Espacios. Vol. 33 (2) 2012. Pág. 16 |
Empreendedorismo na base da pirâmide social: o fenômeno das lan houses na comunidade da Rocinha (RJ)Entrepreneurship at the bottom of the pyramid: the case of lan houses in Rocinha (RJ)Emprendimiento en la base de la pirámide social: El fenómeno de las lan houses en la comunidad de Rociña (RJ)Sandra R. H. Mariano 1, Joysi Moraes 2 y Sílvio Medeiros 3 Recibido: 08-07-2011 - Aprobado: 17-11-2011 |
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RESUMO: |
ABSTRACT: |
IntroduçãoO tema empreendedorismo vem ganhando espaço na agenda dos pesquisadores, principalmente, devido ao potencial da ação dos empreendedores sobre o desenvolvimento econômico e social dos países, reconhecido desde os tempos de Cantillon (1680-1734). Já naquela época, Cantillon (1959), definia o empreendedor como o sujeito que, em determinada sociedade, cumpria o papel de assumir riscos e enfrentar incertezas na expectativa de obter lucro. Desde então, o comportamento deste indivíduo que corre riscos para realizar ações materializadas em novos empreendimentos que geram riqueza vêm sendo estudado, embora pouco se atenham aos empreendedores que estão na base da pirâmide social, principalmente moradores de comunidades de baixa renda, como a da Rocinha (Rio de Janeiro), uma das maiores favelas da América Latina, onde foi realizada a pesquisa apresentada neste artigo. A pesquisa em pauta busca contribuir para a compreensão sobre o tema a partir de estudos sobre o comportamento destes empreendedores que constituem o que Castilhos (2007, p. 10) denomina de “elite do morro”, “um grupo cujos principais membros são os bem-sucedidos comerciantes locais” e Rocha e Silva (2008, p. 8) classificam como “elite dos pobres”, “um grupo constituído por microempresários locais, com moradias melhores e mais bem localizadas, que se relacionam entre si e se constituem em símbolos de ascensão social para os demais” do mesmo morro. O tipo de empreendimento escolhido foram as lan houses, pois estas se transformaram em um fenômeno no Brasil por ser tornarem responsáveis pela inclusão digital de parcela significativa da população brasileira. “Tais empreendimentos, as lan houses, possibilitam a inclusão digital de uma população carente sem condições de acessar computadores e a internet de outras formas. Tamanho é essa revolução que, dentre todos os acessos a internet no Brasil, em 2008, 49% eram via lan houses” (CETIC, 2008, p. 1). Segundo Barbosa (2010), 51% da população das classes “D” e “E” acessam o computador em lan houses, assim como 31% da classe “C” e, apenas, 7% da classe “B’. A classe “A” praticamente não utiliza a lan house. Deste modo, a pesquisa tem como foco o comportamento empreendedor na base da pirâmide social e como sujeitos da pesquisa empreendedores de lan houses da Rocinha (RJ). A investigação buscou identificar: as características do comportamento empreendedor deste grupo específico; qual a sua motivação para empreender; o motivo de terem escolhido o empreendimento tipo lan house; e como este empreendedor organizou a prestação de serviços em seu estabelecimento. Para apresentar a pesquisa, este artigo foi construído em mais quatro partes, além desta introdução. Inicialmente, apresenta-se, de forma concisa, o aporte teórico que propicia suporte aos estudos do comportamento empreendedor; seguido dos procedimentos metodológicos adotados. Adiante, segue a apresentação e análise dos resultados e, por fim, algumas considerações finais, indicando as referências utilizadas ao longo do texto. Comportamento empreendedorA literatura sobre o comportamento empreendedor sustenta-se, principalmente, sob duas vertentes teóricas muito claras: a Escola Econômica e a Escola Comportamentalista. Além destas, ainda podem ser relacionadas pelo menos mais três escolas do empreendedorismo, a saber: Escola Fisiológica, Escola Positivo Funcional e Escola do Pensamento Cognitivo. A Escola Econômica enfatiza que a essência do empreendedorismo está na inovação de produtos, processos e no aproveitamento de novas oportunidades no âmbito dos negócios. A escola fisiológica considera que o empreendedorismo ou o ato de empreender de um sujeito é decorrente da natureza das pessoas não das condições ambientais ou de seu comportamento. A Escola Positivo Funcional, por sua vez, observa o empreendedor como um sujeito que inicia novos empreendimentos, mas isto adaptado em seu contexto e evoluindo de acordo com as mudanças do seu meio, ou seja, o empreendedor nada mais é que um produto do ambiente em que vive. Enquanto isso, a Escola do Pensamento Cognitivo estabelece maior ênfase na dimensão cognitiva, pois entende que há uma relação direta entre as atividades do empreendedor com suas capacidades pessoais, inclusive sua capacidade de aprender, o que significa, em primeira instância, que pode-se ensinar alguém a empreender (Baron, Markman, 2003). Tendo em vista que ao longo do artigo são abordadas, principalmente, questões relativas às motivações e características comportamentais dos empreendedores conhecidos como “elite dos pobres” ou “elite do morro”, ou seja, empreendedores estabelecidos em comunidades como a da Rocinha (RJ), é explorada a vertente comportamentalista. Destaca-se, ainda, que, pelo menos neste artigo, empreendedor é “aquele sujeito que cria uma empresa” (Gartner, 1989, p. 47); alguém que assume riscos e inova, com um objetivo preciso: o de iniciar e manter um negócio, sendo este, portanto, o seu empreendimento (Araújo, 1988). Neste sentido, empreendedores são aqueles sujeitos cujo comportamento tende a alterar a dinâmica de determinado local, especialmente aquele no qual instala seu empreendimento. A saber, portanto, que a Escola Comportamentalista, deu seus primeiros passos em meados da década de 1940, com a publicação do livro “O comportamento administrativo”, de Simon (1947), destacando o sujeito frente aos processos decisórios nas organizações. Avançando, na década de 1960, com McClelland (1961), cuja abordagem obteve maior legitimidade a partir a década de 1980, à medida que seus estudos sobre o comportamento humano nas organizações apontaram para a possibilidade de compreender as práticas empreendedoras a partir do estudo do comportamento dos empreendedores. McClelland (1961; 1971) destacou-se devido à força dos seus argumentos baseados em pesquisas que se propunham identificar fatores que explicassem o apogeu e o declínio de algumas civilizações. Nestas civilizações, o autor buscou identificar características que pudessem tornar uma civilização mais forte e poderosa que a outra. Uma vez que civilizações são formações humanas, McClelland (1961; 1971) tentou identificar estas mesmas características em organizações empresariais. Assim, através da sua Teoria da Motivação pelo Êxito e/ou Medo, o autor aponta três motivos/necessidades que poderiam orientar a dinâmica do comportamento de uma pessoa: realização, afiliação e poder. Destacando-se que, indivíduos diferentes podem possuir diferentes níveis de cada motivo/necessidade, embora seja improvável a inexistência de qualquer um deles; especialmente, de realização, posto que tenha a ver com a motivação pelo êxito, a busca pelo sucesso. Suas contribuições, ainda hoje, colaboram no processo de entendimento do comportamento do empreendedor e, por este motivo, é aqui utilizado como referência. Para McClelland (1961; 1972), empreendedores são aqueles sujeitos com alta necessidade de realização que são sensíveis a mudanças ambientais com relação às oportunidades econômicas; sua estrutura motivacional é diferenciada das demais pessoas, devido à presença marcante de uma necessidade específica: a realização. Em outras palavras, a Escola Comportamentalista está centrada na necessidade de auto-realização do indivíduo. O empreendedor é percebido em função das suas características pessoais, seus desejos e motivações. Corroborando com McClelland (1961; 1971; 1972), Leite (2000) acrescenta que a necessidade de realização dirige a atenção de um indivíduo para a execução das tarefas da melhor maneira possível de modo a atingir os objetivos propostos. Entretanto, o mesmo autor também assinala que apenas a necessidade de realização é insuficiente para explicar a criação de novos empreendimentos, tampouco o sucesso dos empreendedores. Destaca-se, ainda, que, embora muito se estude sobre o tema, a correlação entre a propriedade de pequenos negócios e a existência de alta necessidade de realização em uma pessoa não está comprovada. McClelland (1961; 1971), no entanto, afirma que as características empreendedoras são definidas com base na teoria do comportamento planejado, busca de informações, persistência, comprometimento, exigência de qualidade e eficiência, persuasão e rede de contatos, riscos calculados, estabelecimento de metas, independência e autoconfiança. Foi a partir destes parâmetros que o autor criou o modelo para verificar quais características se sobressaem no sujeito que empreende, destacando as características observadas na Tabela 1. A Tabela 1 apresenta cada um das Características Comportamentais Empreendedoras (CCEs) que se procurou identificar entre os empreendedores de lan houses da Rocinha e foi base para o questionário da pesquisa realizada com os empreendedores.
Tabela 1: Comportamentos empreendedores Este instrumento que busca identificar as CCEs é centrado na idéia que a motivação do indivíduo é condição para o alcance dos seus objetivos. Segundo McClelland (1961; 1971), a motivação dos empreendedores está acima da média e isso ocorre devido à sua necessidade de realização. Conforme Winslow e Solomon (1987), o elemento psicológico crítico observado em empresários de sucesso é denominado por McClelland de “motivação da realização” ou “impulso de melhorar”. Identificar esta motivação é uma das intenções do modelo. A estrutura metodológica e conceitual utilizada por McClelland (1961; 1971) também atende aos propósitos desta pesquisa, especialmente o que foi descrito por ele no Thematic Apperception Test (TAT). Um teste que busca identificar as dez CCEs descritas pelo autor e categorizadas em três grupos: realização; planejamento e resolução de problemas; e influência ou capacidade de se relacionar com as pessoas (ver Tabela 1). Metodologia da PesquisaPara a pesquisa, foi utilizado o TAT já adaptado por Silva (1991) para o contexto brasileiro, conforme a Tabela 1. Foi realizada uma survey com os empreendedores de lan houses na Rocinha (RJ) onde a obtenção de dados ou informações sobre características, ações ou opiniões deste grupo de pessoas se deu por meio de um instrumento de coleta de dados (PINSONNEAULT e KRAEMER, 1993). A Rocinha (RJ), lócus da pesquisa, é uma das maiores favelas da América Latina. O Censo Domiciliar Rocinha 2009 estimou uma população de aproximadamente 72.458 mil pessoas vivendo no local. A Associação de Moradores da Rocinha (2010) registra cerca de 150 mil moradores. A renda média aproximada por domicílio é de R$ 727,49, embora 24,4% da população não tenha renda; 14,8% recebem até R$ 415,00, enquanto 23,1% auferiram entre R$ 415,01 e R$ 830,00 em 2009 (GOVERNO DO ESTADO DE RIO DE JANEIRO, 2010). O Censo também identificou 6.529 empreendimentos formais e informais, sendo que o desemprego foi a razão apontada por 50,4%, dos entrevistados para ter iniciado um negócio. Ainda segundo o Censo, é possível trafegar veículos em apenas 7,5% das ruas, sendo que a maior parte dos logradouros é de becos e ruas estreitas, o que dificulta o acesso de leigos ao local. Por isto mesmo, foi selecionada uma amostra não probabilística por conveniência. A amostra não probabilística é “aquela em que a seleção dos elementos da população para compor a amostra depende em parte do julgamento do pesquisador ou do entrevistador no campo” (MATTAR, 2001, p. 73). Quando esta amostra também é realizada por conveniência significa que o pesquisador selecionou membros da população mais acessíveis (SCHIFFMAN, L. & KANUK, 2000, p. 27). Alguns fatores contribuíram para a escolha desta comunidade: um dos pesquisadores já conhecia pessoas que vivem no local, o que facilitou o acesso aos entrevistados; e o contato com a Associação de Moradores da Rocinha, que propiciaram o acesso e o deslocamento dos pesquisadores dentro do bairro, portanto, facilitando o contato com os empreendedores locais. Assim, a amostra foi composta por 44 sujeitos do universo dos empreendedores de lan house da comunidade da Rocinha, com um total de 40 respostas válidas. Lembrando que, segundo Cabral (2008), na Rocinha, em 2008, já existiam 92 lan houses. Os questionários foram aplicados pelos próprios pesquisadores com cada empreendedor, individualmente. Buscou-se com isto melhorar a qualidade das respostas. O questionário foi estruturado em 05 blocos chamados A, B, C, D e E. A parte “A”, teve o objetivo de identificar o perfil demográfico doempreendedor; a parte “B” para conhecer o empreendimento e a motivação para empreender. O bloco “C” tratava sobre os clientes das lan houses. A parte “D”, a mais extensa e central para esta pesquisa, contava como 31 afirmações sobre as Características Comportamentais Empreendedoras (CCEs). Os dados foram processados no SPSS 16.0, de onde as foram extraídas as médias e desvios padrão das respostas dadas às 31 afirmações sobre as CCEs que integravam a parte “D” e variavam, em uma escala Likert, de discordo totalmente (1) a concordo totalmente (5). Richardson (1999) sugere a análise descritiva de dados para explorar aspectos amplos como levantamento de opiniões e atitudes da população acerca de determinadas situações. Assim, procedeu-se a análise descritiva das respostas as afirmações propostas. Apresentação e análise dos ResultadosDos 40 empreendedores de lan houses que fizeram parte amostra analisada, observou-se que 95% dos seus estabelecimentos funcionam todos os dias da semana, e 72% abrem por um período de 13 a 16 horas diariamente. Sobre o porte dos estabelecimentos, medido em número de computadores disponíveis, foram identificadas três categorias: 20% que possuem entre 15 e 22 computadores disponíveis; 60% possuam entre 8 e 14 computadores; e 20% são de pequeno porte e dispõem de 4 a 7 computadores. O nível de ocupação dos computadores também é variável e reflete a sazonalidade dos horários de pico. Os proprietários estimam que 71% dos freqüentadores utilizam a internet por 1 hora/dia. Os custos unitários variam entre R$ 0,50 e R$ 0,75 para meia hora de uso, de R$ 1,00 a R$ 2,00 por uma hora. Adolescentes e os jovens são os principais clientes e freqüentam estes as lan houses, principalmente, para acessar sites de relacionamento, jogos, ouvir e baixar músicas. Sobre os empreendedores, os proprietários de lan house na comunidade da Rocinha, 75% são homens. Do total de empreendedores, 82,5%, são moradores da própria comunidade e 77,5% estão com idade entre 18 e 36 anos. Segundo suas informações, 52,5% das lan houses, estão em atividade entre 2 e 3 anos. Sobre outros negócios além da lan house 37,5% dos empreendedores informaram que mantém outro empreendimento e 62,5% só trabalham na sua própria lan house. 22,7% dos proprietários ainda afirmaram que foram donos de outros negócios antes da lan house e 77,5% declararam que a lan house foi seu primeiro negócio. Perguntados se a renda familiar aumentou ou diminui no último ano, 72,9% responderam que houve aumento de renda. 60% dos respondentes declararam não ter sócios. Sobre a classificação de sua atividade, 52,50% se consideram autônomos, 12,5% profissionais liberais, 12,5% estudantes e apenas 10% se declararam empresários ou empreendedores. Ressalta-se, ainda, que 80% dos empreendedores possuem escolaridade média (completa ou incompleta) técnica ou científica, com conhecimentos na área de informática. Sobre os objetivos centrais deste artigo, analisar as motivações e o comportamento empreendedor da “elite do morro” ou “elite dos pobres”, a Tabela 2 mostra que os empreendedores que estabeleceram sua lan house já tinham vontade de abrir o próprio negócio, resposta cuja média foi 4.1. Destaca-se que boa parte dos respondentes concorda que os exemplos de pessoas na família que abriram negócios os influenciaram na criação dos próprios empreendimentos. A média 4.0 também mostra que os respondentes abriram seus negócios para auferir renda. A expertise na área de informática e a percepção da oportunidade também foram fatores que influenciaram na abertura do negócio. A maior parte dos empreendedores abriu o negócio com recursos próprios e uma pequena parte contraiu empréstimo. Os proprietários de lan house da Rocinha são empreendedores que parecem ter uma motivação relacionada com a oportunidade, movida pela busca de independência e pelo aumento de suas rendas, como pode ser percebido pela média obtida nas respostas com relação às “sempre tive vontade de ter meu próprio negócio” e “decidi abrir a lan house para que ela seja um complemento na renda familiar”. Os dados ainda mostram que os incentivos do poder público, quando existem, são pouco utilizados para a abertura das lan houses.
Tabela 2: Motivos para abrir a lan house Sobre o comportamento empreendedor, as respostas coletadas foram divididas em três partes que tratavam sobre: capacidade de realização do empreendedor; planejamento e resolução de problemas; e influência ou capacidade de se relacionar com as pessoas. No que tange à capacidade de realização, esta categoria é composta pelos seguintes comportamentos empreendedores: busca de oportunidades e iniciativa, exigência de qualidade e eficiência, persistência, independência e autoconfiança. A Tabela 3 que mostra os resultados obtidos foi elaborada a partir das escolhas dos respondentes, onde cada um indicava a resposta que melhor expressava a sua opinião sobre cada uma das afirmações apresentadas, entre as seguintes alternativas: discordo totalmente (DT), nem discordo, nem concordo (ND-ND), concordo e concordo totalmente (CT). Segundo a pesquisa, os respondentes acreditam que as oportunidades podem ser identificadas, portanto, não são resultado de sorte, mas da ação. 65% dos respondentes discordam que “o que importa mesmo é ter sorte”, confirmado pelos 90% que discordam da afirmação “penso como o Zeca Pagodinho: deixo a vida me levar”. 75% dos respondentes ainda assinalam que é possível identificar uma oportunidade de diversas maneiras “numa fila de Banco ou durante uma conversa no bar ou restaurante e até mesmo lendo um jornal é possível perceber oportunidades de negócio”. O cuidado em antecipar-se aos eventos também foi identificado, uma vez que 90% dos respondentes concordam que o empreendedor deve buscar “perceber que alguma coisa pode dar errado” e 95% deles pensa em crescer e aumentar “o estabelecimento para novas áreas, produtos ou serviços”, o que mostra intenção de explorar novas oportunidades que se abram a partir do empreendimento atual. Quando perguntados sobre questões relacionadas à qualidade e eficiência dos seus serviços, as respostas são menos uniformes. “Vou resolvendo as coisas à medida que os problemas aparecem” é a estratégia de gerenciamento com a qual concordam 62,5% dos entrevistados. Embora, 90% afirmem que quando fazem alguma coisa tentam “encontrar uma maneira de fazer melhor, mais rápido e até mais barato”. Os respondentes mostram-se divididos quando colocados frente à afirmação “as coisas só acontecem para quem trabalha duro”, pois 45% discordam e 47,5% concordam. Isto é, parte dos empreendedores duvida da relação trabalhar duro e alcançar objetivos. O que parece incoerente quando 90% concordam que é preciso esforço e até fazer um “sacrifício pessoal” para alcançar os objetivos e 92,5% acreditam que “para superar os obstáculos da vida é preciso manter-se firme nos objetivos e até mudar de planos para alcançar o que se pretende”. No quesito independência e autoconfiança, as respostas mostram que criar o próprio empreendimento tem como fundamento a independência gerada pela possibilidade de “poder tomar minhas próprias decisões e controlar meu tempo”, afirmação que teve a concordância de 65% dos entrevistados, que parecem também confiar nas próprias capacidades. As respostas às afirmações da Tabela 3 sugerem que os respondentes acreditam que ter iniciativa, perceber e aproveitar oportunidades são determinantes para prospecção, abertura e inovação do negócio. Os dados também mostram que há forte lócus de controle interno, ou seja, os respondentes parecem trazer para si a responsabilidade sobre o seu destino ao invés de responsabilizar variáveis ambientais. Há coerência nas respostas às afirmações sugerindo que tais empreendedores estão “no controle” de suas próprias vidas e por isso demonstram ter necessidade de realização, iniciativa e não apenas esperar que “as coisas aconteçam”.
* houve um entrevistado que não respondeu Tabela 3: Capacidade de realização do empreendedor de lan house da Rocinha Os resultados confirmam o que McClelland sugere ao caracterizar os empreendedores como sujeitos intuitivos, curiosos e que buscam constantemente a realização profissional e pessoal. Entretanto, os respondentes se dividiram quanto ao valor do trabalho e da persistência em busca do que se quer alcançar. Este aspecto merece aprofundamento em outras pesquisas. Sobre a capacidade de planejamento e resolução de problema, observou-se que 82,5% dos respondentes rejeitam a idéia de que “esse negócio de planejamento não é comigo”, conforme apresentado na Tabela 4. Eles parecem ter clareza da importância de estar bem informados, pois para 79,4% “estar bem informado depende também da nossa atenção”. Ademais, no negócio de lan houses, atualização e melhorias na infra-estrutura são requisitos imprescindíveis para o sucesso do empreendimento, uma vez que as novidades da web e as novas tecnologias surgem a cada momento. Em se tratando de correr riscos, 80% dos empreendedores se mostraram cautelosos, pois concordaram com a proposição “se estiver sem dinheiro e aparecer uma boa oportunidade de negócio, penso duas vezes antes de pedir um empréstimo no banco a amigos ou familiares”.
* houve um entrevistado que não respondeu Tabela 4: Capacidade de planejamento e resolução de problema do empreendedor da Rocinha Quanto ao estabelecimento de metas, planejamento e monitoramento sistemático, 80% dos entrevistados concordam que “para um técnico de futebol ter um bom resultado, o técnico precisa saber com quem irá jogar e as datas dos jogos” e 90% concordam que “manter uma caderneta de poupança serve para investimentos futuros ou eventuais imprevistos”. O resultado destas CCEs converge com a caracterização de McClelland, que descreve o empreendedor como um indivíduo que apreende com os erros e cresce com suas descobertas, estabelecendo para si e para o negócio metas atingíveis.
* houve um entrevistado que não respondeu Tabela 5: Capacidade de planejamento e resolução de problema do empreendedor da Rocinha No que diz respeito à capacidade do empreendedor relacionar-se com as pessoas, essa competência é composta por duas CCEs, “comprometimento e persuasão” e “rede de contatos”. Destaca-se que 97,5% dos respondentes concordaram com a afirmação “sempre que necessário é preciso colaborar com os empregados e se colocar no lugar deles para terminar um trabalho” e 70% concordaram com a frase “muitas das minhas conquistas aconteceram por causa dos meus contatos com outras pessoas”. As respostas sugerem que os proprietários de lan houses da Rocinha são indivíduos que parecem agir estabelecendo relações interpessoais com o intuito de atingir seus objetivos pessoais e profissionais. Conscientes de que suas habilidades interpessoais influenciam no desempenho do negócio e as pessoas que trabalham com eles, também parecem se preocupar com sua imagem frente aos clientes, amigos, fornecedores e a comunidade onde atuam.
* houve um entrevistado que não respondeu Tabela 6: Capacidade de influência (relação com as pessoas) do empreendedor da Rocinha Quando a questão são os clientes, o que se observa é que ao pagar pelo acesso à internet, o cliente, com pouco ou nenhum conhecimento de informática ou para navegação na rede, também recebe atenção especial do empreendedor ou auxiliar deste na sua aprendizagem no uso das novas tecnologias. As lan houses destes empreendedores oferecem, por exemplo, serviços de abertura de orkut, MSN, facebook, criação de contas de e-mail, entre outros serviços às pessoas que não dominam a tecnologia. Em algumas lan houses, inclusive, é permitido mais de um usuário por computador, então, pessoas com maiores conhecimentos podem ajudar iniciantes. Estes resultados conflitam com o entendimento de Silveira (2005) de que as lan houses, devido ao seu caráter de capital privado, não promoveriam o suporte necessário para que os usuários pudessem ser incluídos digitalmente. Os dados da pesquisa mostram o contrário, pois ao criar meios para auxiliar os usuários a fazerem um melhor uso dos recursos disponíveis, assim o empreendedor beneficia tanto o cliente quanto o próprio negócio.
Tabela 7: Atendimentos aos clientes das lan houses da Rocinha Observa-se, portanto, que os empreendedores que participaram da pesquisa têm uma motivação relacionada com a oportunidade, movida pela busca de independência e pelo aumento de suas rendas, acreditam que as oportunidades podem ser identificadas, que não são resultado de sorte ou ação do acaso e confiam que, ao se mostrarem persistentes, poderão superar os obstáculos que forem surgindo até alcançar os seus objetivos. Considerações finaisEsta pesquisa evidenciou que o comportamento empreendedor de pessoas que estão na base da pirâmide social está diretamente relacionado com a inclusão digital das classes C, D e E, que vivem em comunidades de baixa renda nas metrópoles brasileiras. Estes estabelecimentos foram criados a partir da iniciativa individual de empreendedores, sem qualquer auxílio do poder público que, ao longo dos últimos anos, insistiu na inclusão digital via telecentros ou outros meios que não contemplaram a participação desta parte da sociedade civil, principalmente dos empreendedores que vivem nas comunidades de baixa renda. Em outros termos, a ação dos empreendedores, pelo menos na Rocinha, e a forma com a sociedade se relacionou com estes serviços e com a tecnologia levou à criação de novos formatos e dinâmicas que, dificilmente, seriam previstas e organizadas por políticas públicas, mas que se mostram eficientes, principalmente no que diz respeito à inclusão digital da população brasileira que não tem possibilidade de ter acesso às novas tecnologias que não seja via este tipo de empreendimento. Embora os resultados da pesquisa não possam ser generalizados, verificou-se que o comportamento empreendedor na base da pirâmide social, como o observado na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, não apresenta características diferentes daquelas encontradas na literatura que trata de empreendedores de outras classes sociais. Isto é, os empreendedores da Rocinha têm uma motivação relacionada com a oportunidade, movida pela busca de independência e pelo aumento de suas rendas, como pode ser percebido pela média obtida em relação à “sempre tive vontade de ter meu próprio negócio” (4,1) e “decidi abrir a lan house para que ela seja um complemento na renda familiar” (4,0). Os respondentes acreditam que as oportunidades podem ser identificadas, que não são resultado de sorte ou do acaso, pois 65% dos respondentes discordam que “o que importa mesmo é ter sorte”, confirmado pelos 90% que discordam da afirmação “penso como o Zeca Pagodinho, deixo a vida me levar”. Destaca-se que parte dos empreendedores duvida do mérito relacionado a trabalhar duro e alcançar os objetivos, pois apenas 45% concordam que “as coisas só acontecem para quem trabalha duro”, embora se mostrem persistentes, pois 85% deles discordam da afirmação “parto logo para outra oportunidade quando as coisas começam a dar errado” e 92,5% acreditam que “para superar os obstáculos da vida é preciso manter-se firme nos objetivos e até mudar de planos para alcançar o que se pretende” e, ainda, 90% concordam que é preciso esforço e até fazer um “sacrifício pessoal” para alcançar os objetivos. ReferênciasAraújo, E. B. (1988); Entrepreneurship e Intrapreneurship: uma trajetória literária de 1979 a 1988. RAE.São Paulo, 28(4), p.67-76. Associação dos Moradores da Rocinha. (2009); Banco do Nordeste levará microcrédito à Rocinha. Acesso em: 2 mar., 2011. Disponível em <http://www.rocinha.org/?cat=21>. Barbosa, A. F. (Coord.). 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Aglomerados humanos que possuem, total ou parcialmente, as seguintes características: agrupamentos prediais ou residenciais formados com unidades de número geralmente superior a 50; predominância de casebres ou barracões de aspecto rústico, construídos principalmente de folhas de flandres, chapas zincadas ou materiais semelhantes; construções sem licenciamento e sem fiscalização, em terrenos de terceiros ou de propriedade desconhecida; ausência, no todo ou em parte, de rede sanitária, luz, telefone e água encanada; e área não-urbanizada, com falta de arruamento, numeração ou emplacamento (Guimarães, 1953). |
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1 Universidade Federal Fluminense – Brasil. Email: sandramariano1@gmail.com |
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