudar a vida das crianças, por causa do envolvimento com as famílias e as crianças. Portanto, os valores que regem a permanência dos voluntários de Ponta Negra são de abnegação e dedicação, demonstrando elevado grau de altruísmo.

Em Gramoré, o motivo de permanência teve variação maior nas respostas, situando-se no Nível I, II e IV, altruísta, afetivo e ajustado. A maior concentração situou-se nos níveis mais elevados da hierarquia, Nível I e II. Os motivos citados foram: melhorar/ajudar a vida das crianças, por causa das crianças, devido a importância do papel exercido para as crianças e envolvimento com as crianças. Um dos informantes respondeu dois motivos distintos que se enquadravam em níveis diferentes. Dois são regidos por valores de aprendizagem, Nível IV para aprender a lidar com crianças.

Há, portanto, permanências explicadas por motivos diversos, com maior grau de altruísmo em Ponta Negra.

Em relação aos motivos de desligamento, foi realizada a pergunta: o que faria você sair da Pastoral da Criança? Em Ponta Negra houve dificuldade para responder, pois, os participantes não se viam nessa possibilidade. Porém, diante da pergunta tenderam a motivos de ‘força maior’, tais como: problemas de saúde, falta de tempo por questões profissionais e familiar, mudança para algum lugar que não houvesse Pastoral da Criança. Já em Gramoré, além desses fatores foram citados: mudanças na estrutura organizacional, o fim da organização e o desinteresse das mães assistidas.

Percebe-se que, em nenhum momento, os voluntários relacionam, como possível motivo de desligamento, causas externas ao trabalho a exemplo de restrições do poder público na assistência às comunidades.

O Quadro 2 sintetiza os dados relacionados aos motivos de adesão, expectativa, permanência e desligamento dos voluntários nas comunidades de Ponta Negra e Gramoré.

Quadro 2
Síntese de motivos de adesão, expectativa, permanência e desligamento nas comunidades de Ponta Negra e Gramoré

 

 

Espaço investigado

MOTIVOS

Ponta Negra

Gramoré

Adesão

I – Altruísta e III – Amigável

V – Ajuizado

I - Altruísta

II - Afetivo

III -Amigável

V – Ajuizado

Obs.: metade respondeu motivos de sentido dúbio.

Expectativa

I - Altruísta

II – Afetivo

I - Altruísta

III – Amigável

IV – Ajustado

Obs.: três informantes responderam valores antagônicos.

Permanência

I - Altruísta e II – Afetivo

I – Altruísta

II - Afetivo

IV – Ajustado

V – Ajuizado

Obs.: um pesquisado respondeu motivos de sentido dúbio.

Desligamento

> problemas de saúde

> falta de tempo por questões profissionais ou familiar

> mudança para algum lugar que não houvesse Pastoral da Criança

> preguiça

> problemas de saúde

> falta de tempo por questões profissionais

> mudança para algum lugar que não houvesse Pastoral da Criança

> mudanças na estrutura organizacional

> fim da Pastoral da Criança

> desinteresse das mães assistidas

Fonte: pesquisa de campo, 2008.

A última dinâmica, denominada de “dinâmica do conselho”, traçou as principais dificuldades enfrentadas no dia-a-dia do trabalho voluntário na Pastoral da Criança. Foi solicitado que cada participante identificasse o maior desafio ou dificuldade do trabalho voluntário na Pastoral da Criança.

Em Ponta Negra, a principal dificuldade é a falta de conscientização das famílias e, conseqüentemente, a desvalorização do trabalho. Fatores individuais e governamentais também foram citados, a saber: comodismo e ausência dos líderes, sentimentos de impotência diante das mazelas sociais, falta de apoio do governo e violência do lugar. 

Já em Gramoré, a maior dificuldade é a escassez de recursos financeiros, além do desinteresse dos assistidos. Outros fatores também foram mencionados: falta de tempo (pessoais) e dificuldade no transporte próprio (financeiros).

Em Ponta Negra existe maior conscientização em relação às obrigações do poder público. Os líderes percebem uma falta de sincronia do trabalho realizado com a oferta dos serviços básicos de saneamento, saúde e educação. Por outro lado, em Gramoré a situação de baixa renda dos voluntários acaba por afetar o trabalho, pois, as dificuldades financeiras se tornam obstáculos.

Vale salientar, mais uma vez, que os informantes do bairro de Ponta Negra são exteriores à situação em que os assistidos vivem, por morarem em regiões afastadas em relação à área de assistência e por terem níveis de renda e qualidade de vida superiores aos lideres de Gramoré. Neste último, os informantes são mais envolvidos com a situação-problema, por morarem em áreas próximas e por terem níveis de renda similares aos assistidos.

4.2. Resultados da Entrevista em Grupo com donas-de-casa

A “dinâmica do conhecimento” aplicada aos informantes do Planalto e de Lagoa Nova igualmente evidenciou diferenças significativas que podem influenciar nos motivos do trabalho voluntário.

Os informantes do Planalto se encontram na faixa etária de 30 a 45 anos. No que se refere ao estado civil, a maioria solteira e todas trabalham exclusivamente em casa. A renda familiar é de até dois salários mínimos, com um pequeno número de participantes com renda de dois a cinco salários mínimos. Em relação à escolaridade, mais da metade é estudante de nível médio e uma pequena parcela é estudante de nível fundamental. Quanto ao tempo de atuação, uma parcela maior está na Pastoral há um ano, enquanto a outra parte há mais de dois.

Os informantes de Lagoa Nova se encontram na faixa etária de 45 a 60. No que se refere ao estado civil, a maioria é casada. Em relação à escolaridade, a maioria concluiu o nível médio, e uma concluiu pós-graduação. Quanto ao tempo de atuação, uma parcela está na Pastoral há um ano, enquanto a outra há mais de cinco.

Da mesma forma que os grupos de estudantes, existem diferenças de perfis dos voluntariados nos dois bairros. As pessoas com atuação em Lagoa Nova possuem renda mais elevada que as do Planalto. Desta forma, os participantes do Planalto são mais vulneráveis em termos socioeconômicos que os voluntários de Lagoa Nova. Além disso, os informantes de Lagoa Nova possuem maior escolaridade. Dado relevante, pois as informantes do Planalto, devido à baixa escolaridade, tiveram dificuldades em responder às perguntas, pois não compreenderam o que foi perguntado.

A “dinâmica do diálogo” evidenciou os contornos dos motivos dos voluntários na Pastoral da Criança que serão expostos a seguir, analisados à luz da Hierarquia do Trabalho Voluntário. Com o objetivo de traçar os motivos de adesão foi formulada a questão por que entrou na Pastoral da Criança?

Ao se analisar as respostas do Planalto, percebe-se que os motivos de adesão variam entre o Altruísta (Nível I), o Afetivo (Nível II), o Amigável (Nível III) e o Ajustado (Nível IV). Os informantes entraram na Pastoral da Criança por gostar de crianças, para ajudar as crianças e as gestantes, pela coordenadora, por convite de vizinhos, por convite da igreja quando o entrevistado estava em depressão e, por último, por curiosidade.

Em Lagoa Nova, os motivos de adesão variaram entre o Altruísta (Nível I), o Afetivo (nível II) e o Amigável (Nível III). Os informantes entraram na Pastoral da Criança para ajudar crianças e suas famílias a terem uma vida mais digna, para acompanhar mães e o combate à desnutrição, para passar carinho para as crianças, por gostar de crianças, por convite de vizinhos e por convite da Paróquia.

Quando se faz a comparação entre os dois bairros, percebe-se que, no Planalto, os valores da abnegação e o da amizade são representativos enquanto em Lagoa Nova, além desses valores, os valores do auxílio e apoio encontram-se presentes, numa perspectiva que se aproxima da filantropia.

Quanto a questão o que você espera obter com o seu trabalho voluntário na Pastoral da Criança?, no Planalto as respostas se concentraram predominantemente no Nível I da Hierarquia (Altruísta) sob valores de abnegação. Os motivos foram: dar oportunidades para as crianças e mães, que os pais sejam mais responsáveis com seus filhos e sempre ajudar as crianças. Apenas uma resposta se relaciona ao Nível II da Hierarquia (Afetivo), motivo: que a Pastoral aumente cada vez mais.

Em Lagoa Nova, as respostas também se concentraram no topo da Hierarquia, Nível I (Altruísta). Os motivos citados foram: recuperar as crianças desnutridas, passar o melhor e mostrar o caminho certo para as crianças, conscientizar sobre os direitos humanos e prevenção na saúde, realizar o trabalho na Pastoral bem e ter condições de fazê-lo. Apenas um motivo se enquadrou no Nível II (Afetivo): mostrar às famílias o valor que as crianças têm para melhorar sua auto-estima.

Com o objetivo de traçar os motivos de permanência, foi feita a seguinte indagação: o que motiva você a permanecer na Pastoral da Criança? No Planalto, as respostas se enquadraram, predominantemente, no Nível I (Altruísmo). Os motivos foram: modo como as famílias carentes vivem, pobreza material e espiritual das famílias, interesse em mostrar a importância da Pastoral às pessoas.

 Em Lagoa Nova, o motivo de permanência se concentrou igualmente no Nível I (Altruísta) e, com menos representatividade, no Nível III (Amigável). Os motivos citados foram: ver as famílias cada dia melhor, ver a transformação e cooperar com a comunidade, servir a Deus na pessoa dos liderados e ver as crianças felizes.

A permanência dos voluntários do Planalto e de Lagoa Nova na Pastoral é, portanto, explicada por valores de abnegação e dedicação.

Em relação aos motivos de desligamento, foi realizada a pergunta: o que faria você sair da Pastoral da Criança? No Planalto, os motivos para os voluntários se afastarem da Pastoral são: não há pretensão em sair, sentir-se chamada por Deus e desmotivação. Em Lagoa Nova, as informantes responderam: pela vontade do bispo em retirar o voluntário, a vontade de Deus, a saída para outra Pastoral que o pesquisado se identificasse mais.

Da mesma forma que os jovens, os informantes não relacionam os motivos de desligamento com causas externas do trabalho ocasionadas por restrições na presença do poder público nas comunidades. Porém, cabe ressaltar que, diferentemente dos jovens, a religiosidade está mais presente na fala dos voluntários. Isto pode ser justificado pelo fato de a Pastoral, apesar de ecumênica, manter vínculo com a Igreja Católica.

A última etapa denominada de “dinâmica do conselho”, traçou as principais dificuldades enfrentadas pelos informantes no dia-a-dia do trabalho voluntário na Pastoral da Criança. Para tanto foi solicitado que cada participante identificasse o maior desafio ou dificuldade do trabalho voluntário na Pastoral da Criança.

No Planalto, a principal dificuldade é encontrar pessoas disponíveis para fazer trabalho voluntário na Pastoral e fazer com que as mães levem os filhos para a pesagem que acontece uma vez por mês. Houve registro, ainda, à falta de motivação dos voluntários. A falta de conscientização das mães e ao desestimulo das famílias assistidas.

Já em Lagoa Nova, responderam com maior freqüência a dificuldade para envolver a família dos assistidos com a Igreja. Outras respostas foram: conseguir novos líderes com compromisso, participar mais dos objetivos da Pastoral, a educação restrita e a disseminação das drogas dentro da comunidade.

Os informantes do bairro de Lagoa Nova são exteriores à situação em que os assistidos vivem, moram em regiões afastadas e têm níveis de renda e de qualidade de vida superiores aos assistidos. No Planalto, os informantes são mais próximos e envolvidos com a situação dos assistidos, por morarem em áreas próximas e possuírem níveis de renda similares aos assistidos. Tal fenômeno, influencia os motivos e deve ser elemento de pesquisa quantitativa posterior.

O Quadro 3 sintetiza os dados relacionados aos motivos de adesão, expectativa, permanência e desligamento dos voluntários nas comunidades do Planalto e Lagoa Nova.

Quadro 3 - Síntese de motivos de adesão, expectativa, permanência e desligamento nas comunidades do Planalto e Lagoa Nova

 

Espaço investigado

MOTIVOS

Planalto

Lagoa Nova

Adesão

I – Altruísta e III – Amigável

IV Afetivo e V – Ajuizado

I - Altruísta , II - Afetivo, III -Amigável >

Obs.: um pesquisado respondeu motivos de sentido dúbio.

Expectativa

I - Altruísta

II – Afetivo

 

I - Altruísta

II – Afetivo

Obs.: um pesquisado respondeu motivos de sentido dúbio.

Permanência

I - Altruísta

II – Afetivo > uma resposta

I - Altruísta

III - Amigável

Obs.: um pesquisado não respondeu

Desligamento

> Chamado de Deus

> Não pretende sair por qualquer motivo

> Desmotivação

> Não pretende sair

> Por determinação do Bispo

> Vontade de Deus

> Sair para outra Pastoral que se identificasse mais

Fonte: pesquisa de campo, 2008.

5. Conclusão

Os valores que regem o trabalho voluntário são diferentes dos que se dão sob relações econômico-financeiras uma vez que se encontram fundados, sobretudo, no altruísmo e no desejo de colaborar com o desenvolvimento do outro. Desta forma, incentivos salariais, premiações e benefícios materiais não se encontram no centro dos motivos que levam o indivíduo ao trabalho voluntário. A motivação ocorre pela via da solidariedade, pelo prazer e felicidade em promover o bem coletivo, ou, ainda, por razões particulares relacionadas à obtenção de benefícios sócio-políticos por parte de quem faz a ação.

Por essa razão, os motivos de adesão encontrados não se enquadram em apenas uma dimensão e trazem valores, por vezes, antagônicos, a exemplo de Lagoa Nova, que apresentou valores de auxílio e apoio, na explicação da adesão, aproximando-se da filantropia, ao lado de valores altruístas e egoístas.

Cabe salientar que, apesar disso, a abnegação predomina na organização pesquisada, quando se analisa o conjunto das informações, especialmente no que se refere às expectativas com o trabalho na Pastoral da Criança. É notório o interesse por promover uma melhoria na vida/ no futuro dos assistidos e por ajudar às pessoas.Da mesma forma, os motivos de permanência se concentram em níveis elevados da hierarquia, atestando graus de abnegação e dedicação do voluntário junto ao público que assiste. Vale ressaltar que, em Gramoré, alguns informantes responderam valores dúbios, antagônicos, o que pode atestar restrita consciência do significado do trabalho voluntário.

Os valores de expectativas e permanência expressam elevados graus de altruísmo. Isto indica que, apesar das dificuldades enfrentadas, a possibilidade de mudar situações de extremo desamparo, mesmo que em pequenas proporções, motiva os líderes a realizarem e a permanecerem no trabalho voluntário.

A Fé Cristã – para vivenciar a fé epara espiritualização – é pouco anunciada na fala do grupo de estudantes. Especialmente no que se refere ao registro a valores religiosos, esse dado é interessante já que se trata de organização vinculada à Igreja Católica, mais precisamente à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sendo factível esperar a noção de caridade e de missão religiosa por parte do voluntariado. Prevalecem, todavia, valores de ordem política e humanitária, vinculados ao exercício e à promoção da cidadania, além da possibilidade de melhoras na qualidade de vida da população assistida. 

Os voluntários apresentam motivos diversos em relação à adesão, à expectativa e à permanência. Porém, abnegação e dedicação são os que predominam, caracterizando o trabalho voluntário como regido, principalmente, pelo altruísmo.

O objetivo final dos voluntários é promover o bem-estar do próximo, da comunidade e da sociedade. É importante, aqui, atentar para o fato de que a permanência do voluntário na Pastoral pode ser explicada por razões diferentes daquelas que o trouxe ao movimento.

Os motivos que levariam a eventuais desligamentos, apesar de, a priori, não haver tal intenção entre os pesquisados, apresentam semelhanças entre o grupo de jovens e entre o grupo das donas-de-casa, denotando que idade, desigualdades financeiras e educacionais não explicam, por si, expectativas e motivos de adesão, de permanência e desligamentos. Há outros elementos a serem explorados.

No grupo de jovens houve discrepâncias em relação a dificuldades e desafios do trabalho realizado. Os jovens de classe baixa alegaram que a falta de recursos é obstáculo, fato que, em nenhum momento, foi citado pelos que possuem poder aquisitivo mais elevado. A restrita escolaridade do grupo de Gramoré explica, ao que parece, uma ausência de conscientização da responsabilidade do poder público no campo da saúde pública. Tal entendimento é reforçado pelo fato de que, em Ponta Negra, é presente o relato de que restrições nas políticas governamentais são obstáculos às ações voluntárias desenvolvidas. Porém, é importante destacar que, em nenhum momento, os voluntários relacionam, como possível motivo de desligamento, causas externas ao trabalho, a exemplo das limitações das políticas públicas. Com as senhoras donas-de-casa ocorreu fato semelhante. As senhoras de classe média destacaram problemas relacionados a políticas públicas, mas, sem registro à possibilidade de desligamento a partir deste fator. Problemas como drogas e educação da população assistida foram citados como fatores limitantes ao trabalho desenvolvido Assim, é factível afirmar que a limitação da ação governamental não causa desligamento, mas, traz dificuldades ao trabalho realizado. Tal fenômeno conduz ao seguinte questionamento: até quando os voluntários estarão dispostos ao enfrentamento de tal situação?

O exercício qualitativo, todavia, teve o mérito de gerar série de motivos que poderá orientar, em um segundo momento, pesquisas quantitativas. A criação de um questionário a partir das sentenças sintetizadas no diagrama abaixo, classificadas de acordo com os níveis da Hierarquia do Trabalho Voluntário, representa um quadro referencial válido, para estudos futuros, ainda que demande ajuste nas sentenças e semântica. Neste sentido, é pertinente registrar que foram mantidas as sentenças conforme pronunciadas pelos informantes.

Por fim, cabe registrar que, na pesquisa, foi notória a dificuldade que parte dos informantes para selecionar um único motivo de adesão, de filiação e de permanência na organização estudada. As respostas da maioria surgiram em meio a motivos que, por vezes, se mostraram antagônicas, atingindo níveis diferentes da Hierarquia do Trabalho Voluntário. Isto pode, por um lado, indicar que os motivos não se encontram em estado puro, conforme sugere a Hierarquia pensada em termos teóricos, ou, por outro lado, que a estratégia qualitativa, por conceder liberdade ao informante, permitiu a proliferação de falas que podem ser tomados como ruídos.

Figura 1 – Modelo da Hierarquia dos 5’As e respectivas assertivas

Fonte: adaptado de Souza, Medeiros e Fernandes (2006)

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* Os autores deste trabalho agradecem a Pastoral da Criança pelo apoio financeiro concedido em termos de recursos de custeio e capital para realização da pesquisa. Agradecemos ainda aos voluntários da aos núcleos da Pastoral da Criança de Natal-RN, pela atenção dispensada.
1 (UFRN) – Email: wsouza@ufrn.br
2 (UFERSA) – Email: tfdpe@yahoo.com.br
3 (IFRN) – Email: laysce@gmail.com
4 (PPGA/UFRN) – Email: abdon_ribeiro@yahoo.com.br


Vol. 33 (9) 2012
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