Espacios. Vol.29 (2) 2008. Pág. 9

A Indústria Farmacêutica no Brasil e na Índia: um estudo comparativo de desenvolvimento industrial

The pharmaceutical industry in Brazil and India: A comparative study of industrial development

La industria farmacéutica en Brasil y la India: Un estudio comparativo del desenvolvimiemto industrial

Roberto Mario Lovón Canchumani


5. Discussão comparativa (Brasil-Índia)

Como exposto anteriormente, a indústria farmacêutica brasileira (fármacos e medicamentos) movimentava anualmente recursos da ordem de US$ 10 bilhões sendo, em 2001, a 5a indústria farmacêutica mundial em volume de produção. Cabe salientar, entretanto, que este setor industrial é intensamente dominado por empresas internacionais (rever Tabela 2), com plantas de produção e/ou formulação instaladas no país.

As empresas com capital nacional, responsáveis por cerca de 20% do faturamento do setor, têm suas atividades centradas principalmente na produção e desenvolvimento de processos, com produtos obtidos por analogia enquanto não havia uma lei de patentes ou não se reconheciam as mesmas para medicamentos no país, ou com tecnologia transferida por parcerias internacionais mediante abertura de participação financeira no seu capital ou pagamento de royalties para as empresas detentoras das patentes. Numa análise global, pode-se dizer que o setor farmacêutico brasileiro esta voltado para a farmacotécnica, ou seja, as empresas, principalmente estrangeiras, importam a matéria prima pronta, produzindo no Brasil apenas o medicamento final. Com poucas exceções, não há no país investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos neste setor.

Esta realidade é crítica na medida em que todas as empresas farmacêuticas mundiais realizam vultosos investimentos em pesquisa e desenvolvimento como parte integrante de sua estratégia competitiva, visando constante lançamento de novos produtos, principalmente medicamentos patenteados, condição fundamental para manter suas parcelas de mercado e conquistar outras. Dessa forma, gastos com P&D são da ordem de 10 a 15% do faturamento das empresas lideres do setor.

O país, ao não investir em novos produtos, perde uma oportunidade única de participar num mercado mundial estimado em centenas de bilhões de dólares anuais. Por outro lado, a adoção da lei de patentes para produtos farmacêuticos e biotecnológicos no País (Lei 9279/96), com seu mecanismo previsto de pipeline, implica que a indústria nacional poderá ter um volume significativo de recursos exportados no pagamento de licenças e royalties. Um efeito previsível e em parte já observável é a tendência às fusões e aquisições de empresas brasileiras por estrangeiras. Desta forma, a dependência tecnológica nacional tornou-se quase total neste setor. Como resultado dessa situação, basta verificar o que ocorreu com as importações brasileiras, as quais aumentaram significativamente a partir de meados da década de 1990 (rever Tabelas 4 e 5). Contraditoriamente, o Brasil possui um patrimônio potencial incalculável representado pela biodiversidade, até agora a principal fonte de compostos de partida no desenvolvimento de novas drogas. Tal potencial, além de pouco aproveitado pelo pais é, adicionalmente, mal protegido.

Por outro lado, como também já exposto, o mercado indiano de produtos farmacêuticos foi estimado, no ano 2000, em US$ 4 bilhões (valor da produção de fármacos e medicamentos), crescendo a uma taxa de aproximada de 10% ao ano. Entretanto, as maiores taxas anuais de crescimento (entre 15 e 16% ao ano) foram registradas durante o período 1990-95 para fármacos e fórmulas. É importante observar que neste setor industrial, a presença das empresas nativas é notável. Entre as 10 principais empresas que atuam no mercado indiano, 7 são de capital nacional (rever Tabela 8).

Diferentemente do Brasil, a indústria farmacêutica da Índia tem demonstrado grande progresso em termos de desenvolvimento de infra-estrutura, base tecnológica e escala de produção. Tudo isso tem sido possível graças à mão-de-obra técnica e científica suficiente e competente, e também graças ao pionerismo no desenvolvimento de processos, através do qual se estabelece, em grande parte, a assimilação de tecnologias. A força da indústria repousa na tecnologia de classe internacional, eficiência dos custos de produção de 70% dos fármacos e de quase todas as fórmulas necessárias, biodiversidade rica, custos competitivos de P&D, e mais de 20% de taxa de crescimento das exportações. Por outro lado, com o crescente número de fármacos saindo do regime de patentes e a capacidade dos cientistas indianos na área de tecnologia de processo, a participação dos produtos farmacêuticos da Índia no mercado mundial deverá crescer ainda mais.

Deve-se ressaltar que a Índia possui uma grande rede de laboratórios nacionais com pessoal da área científica muito motivado, com os quais até mesmo empresas multinacionais cooperam em vários projetos. Ressalte-se ainda que, tecnologias de custo eficiente para a produção de fármacos e uma indústria de equipamentos de bens de capital bem desenvolvida são importantes e essenciais recursos indianos, sem os quais certamente o setor não teria atingido o estágio em que se encontra. A Índia tem capacidade de fornecer intermediários para medicamentos, com ênfase na produção de fórmulas de baixo custo, os quais atendem as restrições orçamentárias de vários departamentos de saúde, reduzindo, assim, as despesas com saúde pública. Por outro lado, a Índia é considerada, cada vez mais, como base de manufatura para empresas farmacêuticas globais, além de ser um mercado atraente para organizações voltadas para a pesquisa, devido à grande capacidade de eficiência em termos de custos.

Nota-se, portanto, uma diferença considerável entre ambos países (Brasil e Índia), no que se refere à capacidade endógena no setor industrial farmacêutico.

6. Conclusões

Comparativamente com a Índia, no tocante à produção endógena de fármacos e medicamentos acessíveis à população, o Brasil encontra-se em notória desvantagem, o que pode ser constatado pelos seguintes aspectos desfavoráveis: (a) medicamentos essenciais com preços elevados e muitas vezes abusivos; (b) setor dominado por grandes empresas multinacionais; (c) as empresas multinacionais e grande parte das nativas importam os fármacos e apenas “montam” os medicamentos localmente; (d) baixa capacidade nacional na produção de fármacos; (f) baixíssima capacidade de descobrir/inovar e de levar o novo produto ao uso comercial; (g) importações significativas e preocupantemente crescentes; e (h) baixa inserção internacional das indústrias nativas e das demais instaladas no país, resultando em exportações relativamente baixas.

Atribui-se tal situação, basicamente, à condução diferente que tiveram nos dois países as políticas específicas voltadas para o setor farmacêutico. Neste setor industrial verificou-se que: A ÍNDIA: (i) beneficiou-se da continuidade de uma política específica; (ii) aproveitou com sucesso a evolução do seu regime de patentes; (iii) implementou uma política de preços consistente para apoiar a indústria nativa; (iv) incentivou com sucesso o desenvolvimento cientifico e tecnológico tanto no setor público quanto no privado; (v) dirigiu a política e todas as suas conseqüências para que fosse criada e crescesse uma indústria nativa com inserção internacional; e (vi) tem se beneficiado de postura correta face aos genéricos. O BRASIL, por outro lado: (a) conduziu uma política que se caracterizou pela fraqueza e descontinuidade; (b) não se beneficiou do regime de patentes; (c) total falta de incentivos específicos para o setor; (d) não houve vontade política para privilegiar e fazer crescer empresas nativas; (e) houve ausência do uso do poder de barganha do seu mercado, face ao capital estrangeiro, e nem houve a visão da possível inserção de seus produtos no mercado internacional; (f) os resultados dos esforços empreendidos com êxito ficaram confinados em laboratórios públicos que são a base de esforço recente para crescimento de empresas nativas; e (g) tem se beneficiado de postura correta face aos genéricos.

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Notas

(1) Convém lembrar que Brasil e Índia, o primeiro a partir do final da Segunda Guerra Mundial, e o segundo a partir da sua independência da Inglaterra ocorrida em 1947, formularam políticas de desenvolvimento nacional que visavam dota-los de infra-estrutura que permitisse uma industrialização mais acelerada. Assim, a partir da década de 1950, acompanhando a tendência mundial, ambos países preocuparam-se em criar uma infra-estrutura em ciência e tecnologia (C&T).

(2) Desde 1945 (D.L.7903, de 28/08/1945) a legislação brasileira não reconhecia patentes de produtos farmacêuticos. Em 1969 foi também suspenso o reconhecimento de patentes de processos (D.L. 1005, de 21/10/1969) situação esta que prevaleceu até 1996, quando, sob a imensa pressão dos países desenvolvidos junto à Organização Mundial do Comercio (OMC), foi aprovada uma nova lei de patentes tanto para produtos quanto para processos.

(3) A CEME foi criada em 1971, como órgão da Presidência da República, destinada a promover e organizar o fornecimento, por preços acessíveis, de medicamentos para consumo da população carente. Ao longo da sua existência, o órgão passou a ter como finalidade, também, a promoção do fortalecimento do Sistema Estatal de Produção de Medicamentos, estimulando a produção dos laboratórios oficiais, e promovendo medidas de incentivo a pesquisas na área farmoclínica.

(4) Empresa de pesquisa vinculada à Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

(5) A seleção de uma molécula-alvo constitui a fase de pesquisa do fármaco propriamente dita.


7. Referências bibliográficas

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