Yákara Vasconcelos Pereira Leite y Eduardo de Aquino Lucena
A perspectiva qualitativa foi adotada nesta pesquisa por focar a essência, o entendimento, a descrição (Bogdan, Biklen, 1994; Patton, 2001; Taylor, Bogdan, 1984), o descobrimento e o significado do fenômeno (Merriam, 1998), considerando o contexto (Godoy, 1995).
Diante do problema de pesquisa, a análise foi realizada em retrospectiva. Ela tornou-se fundamental para o entendimento de eventos históricos que acessam o contexto organizacional considerando as interpretações dos respondentes. A utilização dessa análise vem se apresentando eficaz nos trabalhos que investigam o processo estratégico (Mintzberg, 1978; Mintzberg, Waters, 1982; Mintzberg, MChugh, 1985). A opção metodológica desta pesquisa foi a de desenvolver um estudo de caso qualitativo histórico de cunho descritivo (Merriam, 1998).
Tendo em vista que o estudo de caso caracteriza-se por ser um tipo de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente (Godoy, 1995; Merriam, 1998; Yin, 2002), a seleção dos respondentes ocorreu em dois níveis (Merriam, 1998). Primeiramente, selecionou-se a organização e em seguida os 13 indivíduos que forneceriam informações acerca do fenômeno investigado. Além disso, essa seleção foi intencional, por ser a mais adequada a esse tipo de estudo.
Por se tratar de estudo qualitativo, diferentes técnicas de coleta de dados foram utilizadas. A principal delas foi a entrevista semiestruturada que ocorreu em junho de 2005, além da análise de documentos (Patton, 2001; Taylor, Bogdan, 1984) que perdurou até dezembro de 2009. Ressalta-se que essas técnicas são apropriadas para a coleta de dados em pesquisas sobre processo estratégico (Okumus, Hemmington, 1998).
Preocupando-se com a quantidade de dados, codificaram-se as informações coletadas, por meio do método de codificação específico para pesquisas que investigam processos (Bogdan, Biklen, 1994). Com esse método, codificam-se as palavras e as frases para facilitar a categorização das sequências de acontecimentos e das mudanças ao longo do tempo. Os códigos de processo apontam para períodos de tempo, estágios, fases, passagens, passos e carreiras. Eles são usados para analisar os dados em estudos de casos organizacionais.
A partir da codificação dos dados, buscou-se construir categorias que capturassem aspectos do fenômeno analisado (Merriam, 1998).Assim, foram consideradas a repetição das palavras e a ênfase que os respondentes davam a alguns temas (Bogdan, Biklen, 1994). Além disso, para elaborar as categorias no estudo qualitativo, realizaram-se a análise e a coleta dos dados simultaneamente (Taylor, Bogdan, 1984). Essa análise dos dados foi, sobretudo, norteada por uma perspectiva de processo estratégico (Van de Ven, 1992) e análise em restrospectiva.
Durante a análise de dados, houve a preocupação de validar as informações para que o resultado alcançado fosse o mais próximo possível da realidade. O uso de bases múltiplas permitiu validar as informações por meio da triangulação (Noda, Bower, 1996).
Os dados coletados foram analisados, e os resultados encontrados serão apresentados nesta seção. Primeiramente, algumas informações gerais das atividades executadas pela organização investigada serão exibidas. Posteriormente, o comportamento adotado pela Accor Hospitality do Brasil será apresentado nas fases em que o modo empreendedor de formação de estratégias predominou.
O Quadro 1 exibe a relação dos executivos que foram entrevistados durante a etapa de trabalho de campo deste estudo investigativo. Vale salientar que os dirigentes que concederam as entrevistas estão sendo identificados por meio de pseudônimos neste texto. Em relação a cada respondente, no Quadro 1, pode-se identificar o cargo que ocupava na época da coleta de dados, sua formação e o ano em que iniciou suas atividades na Accor Hospitality do Brasil.
Quadro 1
Apresentação dos entrevistados
Pseudônimos dos
entrevistados
|
Cargo que ocupa (ou) na
Accor Hospitality
|
Formação superior
|
Ano de entrada na Accor Hospitality
|
Adalberto Rio
|
Diretor de
Desenvolvimento
|
Engenheiro
|
1999
|
François Parny
|
Diretor
Administrativo Financeiro
|
Direito
|
2004
|
Felicitas Pennac
|
Diretor de Operações Ibis e Formule 1
|
Hotelaria
|
1999
|
Julio Lazarte
|
Fundador e
atual conselheiro do presidente do Grupo Accor Brasil
|
Engenheiro
|
1974
|
Niraldo Paes
|
Diretor de
Informática
|
Ciência da
Computação
|
2002
|
Odilon dos
Santos
|
Diretor de
Operações Novotel, Mercure e Parthenon
|
Administração
|
1990
|
Osmar
Cavalcanti
|
Gerente
Regional Parthenon
|
Hotelaria
|
1990
|
Otávio Rangel
|
Diretor de
Implantação
|
Engenharia
|
1977
|
Pedro Salgado
|
Diretor de
Marketing e Vendas
|
Jornalismo
|
1998
|
Ricardo Góis
|
Gerente
Administrativo
|
Administração
|
1990
|
René Baudelaire
|
Diretor Geral
|
Hotelaria
|
1990
|
Salomão Cruz
|
Diretor de
Recursos Humanos
|
Direito
|
1980
|
Sílvio Távora
|
Ex-funcionário do Departamento Jurídico
|
Direito
|
1975
|
Fonte: Dados coletados
Conhecidos os respondentes, prossegue-se com a apresentação da organização. É importante esclarecer que a Accor Hospitality do Brasil pertence ao Grupo Accor do Brasil, que é uma das filiais da Accor França. A história da corporação francesa foi iniciada na hotelaria, em 1967, com hotéis da marca Novotel. Ela expandiu-se rapidamente e passou a atuar em diferentes segmentos do setor de serviços, como: alimentação, agência de viagens, serviços empresariais e cassino. O Grupo Accor França também se dirigiu ao Brasil, país que, atualmente, depois da França, é detentor do maior número de colaboradores e de marcas estabelecidas (Accor, 2005).
As marcas de serviços do Grupo Accor Brasil estão divididas em três agrupamentos: viagens (Travel), serviços (Services) e hotelaria (Hotels). A Accor Travel é constituída de agências e operadoras de viagens. São, respectivamente, a Carlson Wagonlit e a Accor Tour. A Accor Services abrange todas as outras marcas de serviços empresariais, a exemplo da Ticket, da GR, da Incentive House, entre outras. Por fim, apresenta-se a Accor Hospitality que é a divisão investigada neste estudo e que é líder de mercado no setor de hotelaria do país.. Ela é representada pelas marcas Sofitel, Novotel, Mercure, Ibis e Formule 1, que são as marcas que compõem o portfólio da companhia hoteleira.
As marcas da Accor Hospitality do Brasil podem ser agrupadas em três categorias: a upscale, as de midscale e as econômicas. Na categoria upscale, existe a marca Sofitel, que é composta por hotéis de cinco estrelas, destinados a um público com alto poder aquisitivo. A midscale é composta pelas marcas Novotel e Mercure. A Novotel é formada por hotéis com categoria quatro estrelas. Os hotéis da Mercure são normalmente de categorias três e quatro estrelas e suas unidades se integram à cultura local. Atualmente, a Novotel incorporou os flats da marca Parthenon, nessa marca, as suas unidades habitacionais eram em formato de flats que teve conceito pioneiro de hospedagem consolidado pela própria Parthenon no Brasil. Finalmente, existe a categoria dos hotéis econômicos, que é constituída por hotéis Íbis e Formule 1. Atualmente, observa-se um crescimento do número de hotéis econômicos da rede Accor do Brasil.
Nesta seção, serão apresentadas as duas fases nas quais a organização estudada adotou o modo empreendedor de formação de estratégias. Salienta-se que dentro do período entre 1974 e 2009 outros modos de formação de estratégias foram observados. Todavia, este artigo busca compreender o comportamento da firma nos períodos (fases) em que o modo empreendedor foi predominante.
Faz-se necessário comentar alguns aspectos do contexto externo à organização para que em seguida seja descrita a primeira fase em que o modo empreendedor foi adotado pela firma. Entre as décadas de 60 e 70 ocorreram mudanças importantes na conjuntura política do país. Uma delas foi o estabelecimento do regime militar, que gerou instabilidade política.
O período de 1968 a 1973 (governos Costa e Silva e Médici, e com o Ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto) caracterizou-se pelas maiores taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) da história recente do país. Nesse período, de acordo com Gremaud et al. (2004), a menor taxa de crescimento anual do PIB do Brasil era superior a 9%. Esse aumento foi decorrente das reformas institucionais e da recessão do período anterior, que geraram uma capacidade ociosa no setor industrial, favorecendo a retomada da demanda. Além disso, o crescimento da economia mundial também permitiu a elevação das taxas de crescimento econômico. Mesmo sendo a época do denominado “Milagre Econômico”, assistiu-se nesse período à primeira onda de endividamento externo.
O rápido crescimento ao longo do milagre econômico gerou pressões inflacionárias e problemas na balança comercial. A ocupação de toda a capacidade ociosa contribuiu para o aparecimento de alguns desequilíbrios econômicos, que serão apresentados na próxima seção. No panorama setorial da hotelaria, a década de 70 foi marcada pela expansão das redes hoteleiras nacionais e internacionais. O crescimento do número de viajantes, provocado pelo desenvolvimento da infra-estrutura dos transportes aéreo e rodoviário contribuiu para a abertura de novos empreendimentos.
A entrada das cadeias internacionais de hotéis no Brasil foi estimulada pelo acirramento da concorrência entre essas companhias em nível internacional. Outro fator foi a transformação do país em um importante pólo de viagens de negócios internacionais, motivado pelo crescimento da economia e pela entrada das empresas multinacionais no país (Gazeta Mercantil, 1999).
A Accor Hospitality, que na época era denominada de “Novotel”, despertou interesse pelo Brasil em 1974. Como era um país do “milagre”, a economia estava favorável aos negócios. Essa situação foi percebida por um dos dirigentes do Grupo Louis Dreyfus, que era amigo dos empresários da Novotel. O Grupo Dreyfus é uma corporação francesa bastante diversificada, atuante em diferentes atividades empresariais (agronegócios, energia e finanças), e uma de suas filiais estava localizada no Brasil.
Existia, assim, a idéia, mas não havia um líder capaz de desenvolver a rede hoteleira até que o francês Julio Lazarte encontrou-se com um dos fundadores da Novotel, e recebeu o convite para iniciar as operações da rede no Brasil. Na época, a Novotel internacional era formada por 50 hotéis, mas não possuía recursos financeiros suficientes para iniciar suas atividades no país. A prioridade da empresa era consolidar-se na Europa e em seguida expandir-se nos Estados Unidos. “Essa era uma fase que não sobrava capital para outros mercados periféricos”, explicou Pedro Salgado durante a entrevista.
O senhor Julio Lazarte, formado em engenharia, chegou ao Brasil em 1971 para trabalhar na Philips na cidade de São Paulo. Vivendo no país, passou a observar a carência de bons hotéis. Isso foi-lhe despertando interesse pela área. Ele explicou com mais detalhes a situação da hotelaria daquela época:
Era um tempo, eu estava aqui desde 71. A gente tinha dificuldade de ir à praia, ir ao interior, não tinha hotéis para te acolher no final de semana, era uma coisa horrorosa, com banheiro no final do corredor, um para seis quartos, muito fraco. Mesmo no centro da cidade, eram hotéis bem antigos, aqui em São Paulo [...].
Por ter certa inclinação pela área, ele aceitou o desafio de iniciar as atividades da Novotel no Brasil, desligando-se da empresa onde trabalhava (a Philips). Iniciava-se, assim, a história da Accor Hospitality no Brasil. Sendo treinado de acordo com a forma de trabalhar da rede hoteleira, o executivo permaneceu quatro meses na França. Lá, ele obteve conhecimentos sobre a administração de hotéis (em áreas como governança, manutenção e recepção). Depois desse estágio, retornou ao Brasil para liderar o processo que culminou na formação de um grupo de acionistas que viabilizou o início das atividades da rede no país. Além disso, o Senhor Lazarte teve um papel decisivo na viabilização do negócio junto à Empresa Brasileira de Turismo (Embratur).
A sua proposta foi diferente das outras cadeias internacionais que geralmente procuravam a Embratur para construir hotéis de luxo. Ele apresentou um projeto para desenvolver uma rede hoteleira de quatro estrelas, voltada ao mercado médio, chamada de midscale. Além da idéia pioneira e inovadora, o que surpreendeu foi que, diferentemente dos outros grupos hoteleiros que vinham implantar um hotel, a Novotel chegou ao país com o objetivo de desenvolver uma rede. A Embratur apoiou a idéia por entender que essa proposta era adequada para o Brasil. “Esse foi um apoio valioso”, reconheceu Julio Lazarte.
O fundador Julio Lazarte aproveitou a receptividade da Embratur e o apoio concedido pelo Fundo de Desenvolvimento Regional e Setorial para formar a empresa. A legislação permitia a criação do negócio por meio de uma base conhecida como tripé. Os negócios eram constituídos por uma união de 1/3 de recursos próprios, 1/3 de incentivos fiscais e 1/3 de financiamento. Os acionistas aconselhados por um dos investidores, optaram por fazer a dívida em dólar, explicou o fundador da Novotel.
Os recursos próprios que correspondiam à terça parte da constituição financeira da empresa originaram-se da congregação de mais de 12 acionistas, captados pelo dirigente. Entre os acionistas, estavam Unibanco, Bamerindus, Dreyfus, Banco Francês e Brasileiro, Jacques Borel (Ticket Restaurante), entre outros. O processo para a abertura da empresa durou um ano, ou seja, de agosto de 1974 até agosto de 1975.
Além do investimento elevado, havia a necessidade de a empresa contar com pessoas capacitadas. Nesse sentido, o líder Julio Lazarte explicou que:
Hotelaria não é fácil, porque hotelaria é uma indústria e ao mesmo tempo um serviço. É indústria por causa do capital muito pesado, tão pesado quanto siderurgia, não parece [...] o retorno sobre o investimento não é tão ruim, mas é apertado, sim. Agora do outro lado é serviço, porque o cliente diz, existe uma grande casa e quem serve é o pessoal que está lá dentro. Então, recurso humano é muito importante. Hotelaria tem essa dualidade entre a característica de indústria pesada e empresa de serviços, em que os recursos humanos é tudo.
Formou-se, assim, a sociedade que nasceu como limitada (Ltda.) em setembro de 1975, transformando-se, em seguida, numa S.A: a Novotel Hotelaria e Turismo S.A. Na época, o objetivo era montar no Brasil uma rede com 100 unidades hoteleiras da marca Novotel. Enquanto isso, na França, a Novotel adquiria a rede Mercure.
Em consonância com os argumentos de Mintzberg (1973), identificou-se o modo empreendedor de formação de estratégias. Em busca de se consolidar no Brasil, o líder enfrentou o grande desafio de formar um grupo de investidores que acreditassem na formação de uma cadeia hoteleira que até então, não era conhecida. Para alcançar esse plano, o dirigente precisou desbravar o mercado. Principalmente, nos primeiros anos de atividade da empresa, pôde-se observar que o senhor Julio Lazarte manteve as decisões centralizadas, enfrentando riscos em busca do desenvolvimento. Foi uma atitude empreendedora do líder, suas ações influenciaram fortemente o curso dos negócios. Para constituir a organização, ele explicou que “saiu em busca de oportunidades, relacionando-se com diferentes companhias, enfrentando riscos que foi o caso do seu endividamento com base no dólar”.
Esses achados corroboram com o que Filion (2004) e Shane e Venkataraman (2000) indicam em seus textos. Para os autores, o empreendedorismo é definido como o processo pelo qual se faz algo novo (algo criativo) e algo diferente (algo inovador). Assim, o modo empreendedor de formar estratégias, caracteriza-se por ser um estilo de administração que impulsiona a empresa em busca de novas oportunidades, podendo o líder influenciar nessa identificação das oportunidades. Aqui, verificou-se que foi por meio da identificação da oportunidade de formar um conjunto de acionistas que o fundador da Accor Hospitality moldou a estratégia da empresa de entrar no mercado brasileiro (Mintzberg, 1998).
Com relação ao modelo apresentado por Gartner (1985) pode-se analisar e destacar que o indivíduo empreendedor estava propenso a aceitar os riscos de um novo negócio e possuía afinidade com a atividade a ser empreendida. Além disso, a organização passou por todos os processos descritos pelo autor: localização de uma oportunidade, aglomeração dos recursos materiais e humanos, construção da organização e funcionamento, como resposta a sociedade e ao governo. Com relação ao ambiente, seguramente, as variáveis governamentais foram as que mais se destacaram, sem menosprezar as barreiras de entradas (Porter, 1986) de necessidade de capital e características da população. No ponto que se refere à organização e suas escolhas estratégicas, notadamente se percebe a criação de um produto diferenciado que estava sendo implantado no país por meio da criação de uma nova sociedade.
Assim, o modo empreendedor de formar estratégias caracteriza-se por ser um estilo de administração que impulsiona a empresa em busca de novas oportunidades, podendo o líder influenciar nessa identificação das oportunidades. Aqui, verificou-se que foi por meio da identificação da oportunidade de formar um conjunto de acionistas que o fundador da Accor Hospitality moldou a estratégia da empresa de entrar no mercado brasileiro (Mintzberg, 1998).
Seguindo esse modelo de crescimento, a Novotel foi motivo de polêmicas. As pessoas não acreditavam que um hotel localizado próximo à Marginal Tietê - na cidade de São Paulo - fosse prosperar. Mesmo assim, foi inaugurado o Novotel Morumbi em 1977. Mas, apesar de tudo, essa unidade, que objetivava atender o público de negócios, foi bem sucedida, atingindo 79% de ocupação no primeiro ano de operação.
Passa-se a discutir a segunda fase em que o modo empreendedor de formação de estratégias foi adotado pela companhia. Nesta seção, inicialmente, comenta-se sobre o contexto externo enfrentado pela empresa. A conjuntura político-econômica do Brasil no final da década de 70 e no início dos anos 80 foi preocupante para a condução dos negócios e a realização de investimentos. Ocorreram também transformações no cenário internacional, trazendo à tona a vulnerabilidade da economia nacional.
As empresas do setor de turismo do país enfrentaram dificuldades devido à falta de financiamentos. Os poucos empreendimentos construídos no início da década de 80 foram decorrentes de projetos elaborados no final dos anos 70. A instabilidade econômica e o crescimento acelerado da inflação prejudicaram a implantação de novos hotéis. Foi, portanto, uma época de estagnação para a hotelaria.
Ressalta-se que, além das dificuldades existentes no ambiente externo, a empresa também vivenciava uma fase de ajustes internamente. Apesar do sucesso do primeiro Novotel, a rede hoteleira passou por dificuldades com algumas de suas unidades que foram lançadas posteriormente com base nos padrões franceses de hotelaria. Nessa fase de ajustes, de acordo com o gerente regional Odilon dos Santos, o principal líder da empresa na época foi “observando que o país possuía características próprias”.
Além da dificuldade de se adequar à cultura brasileira, a organização passou por outro desafio. Ela ficou mais endividada devido à valorização do dólar e sem condições de sanar o débito que possuía. Simultaneamente a essa crise, o diretor geral continuava com o compromisso de desenvolver 100 hotéis. Entretanto, as circunstâncias não favoreciam a concretização desse objetivo. Em função disso, a Novotel administrava suas unidades sem fazer investimentos em melhorias, em modernização e em novos produtos.
A retração da economia brasileira dificultava o pagamento da dívida da organização que se tornou altíssima. Os bancos credores sustentaram a situação até determinado ponto. Em 1982 e 1983, a situação se agravou, alguns acionistas afastaram-se da sociedade e os bancos exigiram o pagamento. Não havendo mais saída, os acionistas que permaneceram no grupo uniram-se, fazendo um acordo que desencadeou no aporte de capital. A empresa ficou, então, relativamente sem dívidas e começou uma vida nova.
O pagamento aos bancos credores, todavia, deixou os acionistas sem recursos para investir. Assim, sem capital e sem incentivos do governo para expandir a rede hoteleira, a organização pensou em reduzir custos para manter a sua sobrevivência. Uma das opções para diminuir os gastos foi a demissão de funcionários. Entretanto, a organização não fez isso. Ela percebeu que possuía no seu quadro pessoas capacitadas, com conhecimento técnico na área. Os executivos da empresa entenderam que isso era raro no país e que a opção da demissão poderia representar um desperdício.
Preocupado, Julio Lazarte pensou em alguma solução. Ele então analisou o ambiente externo e percebeu que as empresas de construção civil do país também estavam numa situação difícil devido à nova Lei do Inquilinato, que permitia que o inquilino permanecesse no imóvel mesmo após o término do contrato. Com isso, não era vantagem investir em imóveis com a finalidade de alugar para terceiros. À primeira vista, parecia que isso não tinha importância para a Novotel, contudo esse foi um dos fatores que contribuiu para a formação de uma idéia que daria suporte à expansão da empresa.
A marca Parthenon surgiu como uma nova maneira para viabilizar o crescimento, uma vez que a Novotel não possuía, na época, meios para efetuar altos investimentos. A Parthenon foi viabilizada porque as construtoras e os investidores se interessaram pelo projeto. As construtoras poderiam erguer os empreendimentos porque teriam compradores. Para os investidores, também era vantagem porque podiam comprar os apartamentos e entregá-los à administração da Parthenon sem correr o risco de cair na Lei do Inquilinato.
Sob a perspectiva de análise do modele de Gartner (1985), percebe-se que nesta fase não houve a criação propriamente dita de uma empresa, porém, algumas variáveis vão estar presentes, tendo em vista a fase empreendedora da empresa. O indivíduo (o fundador) nesse momento já possuía experiências a respeito do funcionamento do negócio e aceitou mais uma vez os riscos da atividade. Passando pela fase de localização de uma oportunidade, as outras etapas do processo podem ser também verificadas, como a aglomeração dos recursos, frente às empresas de construção e a organização de um produto diferente e inédito. Já as variáveis do ambiente podem ser destacadas como sendo as turbulências do cenário econômico, as novas leis e disponibilidade de capital de investimento. A organização então, escolheu a estratégia da diversificação e continuou assim, sua expansão geográfica.
Acrescenta-se também que as redes de relacionamento do líder muito contribuíram para a concretização dessa idéia empreendedora (Bryman, 2004; Kotter, 2000; Mintzberg, 1986). O diretor da empresa, desde a época da entrada da Accor no Brasil quando buscou formar o grupo de investidores, conseguiu manter relacionamentos com diferentes representantes de instituições brasileiras e internacionais. Assim, ele conseguia obter informações importantes a respeito do mercado.
Um ex-funcionário que participou da fundação da empresa relatou que “o caso do Lazarte, a visão que ele teve num momento em que as coisas iam mal e não tinha mais investimentos. Ele partiu para um negócio absolutamente inédito, Parthenon é a única marca criada fora da França”. O senhor Julio Lazarte atuou como um líder visionário. Por meio de sua habilidade pessoal, conseguiu antecipar, visualizar, pensar estrategicamente e mudar o direcionamento da empresa (Mintzberg, Waters, 1982).
Em relação aos aspectos operacionais, o senhor Lazarte estudou e acompanhou a evolução do projeto, chegando a realizar uma primeira experiência com flats. No final da década de 70, ele fez um estudo e uma tentativa de implantação no Rio de Janeiro. No entanto, foi na cidade de São Paulo que a Parthenon iniciou suas atividades.
Analisando os dados, percebeu-se que o líder da empresa conseguiu aproveitar a crise, transformando-a numa oportunidade de negócio. Em um contexto de escassez de capital, ele desenvolveu uma idéia inovadora – a Parthenon – única marca desenvolvida pela rede hoteleira fora da França. Com isso, percebeu-se a presença do modo empreendedor de formação de estratégias (Mintzberg, 1973) nesta fase da trajetória da Accor Hospitality do Brasil.
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Vol. 31 (3) 2010
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