Espacios. Vol. 31 (2) 2010. Pág. 17
Flávio Corrêa Rangel y Marco Antonio Pinheiro da Silveira
O tema relacionamentos fornecedor-cliente foi considerado importante para este trabalho, porque a transferência de informação pode ser influenciada pelo tipo de relação existente entre as empresas. O tipo de relacionamento que se estabelece entre comprador e fornecedor pode variar de hostil a amistoso e cooperativo Prahinski (2001). As relações hostis entre comprador e fornecedor caracterizam-se por transações de compra em que os itens são de baixa prioridade e há muitas fontes de suprimento. Entretanto, é mais desejável a relação cooperativa para empresas quando os itens a comprar são de alta prioridade e o suprimento se restringe a poucos fornecedores. A relação cooperativa está associada ao processo de trabalho em conjunto por um período de tempo extenso, em benefícios de ambas as partes. A função compras precisa ter uma perspectiva estratégica que reconheça quando é apropriado utilizar o método de compra cooperativo ou competitivo, ou seja, a compra estratégica refere-se ao grau que a função compra utiliza para planejar, avaliar, implementar e controlar os planos estratégicos. (CARR; PEARSON, 1999).
A transferência de informação, assim como a comunicação ente empresas, é um processo da transmissão de um conteúdo por um meio (modalidade) e as facetas do processo de uma comunicação incluem a própria mensagem (conteúdo) e o meio, além de outras facetas (MOHR; NEVIN, 1990) apresentadas a seguir.
Mohr, Fisher e Nevin (1996) desenvolveram um modelo que investigou as inter-relações entre controle e comunicação e examinaram os efeitos da comunicação colaborativa sobre os resultados, as percepções de compromisso e satisfação dos distribuidores, coordenação de atividades com um fabricante específico em vários níveis de interação e controle. Os autores verificaram por meio de entrevistas amostrais com comerciantes de computador nos Estados Unidos que quando os níveis de integração ou de controle do fabricante são elevados, o efeito de uma comunicação colaborativa é mais fraco do que quando a integração ou o controle são baixos.
A comunicação colaborativa é de particular importância para os sistemas de distribuição, podendo ser considerada como uma combinação específica de facetas de comunicação intensa que constroem relacionamento, eles apresentam ainda um conjunto de facetas de comunicação que podem variar de acordo com os diferentes tipos de relacionamento. As comunicações formais são as que vêm por escrito e tratam de algum aspecto estrutural das empresas. As informais são mais espontâneas e costumam envolver contato face a face (MOHR e NEVIN, 1990).
O trabalho de Prahinski (2001) procurou entender o impacto da avaliação da empresa compradora sobre o fornecedor. A pesquisa considerou o impacto de 3 estratégias de comunicação para o fornecedor: formalidade, feedback e influência indireta, como educação, treinamento e visitas ao site. Os resultados do trabalho da autora sugerem que os fornecedores são receptivos às comunicações da empresa compradora para avaliação. Segundo ela, influência direta, canais formais de comunicação e feedback influenciam positivamente as percepções do fornecedor com relação ao relacionamento fornecedor-cliente.
Outro estudo que fornece subsídios importantes sobre o tema transferência de conhecimento é o de Giannakis (2008). O autor analisou como um programa de desenvolvimento de fornecedor (SD programmes – Supplier Development programmes). A abordagem de Giannakis (2008) baseou-se na literatura existente sobre desenvolvimento de fornecedor, transferência de conhecimento e aprendizagem, para discutir fatores que condicionam a transferência de conhecimento e aprendizagem por meio de programas de desenvolvimento de fornecedor. Uma pesquisa empírica foi conduzida em 4 grandes organizações multinacionais, explorando como parceiros de uma cadeia de suprimentos podem melhor utilizar suas capacidades e facilitar a transferência de conhecimento por meio destes programas. Como resultados do estudo, foram identificados fatores organizacionais e relacionais que afetam o sucesso da transferência do conhecimento.
2.2.1 Estratégias e facetas da comunicação
A seguir será apresentado o conjunto de facetas da comunicação entre empresas encontradas na literatura. Pode-se considerar que o termo “faceta de comunicação” é similar à “estratégia de comunicação”, utilizada por Prahinski (2001).
2.2.1.1 Conteúdo
O conteúdo de uma comunicação refere-se à mensagem que é transmitida ou que é dita (BOYLE ; ALWITT, 1999).
2.2.1.2 Influência direta / indireta
De acordo com Prahinski (2001), é possível descrever o conteúdo da comunicação como a estratégia de influência direta ou indireta exercida entre uma fonte e uma organização ou alvo. A estratégia de influência direta se dá quando a fonte pretende se comunicar com o alvo com a intenção de alterar o comportamento do mesmo por meio de uma solicitação de ação especifica ou apenas dando a entendê-la. A estratégia da influência indireta se dá quando a fonte procura alterar as crenças e atitudes do alvo a respeito de seu comportamento, mas a fonte não solicita nenhuma ação especifica. A intenção da comunicação indireta é educar o alvo de modo que ele tenha um conhecimento mais completo para tomar decisões (PRAHINSKI, 2001).
2.2.1.3 Modalidade / meios
O meio de comunicação ou modalidade, diz respeito ao método usado para transmitir informação. Várias foram as formas com quais se operacionalizou a classificação de modalidade. Um modo direto foi classificar a modalidade em face a face, escrita, por telefone e outros. Uma segunda forma foi classificar conforme a habilidade de transmitir informações “valiosas”, ou ainda conforme certo número de sinais próprios, entre os quais feedback, sinais faciais, variedade de língua e personalização. “Cada meio não é apenas uma fonte de informação, mas um canal complexo que veicula informações”. Desse modo, Mohr e Nevin (1990) elaboraram uma hierarquia para a riqueza dos meios, elegendo a comunicação face a face como mais valiosa, seguida pelo vídeo fone, videoconferência, telefone, correio eletrônico, documentos com destinação pessoal (isto é, memorandos e cartas) e por fim, documentos formais sem destinatário específico (MOHR ; NEVIN, 1990).
2.2.1.4 Direção (Feedback)
O trabalho de Prahinski (2001) refere-se ao retorno da informação como feedback de comunicação que ocorre durante as avaliações do fornecedor feitas pelo cliente, o feedback consiste na habilidade do fornecedor em discutir a avaliação com a empresa que compra. Direção é o rumo ao longo do qual a informação se estende, sentido é a direção em que a informação se desloca e feedback é a realimentação da informação. Pode se definir, de acordo com Mohr e Nevin (1990), que o fluxo de informação que vai e volta é considerado bidirecional e aquele que somente vai e não retorna é unidirecional. O sentido do fluxo da informação em uma estrutura organizacional determina os papéis e tarefas dos membros, mas a autoridade e o status podem não ser tão claros. Dependendo da situação, o fabricante ou o consumidor pode ser mais poderoso (MOHR ; NEVIN, 1990).
2.2.1.5 Formalidade / Formalização
A comunicação formal é definida como o grau ao qual o processo de comunicação e a avaliação entre duas empresas tem sido estabelecidos de acordo com regras estruturadas e procedimentos fixados (PRAHINSKI, 2001). Informação tácita é aquela que por não ser expressa, se deduz de alguma maneira. Geralmente, a informação tácita é informal. Como exemplo de informação tácita tem-se a transferência de informação face a face. E a informação explícita é aquela que é formulada de uma forma clara geralmente formal, por exemplo, a transferência de informação via documentos impressos, certificados etc.
2.2.1.6 Intensidade / Periodicidade ou freqüência
De acordo com Vijayasarathy e Robey (1997), os recursos e os fluxos de informação podem ser descritos por meio de quatro variáveis estruturais, as quais são, intensidade, formalização, complexidade e centralidade. Intensidade é a quantidade de fluxos de recursos e a freqüência de fluxo de informação. De acordo com Prahinski (2001), quando uma empresa que compra aumenta seu envolvimento com o fornecedor, como ocorre nas relações em que são implantados os programas de desenvolvimento do fornecedor, cresce a freqüência e a intensidade da comunicação.
2.2.1.7 Centralidade
De uma forma clara, a centralidade é a quantidade de pessoas envolvidas com uma determinada atividade que pode ser baixa ou alta e que ao mesmo tempo possuem um conhecimento tal nesta atividade ao ponto que os permite participar das decisões (VIJAYASARATHY e ROBEY, 1997). Dito de outra forma é o ponto que um ou poucos membros dominam os fluxos de recursos e de informações. A centralidade de um ator da informação significa a identificação da posição em que se encontra em relação às trocas e à comunicação na rede (MARTELETO, 2001).
2.2.1.8 Complexidade
A complexidade da informação tem uma relação direta com um ambiente organizacional extremamente complexo, ou seja, quando uma atividade exige várias outras sub-atividades fazem desta operação uma atividade complexa envolvendo uma ou grupos de pessoa que conhecem as atividades, portanto complexidade da informação é o número de fluxos de recursos e de grupos fechados e subgrupos (VIJAYASARATHY e ROBEY, 1997).
Neumann e Ribeiro (2004) consideram que desenvolvimento de fornecedores pode abranger, desde esforços limitados, como avaliar superficialmente o fornecedor e exigir aumento de desempenho, quanto esforços extensivos, como, por exemplo, treinamento do pessoal do quadro funcional do fornecedor e investimento nas operações do mesmo. Existem muitos elementos críticos que surgem ao longo dos esforços dirigidos ao desenvolvimento de um fornecedor que são a efetividade da via de comunicação, a avaliação do fornecedor e respectivo feedback, o foco no custo total (e não somente no preço) e a perspectiva de longa duração.
Watts e Hahn (1993) concluíram que os compradores que estão utilizando programas para desenvolvimento dos fornecedores estão interessados em melhorar o produto que comercializam, em vez de auxiliar a melhorar a capacidade de seus fornecedores.
Para Krause (1997), os benefícios de um programa de parceria precisam ser balanceados, buscando-se evitar o cenário usual, em que o cliente (comprador) recebe muitos benefícios e o fornecedor poucos.
O estudo realizado por Dyer e Hatch (2006), identificou que o maior compartilhamento de informação da Toyota resultou de uma taxa mais alta de aprendizado dentro das operações de manufatura dos fornecedores voltadas para a Toyota e que entre 1990 e 1996 os fornecedores de autopeças reduziram defeitos em 50% para a Toyota contra 26% para seus maiores clientes americanos. Estas diferenças de qualidade persistiram nos fornecedores por causa das rotinas inter-organizacionais da GM, Ford e Chrysler, que funcionavam como barreiras para a transferência de conhecimento nas plantas dos fornecedores. O estudo demonstrou que recursos de rede influenciam o desempenho da empresa. Também descobriram que alguns recursos e capacidades da empresa são específicos da relação e não são facilmente transferíveis para outros compradores ou redes, o quadro 1 mostra as variáveis utilizadas no estudo, as quais são utilizadas neste trabalho como referência em termos de exemplo de conteúdo.
Quadro 1: Variáveis de transferência de conhecimento
MEDIDAS OPERACIONAIS |
Tempo gasto em transferência de conhecimento - Número de dias por ano que o pessoal da montadora e do fornecedor se encontraram face a face pra trocar informações técnicas na fábrica do fornecedor (Variável Face Days). |
Assistência para qualidade - Em que medidas receberam assistência para qualidade (Var Quality Assistance likert). |
Assistência para Custo/estoque - Em que medida cada cliente forneceu assistência para estoque (Inventory assistance likert). |
VARIÁVEIS DE DESEMPENHO (relacionadas à qualidade do produto e níveis relativos de estoque para cada cliente). |
Qualidade do produto - Número de peças defeituosas por milhão da fábrica para cada cliente (Var Defects). |
Custos com estoque - Estoques (matérias primas, material em processo e produto acabado) diretamente atribuíveis a cada cliente como uma porcentagem das vendas para o mesmo (Var Inventory/Sales). |
Fonte: Dyer e Hatch (2006)
Assim, o estudo de Dyer e Hatch (2006), verificou que o desempenho dos fornecedores de autopeças era diferente quando o cliente era a Toyota, em função de diferentes níveis de transferência de informação, o que foi confirmado em sua pesquisa.
2.3.1 Cadeia automotiva do mercado de OEM no Brasil
O setor de autopeças pode ser dividido em dois segmentos: OEM e reposição (alguns consideram a exportação como um segmento, mas neste trabalho, considera se que exportação pertence a OEM ou reposição, porém com diferente país de destino da peça). A maior parte do faturamento automotivo provém do segmento OEM, mas o segmento de reposição, também é importante para o setor automobilístico. Segundo o Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), em 2007 o segmento de reposição representou US$ 4,5 bilhões dos US$ 36 bilhões faturados. Já em 2008, do faturamento total que foi de US$ 39,3 bilhões, 67% vendas para montadoras locais; 13,5% para mercado de reposição; 11,5% vendas intersetoriais (um fabricantes de autopeças vendendo para outro) e 13,5% para exportação. Profissionais do SINDIPEÇAS (2009) informaram que empresas que atuam no segmento OEM entram no segmento de reposição após a amortização do ferramental da peça e, posteriormente, o período de fornecimento exclusivo para a montadora (geralmente mediante contrato). Com o decorrer deste período o veículo deve estar próximo ou entrando em seu período de reparos técnicos. Caso a garantia de montadora tenha se encerrado, surge então a demanda por produtos no mercado de reposição. Assim, a empresa de autopeças transfere informação da peça que está no segmento OEM para o segmento de reposição.
2.3.2 Cadeia automotiva do mercado de Reposição no Brasil
Segundo o SINDIPEÇAS (2009), foi o alto investimento necessário para o desenvolvimento de uma peça para o mercado de reposição (tendo em vista que não há incentivos e nem promessas de compra pelo distribuidor). Devido a isto alguns fabricantes de autopeças estão buscando parceiros em outros países para importar e revender no mercado nacional, geralmente estes produtos são provenientes da China, que no início eram considerados produtos de baixa qualidade, porém, de uma forma estratégica, eles utilizam o departamento de engenharia do fabricante brasileiro para melhorar a qualidade de suas peças enviando amostras constantemente a fim de obter a aprovação e posteriormente atender o fabricante e futuramente os clientes deste mercado, desta forma a autopeça brasileira esta transferindo informação técnica para os fabricantes de autopeça chinesa. O SINDIPEÇAS (2009) destacou, ainda sobre o assunto China que o distribuidor se sente incomodado em relação a esta operação de algumas autopeças brasileiras, por considerar que a tarefa de comprar e vender pertence a ele e não ao fabricante, que deveria se especializar em fabricar a peça. Como resultado do exposto acima surgem ações de retaliação do distribuidor. Desta forma já existem alguns distribuidores que estão importando diretamente das autopeças chinesas com o objetivo de aumentar suas receitas eliminando elos da cadeia.
Segundo Gil (2000), uma pesquisa, tendo em vista seus objetivos, pode ser classificada em três grandes grupos, exploratória, descritiva e explicativa. Neste trabalho foi utilizada a pesquisa exploratória. A pesquisa exploratória tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, aprimorar idéias ou a descoberta de intuições. Envolve levantamento bibliográfico, documentos, entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado (GIL, 2000). A pesquisa desenvolvida nesse estudo está classificada como estudo de casos múltiplos, sendo de natureza exploratória e qualitativa, com o uso de protocolo de pesquisa que inclui roteiro aplicado nas entrevistas e análise de documentos com os gerentes de áreas específicas do segmento de OEM e reposição. Foram pesquisadas 3 empresas fabricantes de autopeças. Em cada empresa foi entrevistado o responsável pela área de engenharia, logística, qualidade e vendas, para o segmento de OEM e para o segmento de reposição. As empresas selecionadas são as 3 fabricantes de autopeças (sendo cinco entrevistados na empresa 1, seis entrevistados na empresa 2 e cinco entrevistados na empresa 3)
Apresenta-se de forma sintética o protocolo utilizado:
Objetivo: Identificar os fluxos de informação procurando compreender como ocorre a transferência de informações entre o fabricante de autopeças e os seus clientes (Montadora e distribuidor).
Questões do estudo de caso
II1 Definição do “fluxo” de informações; Fluxo de informação é definido como conteúdo (refere se a mensagem que é transmitida ou que é dita) transferido por um meio (método usado para transmitir informações) (BOYLE e ALWITT, 1999).
II2. Identifique os fluxos de informações existentes entre suas empresa e seus clientes. Para cada fluxo apontado, avalie os aspectos: Conteúdo; Meio utilizado para compartilhamento; Direção ou Feedback: Bidirecional ou Unidirecional; Formalidade: Tácita ou explícita; Influência na comunicação: Direta ou Indireta - Ações implementadas devido aos compartilhamentos de informações entre o fabricante automotivo e o cliente. Intensidade: Freqüente ou esporádica Centralidade: O número de pessoas que dominam os fluxos de recursos é alto ou baixo. Complexidade
II3 Questão genérica. Dê sua opinião geral sobre como ocorre o compartilhamento de informação entre o fabricante automotivo e o cliente (foram fornecidos exemplos de fluxos identificados na literatura). As entrevistas realizadas foram gravadas e transcritas, e foram identificadas as falas que tivessem ligação com a questão dos fluxos de informação (ocorrências) totalizando 164 ocorrências no total. As ocorrências foram identificadas com um código que indica Número da Empresa/Área do entrevistado/Número seqüencial da ocorrência. Em análise posterior, que buscou identificar similaridades entre elas, restaram 100 ocorrências de falas que indicavam fluxo de informação. Estas foram identificadas e separadas em OEM e REP. Finalmente, as ocorrências foram impressas e recortadas uma a uma e agrupadas manualmente de acordo com o tipo de fluxo de informação. Logo após, foram batizados os grupos de ocorrências, cada um gerando um fluxo de informação. Foram coletados também os principais documentos associados aos grupos de fluxos.
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