Espacios. Vol. 33 (6) 2012. Pág. 13 |
O viés social de Michael PorterThe social bias of Michael PorterRozana Carvalho Pereira 1, Mayra Batista Bitencourt Fagundes 2, Marly Fonseca Nunes 3 y Dario de Oliveira Lima- Filho 4 Recibido: 30/11/2011 - Aprobado:05/03/2012 |
Contenido |
Gracias a sus donaciones esta página seguirá siendo gratis para nuestros lectores. |
RESUMO: |
ABSTRACT: |
1. IntroduçãoA responsabilidade social das organizações tem sido um tema debatido com frequência na sociedade contemporânea. Alguns autores a entendem como uma nova forma de gestão; outros não reconhecem sua relação organizacional. Friedman (1985) asseverava que a questão social deveria ser gerida pelos órgãos governamentais competentes, indagando se é correto que homens de negócios tomem decisões relativas ao interesse social, já que existe uma carga imposta a seus acionistas para servir a esse interesse. O autor cita Adam Smith, para quem a empresa deveria buscar os lucros na certeza de que uma “mão invisível” faria todo o resto de uma forma automática. Peter Drucker (1993, p. 70) assim se posiciona a respeito das afirmações de Friedman: É inútil alegar, como faz o economista e laureado com o Prêmio Nobel Milton Friedman, que uma empresa tem somente uma responsabilidade: o desempenho econômico. O desempenho econômico é a primeira responsabilidade de uma empresa. Uma empresa que não apresente um lucro mínimo igual ao custo do seu capital é socialmente irresponsável. Ela desperdiça recursos da sociedade. O desempenho econômico é a base, sem ele, a empresa não pode cumprir nenhuma responsabilidade, nem ser boa empregadora, uma boa cidadã, uma boa vizinha. Mas o desempenho econômico não é a única responsabilidade da empresa. Mais tarde, os estudos de Peter Drucker também apontariam para outro aspecto bastante significativo: as empresas não decidem, não agem por si; elas agem à medida que seus gestores agem; são os indivíduos que planejam e decidem dentro da organização. Dessa perspectiva, a responsabilidade social pode ser considerada como: o agir de forma correta com todos os públicos envolvidos com a organização, visando ao desenvolvimento econômico, porém respeitando e considerando o desenvolvimento dos stakeholders, públicos interno e externo, o que implica também um papel ou finalidade social: As empresas comerciais, bem como as instituições do serviço público, privadas são órgãos da sociedade. Elas não existem por conta própria, mas para cumprir uma finalidade social específica e satisfazer uma necessidade exclusiva da sociedade, da comunidade ou da pessoa. Não constituem fins em si mesmos, apenas meios. (Drucker, 2006, p. 205). A concepção de que as organizações do terceiro milênio precisam ser responsáveis socialmente se quiserem sobreviver em meio à competição cada vez mais acirrada tem promovido debates, pesquisas e estudos na academia sobre o que vem a ser essa nova forma de gestão empresarial. A esse respeito, Tachizawa (2008, p. 43) afirma: Autores como Peter F. Drucker, Jay Gualbraith, Bill Gates, Michael E. Porter, Don Tapscott, entre outros, enfocam as mudanças fundamentais na situação econômica mundial, na natureza das organizações, e a necessidade de um novo referencial na gestão dos negócios, uma abordagem fundamentalmente inovadora à maneira de pensar para compreender e tratar as novas realidades.(grifou-se). Portanto, esse artigo analisa (com base nos conceitos de gestão de responsabilidade social utilizados por Drucker (2002), Ashley (2005), Tachizawa (2008) e das diretrizes preconizadas pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social) se nas obras de Michael E. Porter existe um viés social. Utilizou-se para tanto o método de análise de conteúdo. Adicionalmente, pretende-se contribuir para uma reflexão sobre a competitividade à luz de um enfoque social e que sirva de estímulo a outros estudos sobre o modelo de Michael Porter. 2. Do Conceito de Responsabilidade SocialA responsabilidade social é uma forma de gestão em que são considerados os stakeholders, público interno e externo. Nesse contexto, os funcionários e familiares, os clientes, fornecedores, governo, comunidade e meio ambiente são analisados e inseridos na estratégia organizacional para buscar o bem-estar comum, a valorização, o respeito e a ética nos atos organizacionais que os envolvam. Assim, tornou-se consenso que as organizações possuem um papel preponderante no desenvolvimento e na sustentabilidade de uma Nação, e a responsabilidade social, entendida como gestão organizacional, é considerada o caminho para uma sociedade mais justa e sustentável. Para Tachizawa (2008), esse novo ambiente empresarial exigirá dos gestores um novo senso de responsabilidade em relação aos membros do corpo funcional e as suas expectativas dentro da organização. Exigirá também uma postura ética dos gestores para com todos os stakeholders,ou seja: um novo sistema organizacional. Karkotli (2006, p. 30) afirma “que para uma organização desenvolver a gestão de responsabilidade social deverá em primeiro lugar transformar sua cultura organizacional em uma cultura humanista” e complementa: A gestão da responsabilidade social tem como objetivo provocar uma reflexão sobre o compromisso de integridade e honestidade na condução dos negócios, com a aderência às leis e à ética; reconhecer que parte do sucesso e respeito obtidos pela organização é trazida pelo seu desempenho social, e que além de suas responsabilidades específicas para com empregados, clientes, fornecedores, acionistas, governo, etc. existem outras mportantes responsabilidades que geram valor e reconhecimento por parte dos atores sociais. Drucker (1993) e Ashley (2005, p. 7) chamam a atenção para o fato de que novos valores e uma nova identidade social ordenam a sociedade contemporânea: O que está ocorrendo é mais do que mera resposta dos negócios às novas pressões sociais e econômicas criadas pela globalização. A pressão que um mercado globalizado exerce nas empresas faz com que elas precisem se auto-analisar continuamente. Cria-se, assim, um novo ethos que rege o modo como os negócios são feitos no mundo. Em resumo, está se tornando hegemônica a visão de que os negócios devem ser feitos de forma ética, obedecendo a rigorosos valores morais, de acordo com comportamentos cada vez mais universalmente aceitos como apropriados. Ashley (2005, p. 53) salienta que esse agir de forma correta está intimamente ligado ao estágio de desenvolvimento moral e características dos dirigentes de uma organização, “além das forças ambientais de expectativas sociais, normas da indústria e comunidade local de negócios, leis e regulamentações”. Pode-se observar uma similaridade entre as afirmações de Peter Drucker (1993), Ashley (2005) e o estudo de Peter Senge (1994), em seu livro A quinta disciplina (The Fifth Discipline), quando este defende que as organizações doentias são formadas por pessoas com patologias individuais, ao passo que as empresas saudáveis são constituídas por indivíduos mais amadurecidos e mais avançados em seus processos de autoconhecimento. Dessa forma, o desenvolvimento de uma organização deve ser considerado de uma perspectiva ampla, permeada pela vontade e pela ação de seus dirigentes, incluindo todos os públicos; caso contrário, a prosperidade dessa organização é restrita e passageira. É o que afirma Drucker quando destaca que as necessidades da sociedade, se não atendidas, transformam-se em doenças sociais, alertando que nenhuma instituição, quer se trate de uma empresa ou um hospital, uma universidade ou órgão do governo, terá probabilidade de prosperar em uma sociedade enferma, e nenhuma organização conseguirá manter-se em uma sociedade que não seja próspera. No Brasil, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social preconiza que responsabilidade social é uma forma de gestão definida por uma relação ética e transparente da empresa com todas as partes interessadas: funcionários, fornecedores, governo, meio-ambiente, concorrência, consumidores ou clientes, acionistas, comunidade e sociedade. Além de gerenciar esse relacionamento permeado pela ética e transparência, a empresa que apresenta a gestão de responsabilidade social respeita a diversidade e considera o desenvolvimento sustentável em cada tomada de decisão relativa ao negócio. O Instituto Ethos estabelece sete diretrizes e ações concretas para a atuação na gestão de responsabilidade, e este estudo busca identificar convergências ou possíveis dissonâncias entre essas diretrizes e os posicionamentos de Porter. O agir com responsabilidade social vincula-se aos campos econômico, social e ambiental, bem como ao âmbito das responsabilidades éticas, morais e sociais dos seus gestores. Prever os impactos das ações de uma organização em uma sociedade visando ao bem comum é gerir os negócios com responsabilidade social, assumindo as consequências dos atos coletivos ou individuais com comprometimento; é ser ético. 3. MetodologiaEsta pesquisa busca a compreensão de sentidos implícitos ou explícitos e a identificação das subjetividades mobilizadas no contexto das obras de Michael Porter. Para tanto, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2004) para tratamento dos dados. Os passos percorridos foram: 1) levantamento amplo e refinado dos dados, utilizando livros e artigos científicos de Michael Porter; 2) Pré-análise dos trabalhos visando identificar os estudos que mais se aproximava do tema investigado; 3) transcrição e exploração sistemática dos dados; 4) interpretação dos dados, correlacionando-os com o objetivo geral da pesquisa, que é investigar o viés social de Michael Porter. O procedimento básico utilizado foi a definição das unidades de registro (UR), numeradas em sequência ascendente (UR1, UR2...) por obra analisada, e definidas aqui como palavras, frases ou parágrafos que identificassem o viés social das abordagens sobre a responsabilidade social nos trabalhos de Michael Porter que constituem o córpus desta pesquisa. As unidades foram selecionadas conforme sua relevância: a) Vantagem Competitiva: criando e sustentando um desempenho superior; b) Competição: estratégias competitivas essenciai; c) Estratégia Competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência; d) A vantagem competitiva das nações e artigos relacionados. Após o número sequencial da UR, aparece a inicial (ou iniciais), em minúsculas, da palavra (ou palavras) que constitui o título da obra. Posteriormente, foram transcritas as unidades de registro e estabelecidas as relações com as sete diretrizes do Instituo Ethos de Responsabilidade Social. Procurou-se identificar, sobretudo, o viés social de Michael Porter nos textos pesquisados. A produção das inferências teve como embasamento teórico os pressupostos de gestão de responsabilidade social defendidas pelos autores. Da relação entre os dados e a teoria, emergiram as interpretações. 4. Resultados e DiscussõesPorter e as Diretrizes do Instituto Ethos1ª Diretriz: Adote valores e trabalhe com transparênciaUR1e : “Estratégia competitiva faz um exame do modo como uma empresa pode competir com maior eficácia para fortalecer sua posição no mercado. Qualquer estratégia deste tipo (para competir com maior eficácia e fortalecer sua posição no mercado) deve ocorrer no contexto de regras do jogo para um comportamento competitivo desejável em termos sociais, estabelecidos por padrões éticos e através de políticas públicas.” (Prefácio XIII) Embora não trate especificamente de visão e missão, Porter aponta, nesse enunciado, as regras do jogo competitivo para se alcançar um comportamento socialmente correto e desejável: obediência a padrões éticos, referenciando, assim, a importância do social e da ética para a estratégia competitiva que vai ao encontro com as diretrizes do Instituto Ethos(2010). Ao mencionar as políticas públicas, trata, indiretamente, dos “itens relevantes sobre os direitos humanos. Nesse recorte, há também uma referência ao novo ethos, à nova e hegemônica “identidade social” das empresas a que se refere Ashley (2005, p. 7): os negócios devem obedecer “a rigorosos valores morais, de acordo com comportamentos cada vez mais universalmente aceitos como apropriados”, ratificando as críticas que Drucker (1993, p. 70) fez a Friedman: “o desempenho econômico não é a única responsabilidade da empresa”. UR7v: “Muitas organizações têm outras metas além da rentabilidade, mesmo que estejam realizando lucros, o que pode entrar no valor para o comprador.” (p. 122) Nesse trecho, Porter realça a questão de que as organizações, quando possuem outras metas que não a rentabilidade, são aspirantes a entrar no valor para o cliente, e trabalhar com ética e compromisso social é um indicador de valor para o cliente. Nesse sentido, seus posicionamentos estão em consonância com a “teoria” de Kotler (2000, p. 56), para quem o valor total para o cliente é o conjunto de benefícios que os clientes esperam de um determinado produto ou serviço. Dessa perspectiva, a afirmação de Porter vem ao encontro das reflexões de Pereira, Fagundes, Andrade, Dresch e Soprane (2010), acerca do “lucro social” como indicador relevante para a demonstração e para o entendimento daquilo que foi investido em ações de responsabilidade social. UR13v: “Uma visão mais construtiva de equidade, que enfatiza a justiça em vez da uniformidade no modo como a alta gerência trata as unidades empresariais, é um requisito para o sucesso na obtenção de inter-relações. Criar esta visão de equidade, bem como fidelidade a um propósito mais elevado da empresa, é uma tarefa essencial da organização horizontal.” (p. 363) Nessa explicação da necessidade de um propósito mais elevado para a empresa, entrelaçado à justiça nas inter-relações, o autor indica uma gestão mais humanista, típica da gestão com/por responsabilidade social defendida por Drucker (2006, p. 66): as organizações são socialmente responsáveis quando buscam soluções para as necessidades do público e os problemas sociais, transformando-as em “suas próprias realizações”. 2ª Diretriz: Valorize os empregados e colaboradoresUR2vn: “A principal meta econômica de um país é produzir uma padrão de vida elevado e ascendente para os seus cidadãos.” (p. 6) UR28vn: “Este estudo levou-me, de maneira que não podia ter previsto, à convicção de que incentivos, perseverança e, especialmente, competição são as fontes do progresso econômico de qualquer país, e a base de cidadãos produtivos e satisfeitos. Tenho consciência de que isso pode parecer o reflexo de uma série de valores implícitos ou, talvez mesmo de uma ideologia, dos quais muitos não participam.” (p. 822) Porter retoma a importância dos cidadãos satisfeitos e produtivos e menciona valores implícitos em toda a sua pesquisa, o que representa que a competitividade benéfica para a empresa e para a Nação é feita com base em princípios éticos e compartilhados. O autor evoca, pois, a necessidade de transformar a cultura organizacional em cultura humanista, conforme orienta Karkotli (2006) e, de certo modo, a preocupação com a qualidade de vida dos empregados e de suas famílias. UR4vn: “A capacidade de serem altamente produtivas também permite às empresas de um país atender aos rigorosos padrões sociais que melhoram o padrão de vida, como na saúde e na segurança, na igualdade de oportunidades e no impacto ambiental.” (p. 6) Nessas ponderações, Porter realiza uma abordagem na perspectiva da qualidade de vida do cidadão e destaca o lazer. Por outro lado, demonstra outro ponto que é considerado na gestão de responsabilidade social: o cumprimento das obrigações para com o governo, tendo em vista também a melhora de padrão de vida. O recorte tem convergência também com a 7ª Diretriz . Essa consideração evidencia o cunho social de suas obras quando faz a interface entre a produtividade e o atendimento de padrões sociais, como saúde, segurança, igualdade de oportunidades e impacto ambiental. UR6vn: “A busca da competitividade, definida como saldo comercial, moeda barata ou baixos custos unitários de mão de obra, encerra muitas armadilhas e perigos. [...] A expansão das exportações devido a baixos salários e a uma moeda fraca – ao mesmo tempo em que o país importa bens sofisticados, que suas empresas não podem fazer com produtividade suficiente para competir com rivais estrangeiros – pode proporcionar equilíbrio ou saldo na balança comercial, mas baixa o padrão de vida nacional.” (p. 9) Competitividade é, portanto, sinônimo de produtividade, de desenvolvimento e de ações sustentáveis que proporcionam equidade e ascensão aos cidadãos. Baixos salários e moeda fraca, que dão equilíbrio ou saldo à balança comercial, são processos que Porter não considera saudáveis, pois baixam o padrão de vida nacional. O objetivo maior de qualquer Nação, como já abordou em outros momentos, tem de ser a elevação do padrão de vida dos cidadãos, que tem conexão com a proposta da gestão de responsabilidade social. UR19vn: “Companhias que investem no empregado e são orientadas para a inovação e a mudança geralmente têm baixa rotatividade de pessoal mais treinado.” (p. 664) Em sua análise, Porter faz referência a relações significativas: a dedicação da empresa para com seus trabalhadores e dos trabalhadores para com a empresa leva a um sentido maior de cooperação e sucesso, permeados pelo aprimoramento do conhecimento, ao passo que, em setores alicerçados por disputas internas e realização individual, o sucesso é menor. UR1vn: “Acho, de acordo com a posição liberal tradicional, por exemplo, que leis antitrustes rigorosas, regulamentos duros de saúde e segurança e pesados investimentos no treinamento de recursos humanos são benéficos.” (Prefácio) Porter inicia sua obra afirmando ser favorável às questões de regulamentação e enfatiza investimentos pesados em treinamento e recursos humanos como sendo extremamente benéficos para uma organização íntegra, retomando a importância da ética. Esta abordagem tem convergência também com a 7ª Diretriz do instituto Ethos. UR6c: “Uma economia produtiva e pujante exige trabalhadores educados, seguros, saudáveis e com moradia decente, que se sintam motivados pelo senso de oportunidade. A competitividade econômica não precisa ser sacrificada para a preservação do meio ambiente, pois a poluição decorrente das atividades empresariais resulta da utilização improdutiva dos recursos. [...] Em vez dessa abordagem falha, necessitamos de um novo enfoque baseado na harmonização e na busca simultânea dos objetivos econômicos e sociais, através da convergência do foco para a inovação e a competição atuando através dos mercados, e não contra os mercados.” (p. 19) Nos trechos apresentados, Porter afirma que objetivos econômicos e sociais devem seguir o mesmo rumo, o da inovação e competição em busca do trabalho, para a melhora da sociedade e do desenvolvimento como um todo. Novamente explica a questão ambiental que decorre da ingerência. Deixa claros os cuidados que a empresa deve ter para com os empregados quando quer uma economia produtiva e pujante. UR11c: “O único conceito significativo de competitividade no nível nacional é a produtividade. O principal objetivo de um país consiste em proporcionar um padrão de vida elevado e crescente para os cidadãos. [...] A produtividade é o principal determinante do padrão de vida de longo prazo no país; é a causa primordial da renda per capita nacional.” (p. 172) Uma nação deverá trabalhar para aumentar a produtividade e, com isso, o padrão de vida dos cidadãos. Constata-se implícitamente a preocupação social referindo-se ao padrão de vida dos cidadãos. UR13c: “O elemento decisivo para a prosperidade econômica é o tipo de empregos, e não a capacidade de empregar os cidadãos com baixos salários.” (p. 173) Implícitamente, a menção aos cidadãos destaca o aspecto social, e sua explicação conduz de forma contundente ao entendimento de prosperidade econômica condicionada ao social. Trabalhos dignos, valorização do ser humano, respeito ao cidadão, justiça social e lucro social são indicadores que reprovam a ideia, excludente, de baixos salários. 3ª Diretriz: Faça sempre mais pelo meio ambienteUR2c: “[...] todas as formas de poluição provenientes da atividade empresarial são manifestações de desperdício econômico. [...] As empresas devem encarar a melhoria ambiental não como uma questão de regulamentação, mas sim como ingrediente essencial do esforço de aumentar a produtividade e a competitividade”. (p. 16) Nessa abordagem, Porter inicia a discussão sobre os investimentos para a melhoria ambiental. Em outros momentos do livro, reafirma que a proteção ao meio ambiente torna a empresa mais produtiva e competitiva. UR6c: “Uma economia produtiva e pujante exige trabalhadores educados, seguros, saudáveis e com moradia decente, que se sintam motivados pelo senso de oportunidade. A competitividade econômica não precisa ser sacrificada para a preservação do meio ambiente, pois a poluição decorrente das atividades empresariais resulta da utilização improdutiva dos recursos. [...] Em vez dessa abordagem falha, necessitamos de um novo enfoque baseado na harmonização e na busca simultânea dos objetivos econômicos e sociais, através da convergência do foco para a inovação e a competição atuando através dos mercados, e não contra os mercados.” (p. 19) É nesses trechos que Porter afirma que objetivos econômicos e sociais devem seguir o mesmo rumo, o da inovação e competição em busca do trabalho para a melhora da sociedade e do desenvolvimento como um todo. Novamente explica a questão ambiental que decorre da ingerência e deixa clara a necessidade de cuidados para com os empregados quando se quer uma “economia produtiva e pujante”. Este recorte tem convergência com a 1ª, 2ª, 3ª,5ª,6ª e 7ª diretrizes do Instituto Ethos. UR14c: “Normas rigorosas sobre o desempenho e segurança dos produtos e sobre o impacto ambiental pressionam as empresas a aprimorar a qualidade, desenvolver a tecnologia e oferecer produtos e serviços com características que correspondam às demandas sociais e dos consumidores.” (p. 199). UR22c: “O pensamento estático induz as empresas a combater normas ambientais que, na realidade, seriam capazes de reforçar a sua competitividade” (p. 385) UR23c: “Uma das principais razões pelas quais as empresas não são muito inovadoras em relação a problemas ambientais é a ignorância.” (p. 393) UR25c: “[...] as empresas devem tornar-se mais proativas na definição de novos tipos de relacionamento com os reguladores e com os ambientalistas. Para tanto, necessitam de uma nova atitude mental.” (p. 394) Como solução para as questões geradas pelas regulamentações e por contatos com os ambientalistas, Porter propõe a mudança mental, que é extremamente necessária na gestão de responsabilidade social. Essa gestão necessita de gestores generalistas e humanistas primeiramente; assim, deve ser absorvida por um processo mental que irá, a partir daí, avaliar os atos que estão em desacordo com essa mudança. UR19c: “A poluição do ambiente com sucatas, substâncias nocivas ou formas de energia é um sinal de que os recursos foram utilizados de forma incompleta, ineficiente ou ineficaz.” (p. 374) UR21c: “No entanto, o atual clima de rivalidade impulsiona o custo de conformidade com normas ambientais e restringe os benefícios da inovação, agravando ainda mais o dilema.” (p. 385) Importa ressaltar que Porter faz referência positiva às “normas”, explicando que adequar é algo exigível, porém superar as exigências das normas ambientais é algo necessário para a melhoria dos processos, o que acarreta maior produtividade. Novamente se correlacionam as questões sociais, numa abordagem que se aproxima bastante das discussões atuais sobre sustentabilidade e da 3ª Diretriz do Instituto Ethos. Ademais, para Porter, inovar é a chave para os males organizacionais, porém, quando uma organização coloca-se como opositora de uma norma, ao invés de refletir sobre sua necessidade e sobre os benefícios que podem ser gerados no longo prazo, restringe os benefícios da inovação. Aqui podemos incluir outra discussão: a dos objetivos organizacionais atrelados à forma de gestão que visa somente ao lucro e não trabalha com a perspectiva do lucro social. A atuação empresarial de maneira responsável e coerente com a sustentabilidade é trabalhada implícita e explícitamente no texto de Porter. 4ª Diretriz: Envolva parceiros e fornecedoresUR8v: “Uma empresa pode conseguir diferenciar-se simplesmente através de uma melhor coordenação interna ou com os fornecedores ou canais.” (p. 143) Esse parágrafo demonstra que a gestão organizacional é precursora de diferencial e enfatiza questões de relacionamento interno com fornecedores ou canais. Esta em convergência com a UR16vn: “A vantagem competitiva envolve todo o sistema de valores. O sistema de valores é toda a série de criação e uso do produto, abrangendo as cadeias de valores da empresa, fornecedores, canais e compradores. Um estreito e constante intercâmbio com fornecedores e canais é fundamental para o processo de criar e manter a vantagem. A vantagem competitiva advém, com freqüência, da identificação de novas maneiras de configurar e administrar todo o sistema de valores.” (p. 649) Essa explicação evidencia a importância da relação entre fornecedor e cliente e faz uma ressalva quanto a identificar novas maneiras de configurar e administrar todo o sistema de valores para alcançar a vantagem competitiva, o que implica em uma forma de Gestão onde são considerados todos os stakeholders, a Gestão de Responsabilidade Social. Este recorte converge com a 4ª e 5ª diretrizes do Instituto Ethos. 5ª Diretriz: Proteja clientes e consumidoresUR4vn: “O crescimento constante da produtividade exige que a economia melhore constantemente. As empresas do país devem elevar, incessantemente, a produtividade das indústrias existentes, melhorando a qualidade do produto, acrescentando elementos desejáveis, apurando a tecnologia do produto ou intensificando a eficiência da produção.”(p.7) UR17vn: “Vantagens competitivas mais duráveis dependem, geralmente, da posse de recursos humanos avançados e de capacidade interna. Exigem investimento constante em habilitações e bens especializados, bem como mudança constante. Por essas razões, as estratégias de diferenciação envolvendo alta qualidade do produto, características avançadas, altos níveis de serviço e fluxo de inovação de produto são, geralmente, mais sustentáveis do que as estratégias baseadas no custo, mesmo as que se baseiam em economia de escala ou grandes investimentos de capital. Estas podem ser reproduzidas pelos concorrentes que compram equipamentos e instalações mais modernas.” (p. 652) O contexto explicitado suscita reflexão sobre a importância de uma gestão com foco em capacitação, valorização, integração, especialização, flexibilidade, inovação, o que conduz a uma diferenciação inimitável, o que não ocorre em estratégias baseadas em custo, que podem ser facilmente copiadas. Esta pesquisa trata a gestão de responsabilidade social como estratégia de diferenciação, implícita no recorte e convergindo com a1ª, 2ª , 4ªe 5ª Diretriz do Instituto Ethos. UR7c: “A eficácia operacional significa o desempenho de atividades melhor do que os rivais. Abrange a eficiência, mas não se limita apenas a esse aspecto. Diz respeito a quaisquer práticas pelas quais a empresa utiliza melhor os insumos, como por exemplo, a redução dos defeitos nos produtos ou o desenvolvimento de melhores produtos com maior rapidez. Em contraste, o posicionamento estratégico significa desempenhar atividades diferentes das exercidas pelos rivais ou desempenhar as mesmas atividades de maneira diferente.” (p. 47-48) “O lema da estratégia competitiva é ser diferente. Significa escolher, de forma deliberada, um conjunto de atividades para proporcionar um mix único de valores.” (p. 52) Nesse ponto, encontramos a singularidade da gestão de responsabilidade social: cada organização, em virtude de suas especificidades, comporta uma gestão de responsabilidade social que proporciona “um mix único de valores”, ou seja, uma estratégia de diferenciação. Este recorte também tem convergência com a 1ª Diretriz do Instituto Ethos. 6ª Diretriz: Promova sua comunidadeUR7vn: “Uma nova teoria deve partir da premissa de que a competição é dinâmica e evolui. Na competição real, o caráter essencial é inovação e mudança.” (p. 21) “O que constatei é que as empresas não terão êxito se não basearem suas estratégias na melhoria e na inovação, numa disposição de competir e no conhecimento realista de seu ambiente nacional e de como melhorá-lo.” (p. 31) Em vários momentos, Porter trabalha na perspectiva de uma nova teoria para administradores e economistas, segundo a qual se devem integrar variáveis dinâmicas, ao contrário das teorias estáticas. O ponto fundamental é o conhecimento de como melhorar o ambiente onde a organização está inserida. Essa visão assemelha-se ao entendimento de que uma organização deva trabalhar para o desenvolvimento e prosperidade da sociedade em que atua, pois, como Peter Drucker enfatizou, nenhuma organização poderá ser próspera em uma sociedade enferma, e nenhuma organização conseguirá manter-se em uma sociedade que não seja próspera. UR18vn: “Algumas regiões e cidades estarão tipicamente à frente de outras em sua preocupação com problemas sociais como segurança, qualidade ambiental e outros semelhantes. Em lugar de evitar essas áreas, como fazem certas empresas, procurá-las. A empresa deve definir suas metas internas como o atendimento (ou a superação) desses padrões. Disso resultará vantagem quando outras regiões e, finalmente outros países modificarem seus regulamentos para adotar outros mais rigorosos.” (p. 659) Esse trecho do livro é claro quanto à importância que Porter atribui à competitividade de uma empresa que tenha preocupação com problemas sociais e com a definição de metas internas para o atendimento ou a superação destes, antecipando, inclusive, as regulamentações. UR21vn: “A empresa pode patrocinar a criação de novos departamentos universitários ou institutos de pesquisas em campos tecnológicos importantes para a indústria. A pesquisa por investigadores destacados pode ser financiada através de contratos de pesquisa específica em áreas de interesse da empresa. Esta pode oferecer apoio financeiro para instalação de pesquisa e cargos de pesquisadores.” (p. 667) Essa abordagem tem relação direta com o investimento na sociedade para o desenvolvimento; dessa forma, os benefícios não são somente para a empresa, mas para toda a comunidade onde ela está inserida. 7ª Diretriz: Comprometa-se com o bem comumUR8vn: “As tendências da indústria, que têm mais importância para a estratégia, são as que afetam a sua estrutura subjacente. As empresas, com suas estratégias, podem também influenciar as cinco forças competitivas, para pior ou para melhor.” (pp. 46-47) Nesse parágrafo, Porter torna explícita a importância da estrutura subjacente para uma estratégia organizacional e ressalva a influência nas cinco forças competitivas. A gestão de responsabilidade social possui intercâmbio de ações para se trabalhar com a estrutura subjacente, pois envolve os aspectos desta, que são sentimentos, normas grupais, interações, motivações, desejos, valorização, entre outros. UR26vn: “A prosperidade econômica nacional não é um jogo de perde-ganha, no qual os ganhos de um país se fazem às expensas de outros. Um processo salutar de aprimoramento econômico pode permitir a todos os países desfrutarem de um padrão de vida em elevação.” (p. 821) Porter identifica a prosperidade econômica como possível para todos os países, desde que haja um processo salutar para a elevação do padrão de vida de todos os cidadãos. Um processo salutar é o trabalho calcado no respeito mútuo visando ao bem comum, com princípios éticos e sustentabilidade ambiental e econômica. Pode-se identicar claramente o “Porter Social” neste recorte. 5. Considerações finaisPor meio de técnicas pertinentes à análise de conteúdo, foi possível verificar que o viés social existente nas obras de Michael Porter é compatível com as diretrizes norteadoras da gestão de responsabilidade social estabelecidas pelo Instituto Ethos de Responsabilidade Social, de onde se pode inferir que essa gestão é uma estratégia genérica de diferenciação e, como tal, resume-se em precursora de valor a ser agregado às instituições. Em todas as obras analisadas, pôde-se visualizar uma proposta de elevação de princípios e de conhecimentos, de atuação ética e de progresso mútuo, visando à evolução do indivíduo, da sociedade e das nações. Desde seus primeiros relatos, Porter apresenta implicitamente uma preocupação com o agir e com o ser individual e coletivo, em uma perspectiva segundo a qual a competitividade saudável é necessária para o desenvolvimento de todos. Ademais, Porter explica que o meio ambiente engloba forças sociais e econômicas e que uma companhia deve relacionar-se com esse ambiente para a formulação de uma estratégia competitiva. Para esse relacionamento, deve haver um entendimento do que sejam essas forças sociais e econômicas. Na análise das cinco forças competitivas, pode-se ter um entendimento das forças econômicas do mercado e, para o entendimento das forças sociais, uma organização precisa estar estreitamente ligada a elas, atuando com a gestão de responsabilidade social. Porter identifica a prosperidade econômica como possível para todos os países desde que obedeça a um processo salutar para a elevação do padrão de vida de todos os cidadãos. Um processo salutar é o trabalho calcado no respeito mútuo, visando ao bem comum, com princípios éticos e sustentabilidade ambiental e econômica. Dessa forma, estas reflexões podem ser consideradas relevantes não só para as organizações, mas também para o governo e para a academia. Para as organizações, porque abordam essa nova forma de gestão como indicador de competitividade; para o governo, por conterem subsídios às políticas públicas de incentivos e valorização das estratégias das organizações; para a academia, como releitura de Porter, ou um novo olhar para as obras de Porter, “O Porter Social”, à medida que as discussões apresentadas são pertinentes à integração dos princípios humanistas e generalistas nas características essenciais para um administrador, seja ele de uma empresa, ou de uma organização sem fins lucrativos. Nessa direção, são lançadas sugestões a futuros gestores de instituições de ensino superior quanto à possível integração, nos currículos, da disciplina gestão de responsabilidade social. Espera-se ter iniciado uma discussão e lançado um novo olhar para as mudanças necessárias na gestão organizacional, ancoradas em pressupostos da gestão de responsabilidade social, isto é, interação com o indivíduo, tornando-o responsável por todos os procedimentos e exigindo reformulações contínuas em seus valores e atitudes no coletivo. 6. ReferênciasAshley, P. A. (2005). Ética e responsabilidade social nos negócios (2a ed.). São Paulo: Saraiva. Bardin, L. (2004). Análise do conteúdo (3a ed.). Lisboa: Edições 70, LDA. Drucker, P. F. (1993). Sociedade pós-capitalista. São Paulo: Pioneira. Drucker, P. F.(2002). O melhor de Peter Drucker: obra completa. São Paulo: Nobel. Drucker, P. F. (2006). Introdução à Administração. São Paulo: Thomson Learning. Friedman, M. (1985). Capitalismo e liberdade (2a ed.). São Paulo: Nova Cultura. Karkotli, G. (2006). Responsabilidade social empresarial. Petrópolis-RJ: Vozes. KOTLER,P. Administração de Marketing: a edição do novo milênio;tradução Bazan Tecnologia e Lingüística;revisão técnica Arão Sapiro. São Paulo:Prentice Hall,2000. INSTITUTO ETHOS DE EMPRESA E RESPONSABILIDADE SOCIAL. Responsabilidade social. Disponível em <www1.ethos.org.br> Acesso em: 6-3-2010. Pereira, R. C., Fagundes, M. B. B., Andrade, E.S., Dresch, L.O., Soprane, G. A.,(2010). Balanço social e o indicador de lucro social para empresas cidadãs: o caso Embrapa.Revista IDeAS – Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Rio de Janeiro – RJ, v. 4, n. 2, PP.519-543.Recuperado de http://www.ufrrj.br/cpda/ideas/revistas/v04/n02/IDeAS-v04_n02-Apresentacao.pdf Porter, M. E. (1989). Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Campus. Porter, M. E. (1993).Vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus. Porter, M. E. (1999). Competição: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Campus. Porter, M. E. (2004). Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústria e da concorrência (2a ed.). Rio de Janeiro: Campus. Senge, P. M. (1994). A quinta disciplina – caderno de campo: estratégias para construir uma organização que aprende. Rio de Janeiro: Qualitymark. Tachizawa, T. (2008). Gestão ambiental e responsabilidade social corporativa: estratégias de negócios focadas na realidade brasileira. São Paulo: Atlas. |
1 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil e-mail: rozana.carvalho@uol.com.br |