Flavio Da Silveira Bruno*, Ana Teresa Pinto Filipecki** y Enio Soares Júnior***
Recibido:03-07-08 - Aprobado: 23-11-08
RESUMO: |
ABSTRACT: |
|
RESUMEN: |
Tradicionalmente voltada para o consumo interno, a indústria têxtil e de confecção (T&C) brasileira começa a perceber os efeitos das mudanças de escopo e de configuração da cadeia de valor global de T&C que vêm alterando profundamente as estruturas socioeconômicas do setor em todo o mundo. Dados recentes do comércio exterior de produtos têxteis e confeccionados brasileiros demonstram o déficit crescente da balança comercial brasileira. Ao longo de 2007, a defasagem mensal entre importados e exportados atingiu US$54 milhões, valor superior ao déficit total observado no ano de 2006, que somou US$33 milhões. A perda de competitividade dos produtos nacionais evidencia-se mais no aumento das importações do que no decréscimo das exportações. Ou seja, enquanto as importações aumentaram 41,1%, de 2005 para 2006, as exportações caíram 5,1% no mesmo período, sugerindo que o próprio mercado interno tem se mostrado ávido por produtos fabricados fora do Brasil (MDIC, 2007; IEMI, 2007).
Desde meados da década de 1990, a cadeia produtiva T&C brasileira perdeu mais de um milhão de empregos e milhares de fábricas. Mas perdas tão expressivas não podem ser consideradas como efeito do aumento das importações. Segundo o último relatório do IEMI (2007), entre 1995 e 2006, a produção das empresas brasileiras aumentou 43% em volume, enquanto as importações foram incrementadas de apenas 13%. Em valor, o total produzido internamente é da ordem de US$30 bilhões contra US$2 bilhões de produtos importados, menos de 7% do que é produzido no Brasil. Os impactos internos ainda são pequenos se compararmos com o que vem ocorrendo nos EUA, por exemplo, onde mais de 90% de todas as roupas vendidas atualmente são importadas. A redução do número de empresas deveu-se principalmente ao processo de consolidação do setor e à inadequação de muitas empresas às novas condições impostas pelo fim do regime de substituição de importações (Prochnik, 2002; Lupatini, 2004). Segundo documento do Fórum de Competitividade da Cadeia Produtiva Têxtil e de Confecção (MDIC, 2005), a combinação de abertura comercial e conseqüente aumento da concorrência externa, recessão econômica no início dos anos 90 e estabilidade monetária, a partir de 1994, induziram investimentos em modernização, incentivados pelo Plano Real. A concorrência interna, estimulada pela competição baseada em máquinas mais eficientes e produtivas para atender um mercado que cresce em ritmo muito lento, encarregou-se, também, de eliminar unidades fabris.
O ambiente de competitividade das empresas têxteis e de confecção brasileira está se ampliando gradualmente, efeito singular e local do que já vinha ocorrendo em todos os setores e em todo o mundo, resultado do processo de globalização. Com a ampliação, são introduzidas, paulatinamente, novas espécies organizacionais mais diversificadas e mais bem adaptadas às condições da nova ordem econômica. Como sugeriu Kenneth Ewart Boulding (1978), as organizações são artefatos humanos e estão submetidas, em certa medida, às mesmas condições de sobrevivência da espécie que as criou. Esta visão metafórica foi desenvolvida por Morgan (1997) e abre caminho para que possamos aplicar os conceitos da teoria evolucionista de Charles Darwin ao processo por que estão passando as empresas capitalistas em todo o mundo, mais especificamente, as brasileiras. A evolução das espécies é um processo contínuo de adequação às mudanças do ambiente, em que indivíduos com atributos mais adequados às novas condições sucedem a outros menos aptos. Tais atributos, entretanto, poderiam jamais ter sido revelados se não houvesse uma alteração das condições de sobrevivência de todo o grupo. Um dos aspectos fundamentais da teoria de Darwin é o pressuposto da diversidade, ou seja, a adaptação de um agrupamento de seres vivos a novas dificuldades impostas pelo ambiente só pode ser possível se cada indivíduo do agrupamento for diferente do outro. Situações novas no ambiente em que competem por recursos fazem aflorar pequenas e sutis variações entre os indivíduos. Dessa maneira, nossas diferenças têm papel tão importante quanto nossas semelhanças na formação de nossa inteligência e de nossa capacidade de enfrentar o mundo. A nova ordem econômica, que vem fragmentando cadeias produtivas locais e integrando empresas em cadeias globais no mundo inteiro, criou, abruptamente, novas condições de competição por mercados em que algumas organizações apresentam maior capacidade de adaptação do que outras. Neste novo ambiente, os continentes afastados pelas forças da natureza foram integrados pelas forças sócio-econômicas e pelas tecnologias, e as empresas e cadeias produtivas de diversos países, separadas por milhares de quilômetros, viram, subitamente, suas capacidades confrontadas pela necessidade de competir pelos mesmos recursos.
Competir por mercados mais exigentes capacita as empresas a oferecer melhores produtos para seus mercados tradicionais. O enfrentamento de situações desafiadoras eleva o nível da inteligência empresarial, desdobra e multiplica as operações de fabricação e, finalmente, envolve outras cadeias produtivas, o que culmina por gerar mais e melhores empregos. Um ambiente desafiador, no entanto, é a condição para a evolução sustentável (Bruno, 2007b).
Pesquisadores de Harvard, Paul Lawrence e Jay Lorsch, citados por Morgan (1997, p.49), reforçaram a idéia de que em diferentes circunstâncias ambientais – e, nesse caso, leia-se do ambiente competitivo -, algumas espécies de organizações são mais aptas a sobreviver do que outras. Como a relação entre a organização e o ambiente externo é fruto de decisões humanas, as menos aptas podem ter-se tornado inadaptadas simplesmente por não terem reformulado seus modelos organizacionais de acordo com as exigências do ambiente. Nesses casos, é bem provável que enfrentem muitos problemas, tanto interna quanto externamente. De acordo com Lawrence e Lorsch, para lidar com diferentes condições tecnológicas e de mercado são necessários diferentes tipos de organização.
Quanto maior a rivalidade, quanto mais evoluídas e diversificadas as estruturas e estratégias das empresas para obter e transformar recursos, maior a necessidade das empresas atingirem níveis elevados de aperfeiçoamento para sobreviver. Podemos esperar uma situação bem menos desafiadora e estimulante em ambientes relativamente protegidos e artificialmente delimitados. O excerto a seguir traduzido de “A origem das espécies”, de Darwin (2004, p.212), ilustra bem a situação das empresas têxteis e de confecção submetidas à ampliação da geografia em que atuavam:
Numa região bem povoada, a seleção natural atua pela concorrência dos habitantes, e conseqüentemente leva ao sucesso na batalha pela vida, apenas de acordo com o padrão daquela região particular. Daí os habitantes de uma região menor desaparecerem, habitualmente, diante dos de uma região maior. Nesta, com efeito, há mais indivíduos com formas diversas, a concorrência é mais eficaz e, portanto, o tipo de perfeição é mais elevado. |
Apesar de não se poder atribuir as dificuldades por que estão passando as empresas brasileiras especificamente ao ataque direto de empresas estrangeiras, os efeitos da globalização se fazem presentes na disseminação de seus princípios entre consumidores e empresas nacionais.
Em muitos casos da estrutura que ainda vigora, a atividade industrial acaba funcionando como intermediária entre compradores e vendedores: não está focada no aperfeiçoamento contínuo da função produção. Na situação atual, as empresas vivem crises de identidade: confrontadas com espécies muito maiores, grandes deixaram subitamente de ser grandes; produtores de confeccionados estão abrindo lojas de varejo e têm como principal fornecedor, justamente, outra confecção; estruturas organizacionais e modelos de produção tornaram-se inadequados; estruturas produtivas mostram-se pouco versáteis e flexíveis, insuficientes para atuar nos novos nichos que emergem no mercado polarizado entre o consumo de luxo e o consumo de massa. Empresas que sabiam o que produzir, para quem, a que preço e durante quanto tempo, sabem cada vez menos.
Em contraposição à noção de ameaça externa, é preciso olhar de outra forma para o ambiente que se forma, como sinaliza Boulding (1978, p.31):
Tudo isso sugere que olhemos para o mundo, e para o universo, como um sistema total de partes inter-relacionadas. Não existe o que se chama ‘ambiente’, se por ele queremos nos referir ao ambiente em torno, que é independente do que ocorre em seu interior. |
Ao propor diferentes imagens para auxiliar a compreensão das organizações, Morgan (op. cit.) também emprega a metáfora do holograma, em que é possível visualizar os elementos do todo em cada uma de suas partes. Local e global assumem um padrão de co-criação, como estabelecido por Boulding (op. cit.). Nessa abordagem, a visão centrada em tecnologia, em competências, ou em qualquer outra dimensão exclusivamente empresarial, se torna insuficiente para entender e planejar a participação de uma organização ou de um conjunto delas na cadeia de valor global. Nesta rede de produção e de distribuição sem fronteiras, outros ativos, exógenos às organizações, surgem e são desenvolvidos para controlar as cadeias e capturar margens. Reunindo esses conceitos e princípios, concluímos que a estrutura de cadeia produtiva, ou de setor produtivo brasileiro, deve ser ampliada, ultrapassando os contornos que a tornavam um sistema isolado, por exemplo, do governo, e de suas políticas, das instituições de apoio, como as universidades, e da própria sociedade. Na nova estrutura que se configura, novos atores passam a fazer parte do complexo, como os grandes varejistas, ou os grandes grupos de investidores, por exemplo. Atores cujos objetivos e racionalidades diferem e muitas vezes se opõem aos das empresas de produção, como no caso do aumento das tarifas de importação.
Raphael Kaplinsky (2004) desenvolveu o conceito de rents, introduzido por Adam Smith e re-elaborado por Joseph Schumpeter, David Ricardo, Gordon Tullock e Anne Kruegger (Schumpeter,1961; Ricardo apud Kaplinsky, 2004; Tullock, 2003; Krueger, 1974). Kaplinsky avalia que para atingir o desenvolvimento sustentável em um mundo globalizado é preciso considerar outras formas de capturar e de tornar escassos ativos econômicos para criar barreiras de entrada. Propõe novas categorias de rents que reúnem ativos endógenos da empresa com ativos exógenos, o todo formando um sistema de partes interdependentes. Em sua abordagem, simplificada por Gereffi (1999) para definir o conceito de lead firms, para que uma empresa seja competitiva globalmente – e entendemos também por isso manter seu próprio mercado interno – é preciso bem mais do que apenas conhecer os mercados, ter competências dinâmicas e elevadas, ou adquirir máquinas modernas. É necessário dispor em seu país de recursos naturais (ou de sua transformação), financeiros e institucionais capazes de impulsionar seu desenvolvimento, cabendo ao governo encontrar formas inventivas de acesso a mercados mais ricos, mais exigentes e estimulantes. Todas essas dimensões são objeto de novas combinações, como podemos observar nas estratégias adotadas tanto por países ricos quanto por países em desenvolvimento que têm aumentado expressivamente seus ganhos no comércio internacional de T&C. Exploração das bases instaladas de ciência e tecnologia para criar novos materiais e novas funções para roupas e tecidos de alto valor agregado; estabelecimento de acordos de acesso preferencial; implantação de barreiras socioambientais; e uso da capacidade de coordenação de redes de suprimento, são alguns dos ativos mobilizados para criar escassez e distanciar-se de concorrentes. Inovações podem ainda ser objetivadas pelo emprego de técnicas de organização da produção, de matérias primas alternativas que reduzam o impacto ambiental, pela criação de fundos de baixo custo ou pelo fortalecimento de identidades regionais e nacionais.
Este trabalho se propõe a analisar alguns vetores de transformação da estrutura tradicional do setor, em que a maioria de nossas empresas não atua em cadeias de valor, formando apenas redes comerciais frágeis com seus fornecedores e clientes, sobre os quais poucas sabem por que os conquistam ou perdem, ou ainda quais são suas estratégias e visões de futuro. São discutidos alguns resultados do estudo “Globalização da economia têxtil e de confecção brasileira”, realizado pelo Instituto de Prospecção Tecnológica e Mercadológica (IPTM) do SENAI-CETIQT, apoiado pela FINEP e pela ABIT, e apresentadas considerações a respeito dos papéis que devem ser assumidos por governo, empresários, instituições de apoio e sociedade para a transição de perfil do setor (Bruno, 2007a).
* Instituto de Prospecção Tecnológica e Mercadológica Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil, SENAI, RJ. Departamento de Engenharia Industrial, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ.
**Instituto de Prospecção Tecnológica e Mercadológica Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil, SENAI, RJ.
***Instituto de Prospecção Tecnológica e Mercadológica Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil, SENAI, RJ.